Imigração define votos na eleição francesa

Pró-Ségolène, a classe média que aproveita o dinamismo econômico e cultural se mostra mais aberta ao ''outro''. Com Sarkozy, estão classes populares e parcelas mais fragilizadas da classe média que vêem imigrante com insegurança. Por Ivan du Roy, para a A

Na noite de 6 de maio, a França terá um novo presidente – ou uma nova presidenta – da República, eleito por cinco anos. Esta eleição será seguida por outra, em junho, legislativa, que dirá se o novo (ou nova) ocupante do Palais de l´Elysée terá ou não maioria na Assembléia Nacional. O pleito de agora pode ser considerado excepcional por várias razões.



Marca, de início, uma renovação dos líderes políticos. Os representantes das duas principais forças políticas – Nicolas Sarkozy, do partido conservador UMP, e Ségolène Royal, do Partido Socialista (PS), considerado social-democrata – são candidatos pela primeira vez. O presidente Jacques Chirac, que deixa o cargo, foi candidato em 1981, 1988, 1995 (eleito) e 2002 (reeleito) ¹ . Sarkozy e Ségolène não são, no entanto, novatos na vida política.



O primeiro é prefeito de Neuilly-sur-Seine, cidade rica localizada nos arredores de Paris, desde o anos 80 e foi, por diversas vezes, ministro de diferentes governos de direita. A segunda iniciou a carreira política em 1983, como conselheira de François Mitterrand. Também foi ministra várias vezes em governos de esquerda e dirige uma das 22 regiões políticas nas quais a França se divide.



Esta eleição também modifica o cenário cinco anos após o ''terremoto político'' de 21 de abril de 2002, quando, pela primeira vez em trinta anos, o principal candidato da esquerda – Lionel Jospin, do Partido Socialista – perdeu a vaga para o segundo turno da disputa para o candidato da extrema direita, Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional.



A campanha de 2007 foi, portanto, marcada por grandes incertezas, como o receio de que a candida social-democrata fosse, mais uma vez, derrotada pela extrema-direita. Até que um quarto ator, antes marginal², entrou na dança: a emergência de um partido de centro, com o candidato François Bayrou, da União pela Democracia Francesa (UDF). Caçando em terrenos sociais-democratas, de acordo com as pesquisas Bayrou era capaz de ameaçar seriamente Ségolène Royal no primeiro turno.



Por fim, a campanha foi marcada por uma derrota da esquerda alternativa em apresentar um candidato próprio. Se apoiando no sucesso do ''não'' no referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu ³, considerado muito neoliberal pela extrema-esquerda e por uma parte do PS, os grupos antineoliberais buscaram reunir as diferentes correntes desta esquerda alternativa: o Partido Comunista Francês (PCF), os Verdes (ecologistas), a Liga Comunista Revolucionária (LCR, trotskista) e o movimento altermundista. Foi uma derrota.



Cada uma dessas correntes apresentou seu candidato ou sua candidata de forma dispersa, apesar da tentativa do sindicalista campesino José Bové (antigo porta-voz da Via Campesina) de encarnar o ''pacto de união'' entre essas esquerdas.



Resultado: nada menos do que quatro candidatos reivindicantes de um programa muito social e mais ou menos ecologista se apresentaram à esquerda do PS, aos quais se somaram dois outros pequenos candidatos trotskistas.



Uma dinâmica unitária poderia lhes ter garantido ultrapassar a barreira dos 10% de votos e dar a eles condições de criar um pólo social e ecologista menos neoliberal que o PS. Com a dispersão de vozes e o voto útil em favor de Ségolène Royal, nenhum deles ultrapassou os 5%.



A França se encontra então em uma situação considerada ''normal'' pela maioria dos analistas políticos: um enfrentamento clássico entre a esquerda e a direita no segundo turno. Esta normalidade, no entanto, nada mais é do que uma ilusão. Em princípio, por causa da personalidade do candidato de direita, Nicolas Sarkozy. Ele defende um programa bastante neoliberal, que inclui propostas como a diminuição dos impostos para os mais ricos, a privatização dos serviços públicos e o desmantelamento do direito ao trabalho e à proteção social.



Ele prega, sobretudo, uma visão relativamente inquietante da sociedade. Seus discursos sobre o sucesso individual (''trabalhar mais para ganhar mais'') negam toda forma de solidariedade aos mais desfavorecidos. Os desempregados ou as famílias de baixa renda são vistos como preguiçosos.



Sarkozy não hesitou, por exemplo, em chamar de ''canalhas'' os jovens das periferias pobres, constantemente vítimas de preconceito na hora de procurar um emprego ou uma moradia. Recentemente, afirmou, em uma revista que aborda temas filosóficos, que considera a pedofilia e o suicídio como genéticos.



Enquanto ministro do Interior, propôs que os comportamentos ''delinqüentes'' fossem detectados aos três anos de idade. Por fim, Sarkozy se beneficia da simpatia dos donos dos grandes grupos de comunicação. Os jornalistas que buscam cobrir as eleições de forma imparcial são regularmente intimidados.



Como, com tal discurso, este candidato chegou à frente no primeiro turno (com 31% dos votos) e tem boas chances de ser eleito presidente da França?



Esta eleição revelou igualmente, portanto, grandes fraturas políticas no país. De um lado, a classe média, que vive nos grandes centros e aproveita do dinamismo econômico e cultural, e que se mostra então mais facilmente aberta ao outro – aos imigrantes, à Europa, à ecologia, às idéias altermundistas. Majoritamente, essa parcela da população votou na esquerda ou ao centro.



De outro lado, as classes populares e a parcela mais fragilizada da classe média, relegadas cada vez mais às periferias em função da explosão de preços do mercado imobiliário. Para elas, a imigração e, de forma mais ampla, o estrangeiro, suscita medo e é sinônimo de insegurança.



Temem a precarização das condições de trabalho e a fuga em direção à Europa Ocidental de países como a China ou dos vizinhos do leste. Com o desemprego, a dificuldade de conseguir um trabalho é cada vez maior. Se sentem menosprezadas pelas elites culturais e pela esquerda, que há muito tempo abandonou esta parcela da população.



Há poucas associações construídas, ausência de sindicatos (hoje concentrados principalmente nas grandes empresas publicas), fechamento de serviços públicos (hospitais, correios).



Em algumas regiões industriais, onde a história do movimento operário ainda se faz presente, essas classes populares votam na extrema esquerda contestadora. Mas cada vez mais se atraem pelas sirenes xenófobas da extrema direita. Sarkozy, graças ao seu discurso que alia sucesso individual, recesso identitário e egoísmo seduziu grande parte deste eleitorado.



O paradoxo: são esses os eleitores que sofrerão mais com a política que será implementada por ele. Mas isso a esquerda não conseguiu deixar claro.



Às vésperas do segundo turno, a campanha até então morna de Ségolène Royal está longe de despertar entusiasmo em seu favor. Ela se aproveita mais da personalidade de Sarkozy que, involuntariamente, criou um tipo de frente eleitoral que vai da extrema esquerda a certos democratas cristãos.



''Tudo menos Sarkozy'' se tornou o novo slogan. Será que essa mobilização conseguirá impedir sua eleição? Duvida-se. Com os votos da extrema-direita e de uma parte da centro-direita, ele está matematicamente eleito.



Mas qualquer que seja o resultado, um amplo canteiro de reconstrução se abrirá para a esquerda, altamente dividida, incapaz de apresentar um projeto político moderno em favor da justiça social e da revolução ecológica, e cada vez mais distanciada das classes populares que parou de defender.




Notas
(1) Desde 2002, o Presidente da República é eleito para um mandato de cinco anos, e não mais de sete.
(2) Em 2002, François Bayrou obteve 6,8% dos votos.
(3) No dia 20 de maio de 2005, 55% disseram ''não'' no referendo.



* Ivan du Roy é jornalista do semanário francês Témoignage Chrétien (www.temoignagechrétien.fr) e do webzine Basta! (www.bastamag.org).


 


Fonte: Agência Carta Maior