Mapa da eleição francesa: inércia favorece Sarkozy

Por Bernardo Joffily
O gráfico que ilustra esta matéria foi tomado do jornal Le Monde. Ele compara os desempenhos da extrema esquerda, esquerda, centro, direita e extrema direita nas duas eleições presidenciais francesas, a de domingo passado

Foram mantidos no gráfico os critérios do Le Monde. Estes são os corrente na imprensa francesa, que não se envergonha de chamar “direita” à direita, mas contêm imprecisões: em especial, o PCF (Partido Comunista Francês) é agrupado junto com o PS (Partido Socialista) no bloco “Esquerda”, quando tem estado mais próximo da “Extrema esquerda”, por exemplo na vitoriosa campanha pelo “Não” no referendo de dois anos atrás.



Um paradoxo francês



A eleição presidencial de 2002 foi a pior da história contemporânea para a esquerda francesa – na acepção corrente, que inclui aí os socialistas, hoje de um pálido rosado social-democrata. Pela primeira vez, esta ficou sem um candidato seu no segundo turno e viu-se obrigada a votar no direitista Jacques Chirac da UMP ( (União por um Movimento Popular), para barrar o ultra-direitista Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional.



Desta vez, pelo menos, Ségolène está no segundo turno. Seus 25,8% no domingo passado representaram um avanço em relação aos trágicos 16,2% de seu correligionário Lionel Jospin, cinco anos atrás.



Porém o gráfico do Le Monde revela o que estes números tomados isoladamente ocultam: entre estas duas eleições, a França inclinou-se à direita. O que pode ser visto como um paradoxo, já que neste intervalo os franceses rejeitaram em referendo, por uma maioria de 54,7%, a proposta de Constituição da União Européia, graças a uma campanha de massas conduzida pela esquerda antineoliberal.



Os candidatos se inclinam à direita



À primeira vista, o gráfico aponta um emagrecimento eleitoral da ultra-direita. Mas este foi o efeito de uma escolha consciente de Sarkozy, que abraçou com desenvoltura um pacote de propostas originalmente defendidas por Le Pen. Sua campanha chegou aonde a direita tradicional francesa jamais chegara em matéria de ódios, truculência, anti-sindicalismo, reabilitação do colonialismo, racismo, xenofobia e “nacionalismo” (aqui colocado entre aspas porque se dirige principalmente contra o trabalhador imigrante estrangeiro, e não contra o dominador imperialista como no saudável nacionalismo latino-americano).



O tamanho dessa guinada pode ser avaliado pelo recurso das campanhas de Ségolène, e também do centrista François Bayrou ao lema que no segundo turno foi abraçado pelas forças à esquerda: “Qualquer um menos Sarkozy”.



Se o partido no gobverno deu vários passos à direita com Sarkozy, a candidata socialista fez o mesmo. O abuso da bandeira e do hino da França durante a campanha transmitiram essa mensagem. E todos os seus acenos pós-primeiro turno se dirigem ao eleitorado de centro.



O próprio Chirac quem expressou cruamente essa inclinação: “Ségolène está é mais de direita que Jospin (candidato do PS em 2002), eu sou mais de direita que Chirac (Jacques Chirac, candidato da UMP em 2002, hoje presidente), Bayrou é mais de direita que Lecanuet (Jean Lecanuet, líder da UDF de Bairou de 1978 a 1988)…”



Esquerda antiliberal se fragmentou



Um fator que pesou nesta direção foi o fracasso da esquerda antiliberal em comparecer às urnas com uma candidatura competitiva. A vitória no referendo, com o voto maciço da classe operária, das massas assalariadas e da juventude, apontava em outro sentido. Mas os partidos e movimentos que souberam impulsionar o “Não” de esquerda não foram capazes de produzir uma candidatura única. Divividos em cinco, competindo entre sí, terminaram vítimas do voto últil, numa eleição em que não estava nítido quem iria enfrentar Sarkozy no segundo turno.



Contados os votos deste domingo, o menos mal votado desse campo, o trotskista Olivier Besancenot (LCR, Liga Comunista Revolucionpária) teve 4,11%, um pouco menos que os 4,25% que obtivera em 2002. O PCF, com a candidata Marie-George Buffet, teve o seu pior desempenho: 1,94%, contra 3,37% em 2002 e 8,66% em 1995.



O fato consumado e o possível fato novo



A lógica do segundo turno leva Sarkozy e Ségolène a disputar os eleitores de centro, que deram a Bayrou 18,5% dos votos. Bayrou faz suspense sobre seu apoio no segundo turno, que só anunciará na quarta-feira (25). Seu partido, porém, é sócio da UMP no governo atual.



Para dourar a pílula da atração, a campanha Sarkozy diz querer uma governo “o mais amplo possível” e “não só da UMP”. Este teria “um pólo majoritário”, mas também “um pólo centrista” e até “um pólo de esquerda”. Este incluiria o ex-assessor de Ségolène, Eric Besson, que durante a campanha virou a casaca, passando-se para o lado de Sarkozy.



Vistos estes fatos, as aparências indicam a vitória de Sarkozy como um fato consumado. Porém em política o fato consumado é a maior potência… com exceção do fato novo (que o digam os direitistas José Marisa Aznar, na Espanha de 2004, ou Geraldo Alckmin, no segundo turno brasileiro de 2006). E há espaço para o fato novo no segundo turno francês, por exemplo no debate de 2 de maio na TV. “Eu continuo a apostar na inteligência dos franceses e me recuso a cultivar o medo”, disse ela depois da apuração, alvejando a imagem de linha-dura que seu opositor cultivou.



Voto por voto



Veja a percentagem obtida por cada um dos 12 candidatos no domingo (22):
Nikolas Sarkozy 31,11%
Sègolène Royal 25,83%
François Bayrou 18,55%
Jean-Marie Le Pen 10,51%
Olivier Besancenot 4,11%
Philippe de Villiers 2,24%
Marie-George Buffet 1,94%
Dominique Voynet 1,57%
Arlette Laguiller 1,34%
José Bové 1,32%
Frédéric Nihous 1,15%
G Schivardi 0,34%