Mulheres,gays,médicos e católicos protestam contra o papa

O papa Bento XVI, que chega ao Brasil nesta quarta-feira (9), poderá enfrentar protestos de mulheres, gays, médicos e até católicos. Cada movimento, a sua maneira, pegará o embalo da visita do papa ao Brasil para debater temas com a sociedade que não são

Médicos


 


Faltando poucas horas para a visita do papa ao país, os médicos da clínica, na zona leste da capital paulista, culpam os líderes católicos por prejudicarem a saúde das mulheres e a luta contra a Aids.


 


No Brasil, os médicos podem ser cassados por fazer abortos ilegais ou mesmo por encaminhar as mulheres às clínicas clandestinas que atendem a população de classe média alta. Quando uma paciente pobre quer interromper uma gestação indesejada, os médicos são então pegos em um dilema moral. ''Isso nos coloca numa posição horrível'', disse Ruth Loreto Sampaio de Oliveira, ginecologista do Centro de Saúde Escola Barra Funda. ''Tivemos pacientes que morreram depois de recorrerem a abortos arriscados.''


 


As mulheres de baixa renda muitas vezes induzem abortos com um medicamento chamado misoprostol, vendido ilegalmente por ambulantes nas ruas de São Paulo. Algumas exageram na dose, rompendo o útero. Outras confiam em poções caseiras que contêm peróxido, que causa queimaduras, ou em aparelhos improvisados.


 


O sofrimento, segundo os médicos, poderia ser evitado. Eles esperam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desafie a Igreja no quesito aborto, agora que ele não tem mais que disputar a reeleição. ''A Igreja entra no caminho sempre que tentamos ampliar o acesso ao controle de natalidade, mas perdeu a batalha sobre a política para a Aids'', disse a médica Tânia Lago, que dirige os programas de saúde feminina do Estado de São Paulo. ''É uma doença que mata, então os políticos se dispuseram a enfrentar a Igreja.''


 


A abstinência sexual defendida pelo papa também é questionada pelos médicos.''Se eu disser aos meus pacientes para praticar a abstinência, todo mundo riria da minha cara'', disse Marta Campagnoni, médica que dá aulas de planejamento familiar na clínica da Barra Funda.


 


Os médicos não organizarão um ato específico da categoria, mas apóiam as manifestações que acontecerão em São Paulo. “É muito importante que aconteçam manifestações durante a visita de Bento XVI. As pessoas precisam saber das conseqüências desumanas que determinadas orientações da Igreja Católica levam”, declarou o médico João Carlos Mello.


 


Católicos


 


''Se eu fosse o papa, fecharia o Vaticano e a Cúria Romana'', declarou Dom Pedro Casaldáliga em entrevista realizada por Eduardo Lallana e Charo García de la Rosa, presidente da ONG soriana Terra Sem Mal. Casaldáliga foi duas vezes candidato ao Prêmio Nóbel da Paz, bispo emérito de São Félix (MT), místico, poeta, um dos líderes da Teología da Liberação. Na entrevista, ao ser perguntado sobre o que considera o maior pecado do mundo, Dom Pedro respondeu “o capitalismo neoliberal”.


 


A questão que mais preocupa Casaldáliga é justamente a necessidade de “refazer totalmente a Cúria Romana para redefinir o ministério de Pedro e relativisar o que é relativo, como o próprio celibato sacerdotal, as legislações rígidas no direito canônico, às vezes na liturgia, na pastoral.”


 


Assim como ele, outros padres ligados a Teologia da Libertação também discordam das posições tomadas pela Igreja Católica, porém, nem sempre a Igreja se mostra tolerante a críticas. No início da década de 80, havia 13.888 seminaristas, no ano passado esse número caiu praticamente pela metade, 7.889. O ex-padre Leonardo Boff, um dos mentores da Teologia da Libertação, foi perseguido e punido pelo Vaticano, vindo a deixar o sacerdócio em 1992, critica: ''A Igreja não soube se renovar institucionalmente, nem na linguagem nem nas celebrações. Deveríamos ter cerca de 120 mil padres e temos somente uns 16 mil. A fossilização institucional que perdura há séculos, agravada com a imposição da lei do celibato, tem impedido que se reproduza internamente.''


 


Mas não são apenas padres que criticam a postura canônica, também os Jovens e as Católicas pelo Direito de Decidir, entidade que atua no Brasil há 14 anos, não concordam com algumas proibições da Igreja. A Cartilha “Um início de conversa”, produzida pela entidade, será distribuída durante a visita do papa. Nela, temas considerados tabus pela Igreja, como gênero, sexualidade e religião são abordados, além de livros de referência que esclarecem mais sobre quais são mesmo as posições e proibições do catolicismo.


 


De acordo com a socióloga Dulce Xavier, ativista da organização, elas vão entregar um documento e erguer uma faixa com questionamentos ao papa. Para Dulce, o pontífice não reconhece o poder político das mulheres na Igreja e na família, delegando a elas apenas a tarefa de ser mãe. “A visão é sempre a de que as mulheres devem estar a serviço da Igreja, mas não existe a menor perspectiva de ordenar as mulheres, que seria o acesso à palavra, o poder de decisão dentro da Igreja”, reclama ela. A Igreja Católica proíbe às mulheres o exercício do sacerdócio.


 


Mulheres e GLBBT


 


Homossexualismo e Igreja Católica não combinam, segundo o papa. Já para milhões de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (GLBTT) espalhados pelo mundo uma coisa pode ter tudo a ver com a outra. É o que os movimentos GLBTT, somado a movimentos feministas, devem dizer em dezenas de protestos que estão sendo organizados nos quatro cantos do Brasil. Salvador, Recife, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre são algumas das capitais onde manifestações já foram marcadas.


 


O Grupo Gay da Bahia (GGB) vai fazer um protesto nesta quarta-feira (9), às 16h30, em frente à Catedral de Salvador. O grupo vai distribuir e queimar documentos da igreja que criticam os homossexuais, além de imagens do papa Bento XVI, que chega a São Paulo na mesma hora.


 


A entidade anunciou que o protesto não será apenas contra a discriminação de gays e lésbicas, mas também contra outras regras, reiteradas pelo atual papa, como a condenação do divórcio, do uso da camisinha e da pílula anticoncepcional.


 


“Não se trata de um protesto contra a Igreja Católica, até porque existem muitos homossexuais católicos, mas sim contra a figura conservadora que representa o papa”, declarou Marcelo Cerqueira, presidente da entidade.


 


Na mesma linha de Salvador, em Recife (PE), onde as manifestações começaram na semana passada, o movimento GLBTT Leões do Norte marcou seu protesto para sexta-feira (11), em frente à Basílica do Carmo, às 12 horas. Além dos Leões do Norte, também participarão o Fórum LGBT de Pernambuco, Católicas pelo Direito de Decidir e Associação das Profissionais do Sexo de Pernambuco.


 


Na capital paulista (SP) haverá uma ''vigília'' com velas na praça da República, no centro, na quarta-feira (9), às 19h, para lembrar ''os nossos mortos pela homofobia'', disse Beto de Jesus, da Ilga (International Lesbian and Gay Association).


 


Em Porto Alegre, a ONG Somos criou um desenho, do artista visual Sandro Ka, que pede a Nossa Senhora Aparecida o fim da homofobia. O desenho virou santinho e a ONG está distribuindo mais de 10 mil deles pela cidade deste o último domingo (6). 


 


Em Belo Horizonte, o grupo Cellos irá distribuir 5 mil camisinhas e uma carta que denuncia a homofobia da igreja, no dia 13, na Praça Sete, no centro da cidade.



 


10 mil homens protegendo um


 


 


Cientes das resistências que o papa deve encontrar no Brasil com relação as suas posições, a organização da visita recrutou um batalhão de 10 mil homens da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, das polícias Civil, Militar e Federal, além da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo.


 


Para executar a operação, será criado no Quartel General do Ibirapuera (zona Sul de SP) um Centro de Operações de Segurança Integrada, o chamado Cosi, que acompanhará todos os procedimentos relativos à segurança de Bento XVI.


 


Os 10 mil homens envolvidos na operação, denominada Arcanjo, farão a segurança do papa e sua comitiva nas cidades de São Paulo e de Aparecida (167 km de SP) e conta com: papamóvel, atiradores de elite, medidas contra pane em celular, helicóptero, atendimento médico 24 horas, 400 agentes federais apenas para a segurança pessoal do papa e um esquema especial nas estações de metrô e trem da capital paulista.  


 


A segurança do papa superou a de Bush, que quando esteve no Brasil, no início de março deste ano, contou com a mobilização de cerca de cinco mil pessoas.


 


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