Fidel ataca EUA por tentativa de seqüestro de avião em Cuba

O presidente de Cuba, Fidel Castro, escreveu um artigo, publicado na edição desta terça-feira (8) do jornal Granma, no qual culpa os Estados Unidos e George W. Bush pela tentativa frustrada de seqüestro de um avião em território cubano, na semana

Fidel associa à libertação de Posada Carriles à recente tentativa. Apesar de não citar o nome do terrorista em seu texto, o líder cubano diz que a partir do momento em que um criminoso como Carriles ganha proteção dos EUA, outros delinqüentes sentem-se encorajados a cometer ações contra Cuba.



Além das fortes críticas à posição adotada pela justiça dos EUA, Fidel dedica grande parte de seu texto a uma reflexão sobre o atual momento da economia mundial, especialmente da América Latina.



Leia abaixo a íntegra do artigo:



A tragédia que ameaça nossa espécie



Não posso falar como economista ou científico. Faço-o simplesmente como político que deseja desentranhar os argumentos dos economistas e dos científicos em um sentido ou outro. Também trato de intuir as motivações de cada pessoa que se pronuncia sobre esses temas. Há apenas 22 anos tivemos em Havana uma série de reuniões com líderes políticos, sindicais, camponeses e estudantis, convidados a vir a nosso país como representantes dos setores mencionados. Na opinião de todos, o problema mais importante naquele momento era a enorme dívida externa acumulada pelos países da América Latina em 1985. Essa dívida ascendia a US$ 350 bilhões. Na ocasião, os dólares tinham um poder aquisitivo muito superior ao dólares de hoje.



Enviamos os resultados daquelas reuniões a todos os governos do mundo, com algumas exceções como é lógico, porque a alguns pareceriam insultantes. Naquele período os petrodólares haviam inundado o mercado e as grandes transnacionais bancárias praticamente exigiam aos países a aceitação de elevados empréstimos. Não é demais dizer que os responsáveis pela economia aceitaram tais compromissos sem consultar a ninguém. Essa época coincidiu com a presença dos governos mais repressivos e sangrentos que a região já sofreu, impostos pelo imperialismo. Não poucas somas se gastaram em armas, luxos e bens de consumo. O endividamento posterior cresceu até US$ 800 bilhões enquanto se engendravam os catastróficos perigos atuais, e com ela o número dos condenados a viver na extrema pobreza. Na região da América Latina a diferença entre os setores da população mais favorecida e os de menos ingressos é hoje a maior do mundo.



Muito antes do que agora se debate, as lutas do Terceiro Mundo se centravam nos problemas igualmente angustiantes como a desigualdade. Ano após anos foi-se descobrindo que as exportações dos países industrializados, elaboradas geralmente com nossas matérias-primas, se elevavam unilateralmente de preço, enquanto o de nossas exportações básicas se mantinham inalteradas. O café e o cacau – para citar dois exemplos – alcançavam US$ 2 mil por tonelada. Uma xícara de café e um chocolate batido podiam ser comprados em cidades como Nova Iorque por alguns centavos; hoje se cobra por eles vários dólares, talvez 30 ou 40 vezes o que custava na ocasião. Um tratos, um caminhão, uma equipe médica, requerem hoje para sua aquisição várias vezes o volume de produtos que se necessitava então para importá-los; parecida sorte tinham alguns tecidos e outras fibras produzidas no Terceiro Mundo e substituídas pelas de caráter sintético. Enquanto isso, os couros curtidos, a borracha e as fibras naturais que se usavam em muitos tecidos eram substituídos por material sintético de sofisticadas indústrias petroquímicas. Os preços de açúcar estavam na altura do chão, achatados pelos grandes subsídios dos países industrializados à sua agricultura.



As antigas colônias ou neocolônias, a quem foi prometido um futuro maravilhoso depois da Segunda Guerra Mundial, não despertavam ainda das ilusões de Bretton Woods. O sistema estava desenhado dos pés à cabeça para a exploração e o saque.



Ao início dessa tomada de consciência não havia aparecido ainda outros fatores adversos, como o insuspeito desperdício de energia no qual cairiam os países industrializados. Eles pagavam o petróleo a menos de US$ 2 o barril. A fonte de combustível, com exceção dos Estados Unidos, onde era muito abundante, estava fundamentalmente em países de Terceiro Mundo, principalmente no Oriente Médio, além do México, Venezuela e na África. Mas nem todos os países qualificados como “países em desenvolvimento” eram petroleiros, 82 deles são os mais pobres e como norma necessitam importar petróleo. Espera-lhes, portanto, uma situação terrível se os alimentos se transformarem em biocombustíveis (ou agrocombustíveis, como preferem chamar-lhes os movimentos camponeses e indígenas de nossa região).



A idéia do aquecimento global como terrível espada de Damocles que pende sobre a vida da espécie há apenas 30 anos não era sequer conhecida pela imensa maioria dos habitantes do planeta; ainda hoje existe grande ignorância e confusão sobre esses temas. Se são escutadas as vozes das transnacionais e seu aparato de divulgação, vivemos no melhor dos mundos: uma economia regida pelo mercado, mais capital internacional, mais tecnologia sofisticada é igual a um crescimento constante da produtividade, do PIB, do nível de vida e todos os sonhos do mundo para a espécie humana; o Estado não deve agir em nada, não deveria inclusive existir, exceto como instrumento do grande capital financeiro.



Mas as realidades são pertinazes. Um dos países mais industrializados do mundo, a Alemanha, perde o ano diante do fato de que 10% de sua população está desempregada. Os trabalhos mais duros e menos atrativos são desempenhados pelos imigrantes que, desesperados em sua crescente pobreza, penetram na Europa industrializada de todas as formas possíveis. Ninguém saca o resultado da conta do número de habitantes do planeta, que cresce precisamente nos países não-desenvolvidos.



Mais de 700 representantes de organizações sociais acabam de se reunir em Havana para discutir sobre vários dos temas abordados nesta reflexão. Muitos deles expuseram seus pontos de vista e deixaram entre nós interessante impressões. Há material abundante sobre o qual refletir, além de novos sucessos que ocorrem a cada dia.



Agora mesmo, como conseqüência da libertação de um monstro do terror, dois jovens que cumpriam um dever legal no Serviço Militar Ativo, aspirando a desfrutar do comunismo nos Estados Unidos, assaltaram um ônibus, forçaram uma das portas de entrada do terminal de vôos nacionais do aeroporto, chegaram até um avião civil e penetraram nele com os reféns, exigindo o traslado ao território norte-americano. Dias antes haviam assassinado a um soldado para roubar dois fuzis automáticos, e no próprio avião se privaram de suas próprias vidas com quatro disparos a um valente oficial que, desarmado e capturado como refém no ônibus, tentou evitar o seqüestro da aeronave.



A impunidade e os benefícios materiais com que se premia há quase meio século toda ação violenta contra Cuba estimula tais feitos. Havia muitos meses que não ocorria nada parecido. Bastou a insólita libertação do conhecido terrorista e de novo a morte nos visitou. Os autores não foram julgados ainda porque no transcorrer dos atos ambos ficaram feridos, um deles pelos disparos que fez o outro dentro do avião, enquanto lutavam contra o heróico oficial das forças armadas. Agora muitas pessoas no exterior esperam a reação dos tribunais e do Conselho de Estado diante de um povo profundamente indignado com os acontecimentos. Faz falta uma grande dose de serenidade e sangue frio para enfrentar tais problemas.



O apocalíptico chefe do império declarou há mais de cinco anos que as forças dos EUA deveriam estar prontas para atacar preventiva e de surpresa mais de 60 países do mundo. Nada menos do que um terço da comunidade internacional. Não lhes basta, ao que parece, a morte, as torturas e o desterro de milhões de pessoas para se apoderarem dos recursos naturais e os frutos do suor de outro povos.



Dessa forma o impressionante encontro internacional que acaba de ocorrer em Havana reafirmou em mim uma convicção pessoal: toda idéia sinistra deve ser submetida a críticas demolidoras sem concessão alguma.



Fidel Castro Ruz
7 de maio de 2007.