Timor Leste: Ramos Horta cancela buscas a militar amotinado
O candidato presidencial e atual primeiro-ministro do Timor Leste, José Ramos-Horta, anunciou no dia 17 de abril, terça-feira, que estava cancelando a busca do líder militar amotinado Alfredo Reinado, “caçado” pelos soldados da Austrália. O ex-major é pro
Publicado 25/04/2007 15:18
“Reinado, que tem laços estreitos com as forças militares australianas e com o presidente Xanana Gusmão, teve um papel significativo na campanha efetuada no ano passado por Canberra para remover o ex-primeiro-Ministro Mari Alkatiri do caro. A decisão de suspender a perseguição e de negociar os termos para uma “rendição voluntária” levanta mais suspeitas sobre Reinado.
O anúncio de Ramos-Horta vem no meio de manobras políticas em curso após o primeiro turno da eleição presidencial, realizado em 9 de abril. A Comissão Nacional de Eleitoral emitiu a contagem final no dia 12 de abril, com o candidato da Fretilin, Francisco “Lu-Olo” Guterres à frente com 27,9%. Ramos-Horta teve apenas 21,8% e acabou com pouco mais que o candidato rival da oposição Fernando “La Sama” de Araujo, com 19,2%. Os candidatos perdedores ameaçaram desafiar os resultados no tribunal antes do segundo turno.
Não há qualquer dúvida que a decisão de Ramos-Horta de suspender a busca por Reinado está ligada com a sua tentativa desesperada de assegurar apoio na segunda volta das eleições.
Os votos iniciais revelaram que, apesar da constante promoção feita pelas mídias australianas, Ramos-Horta não tem base de apoio genuína. Fora da capital, Dili, ganhou relativamente poucos votos. Com os distritos do leste de Timor-Leste solidamente pró-Fretilin, Ramos-Horta almeja aumentar a votação nos distritos do oeste. Para isto é fundamental o apoio de Araújo, já que o candidato do Partido Democrático obteve a maioria dos votos naquela área.
O anúncio de Ramos-Horta do cancelamento das buscas a Reinado foi feito dias depois do primeiro-ministro ter declarado sua intenção de se encontrar e se aliar aos derrotados no primeiro turno, inclusive Araújo.
Reinado apoiou publicamente a campanha presidencial de Araújo, como havia feito também grande parte da ala mais à direita da sociedade timorense, incluindo a Igreja Católica. O padre Martinho Gusmão, representante da igreja na comissão nacional de eleições endossou publicamente Araújo dias antes da votação.
Araújo tem estreitas ligações com figuras importantes associadas às forças militares indonésias e milícias pró-indonésias, que causaram danos extensos ao país durante o referendo para a independência, em 1999.
Ao cancelar a perseguição a Reinado, Ramos-Horta praticamente emitiu um apelo às forças reacionárias para apoiarem a sua candidatura, em uma plataforma anti-Fretilin.
Contudo, o primeiro-ministro pode ter agido sem ter dado conhecimento, e sem a autorização, às forças australianas em Timor Leste. Cerca de 1.100 militares australianos, incluindo pelo menos 100 soldados de elite SAS, continuam a ocupar o país.
Os soldados foram enviados em maio do ano passado, depois do governo do conservador John Howard aproveitar os problemas criados em Dili, em parte instigados por Reinado e pelos seus homens, de modo a ampliar o controle sobre o petróleo e o gás do país e do Mar de Timor. O destacamento das tropas foi apresentada como uma operação humanitária, mas tal como a intervenção militar em 1999, foi guiada pelos interesses econômicos e estratégicos da elite australiana no poder.
O primeiro objetivo do governo de John Howard foi remover Alkatiri, que era visto como um obstáculo a seus interesses. O líder da Fretilin tinha desenvolvido laços estreitos com Portugal e China e tinha ainda forçado Canberra a fazer concessões limitadas, mas valiosas em relação à exploração do campo de gás da Greater Sunrise.
Alkatiri renunciou em junho, depois da televisão australiana ABC ter acusado o primeiro-ministro de formar um “esquadrão da morte”, durante o programa “Four Corners”, para assassinar os seus opositores. Estas acusações foram arquivadas por falta de provas. Ao mesmo tempo que ia ao ar a acusação, Reinado alegou que antes de se amotinar Alkatiri havia ordenado que disparasse contra manifestantes anti-governo. Mais uma vez, sem ter dado alguma prova.
Permanece obscura a natureza exata das ligações de Reinado com Canberra. Ele viveu e trabalhou na Austrália nos anos 1990, regressando a Timor Leste em 1999, depois do governo indonésio ter concordado em fazer o referendo e permitir a independência formal. Depois de se juntar às forças armadas timorenses, Reinado recebeu treino militar em Canberra. A sua mulher e filhos vivem ainda na Austrália.
As tropas australianas não fizeram nenhum esforço para deterem Reinado depois de terem chegado ao país em maio do ano passado. Encorajados pelo presidente Xanana Gusmão, Reinado e os seus homens fugiram de Dili para a sua base nas montanhas centrais.
Permaneceu uma figura pública, emitindo “denúncias” regularmente contra o governo da Fretilin, e por isso foi paparicado pelas mídias australianas. Enviados de Gusmão, jornalistas e soldados australianos eram seus habituais visitantes. Depois de Reinado ter sido preso com acusações de contrabando e roubo de armas pela polícia oortuguesa em julho passado, soube-se que a casa que usava para armazenar essas armas ficava em frente à base militar australiana em Dili.
Em outro episódio altamente suspeito, um mês depois de ter sido preso, Reinado foi capaz de sair à pé, literalmente, da prisão de Dili. O ministro da Justiça de Timor Leste, Domingos Sarmento, alegou que as forças da Nova Zelândia, que guardavam a prisão, tinham sido retiradas dias antes, ao mesmo tempo que Ramos-Horta relatava que as autoridades australianas tinham negado vários pedidos para colocarem tropas nas áreas externas da instalação. Canberra e Wellington negaram responsibilidades no incidente.
Nos meses após a sua “fuga”, Reinado continuou a emitir declarações públicas. Acusou Ramos-Horta de ser “fraco” e “demasiadamente dependente” da Fretilin. Deste modo, o antigo major serviu como um útil meio para Canberra manter pressão sob o governo e o parlamento Timorense.
Em fevereiro o presidente Gusmão e o primeiro-ministro Ramos-Horta negociaram um acordo com Reinado sobre a sua rendição, mas isso foi por água abaixo depois que o presidente do Parlamento (e agora candidato a presidente), Francisco Guterres da Fretilin, ter rejeitado o acordo por ser inconstitucional.
Em seguida, Ramos-Horta autorizou o envio da tropa militar australiana. O governo Howard despachou mais 100 tropas especiais para a operação e em 4 de março, tropas australianas e da Nova Zelândia “atacaram” a base do ex-major na cidade de Same. Cinco dos seus seguidores foram mortos, apesar de Reinado ter conseguido escapar mais uma vez.
As mídias e o governo de Ramos-Horta nunca explicaram convincentemente o caso. Dúzias de homens rotemente armados e altamente treinados, apoiadas por helicópteros e carros blindados, lançaram a operação a meio da noite. Apesar de durante semanas terem monitorizado a zona e de estarem equipados com equipamento para visão noturna, as tropas não conseguiram evitar que Reinado e a maioria dos seus homens desaparecessem.
A explicação mais plausível é que a operação australiana jamais tenha visado a captura de Reinado. É improvável que depois disso as forças australianas tenham feito esforços genuínos para o capturar. Ao mesmo tempo que porta-vozes militares insistiam que as tropas, incluindo o pessoal SAS, estavam “em perseguição” a Reinado, o foragido continuava a fazer declarações públicas e a dar entrevistas aos jornalistas durante a campanha para as eleições presidenciais.
Uma equipe de operadores de câmera do programa “Correspondente Estrangeiro”, da ABC, encontrou-se com ele na selva menos de quinze dias após a incursão em Same. Não há qualquer dúvida que os serviços de informações australianos o teriam descoberto se quisessem; uma agência australiana inteira, a Directoria dos Sinais de Defesa, tem por missão monitorar as comunicações eletrônicas.
O anúncio de Ramos-Horta de que a “perseguição” estava cancelada foi raramente mencionada nas mídias australianas e não teve resposta do governo Howard ou das forças militares. Um porta-voz do Ministério dos Estrangeiros em Canberra disse ao World Socialist Web Site que não podia comentar porque era uma questão do Ministério da Defesa, ao mesmo tempo que o Ministério da Defesa insistia que era uma questão do governo Timorense.
Não foi feito qualquer anúncio sobre a retirada do pessoal australiano, incluindo as 100 tropas SAS que o governo afirmou serem necessárias para a incursão em Same. Tal anúncio é improvável enquanto não acabarem as eleições. A razão real para o aumento das tropas era para aumentar a força militar australiana na preparação das eleições presidenciais, bem como as parlamentares, marcadas para 30 de junho. Tendo gasto consideráveis recursos na remoção de Alkatiri no ano passado, Canberra está determinada a prevenir que a Fretilin volte ao poder.
O governo Howard tem esperança de assegurar a derrota de Guterres no segundo turno em maio próximo, e depois engendrar um governo anti-Fretilin com base no novo partido do Presidente Gusmão, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), após as eleições parlamentares.
Estes planos baseiam-se em resultados eleitorais que coincidam com os desejos Canberra. Caso contrário, é alta a possibilidade de que o Timor Leste seja de novo palco de nova violência. Os militares australianos já atuam de forma mais agressiva e não faltarão pretextos e provocações nos próximos dias, ainda mais agora, que Reinado está com as mãos livres.”