Terreno da UNE: saiba detalhes sobre a decisão da Justiça

Leia abaixo matéria do EstudanteNet que narra detalhes sobre a decisão da Justiça, concedida ontem (7), que dá reintegração de posse do terreno da Praia do Flamengo, 132 a UNE. O texto narra a luta das entidades estudantis pelo terreno e o moment

A assessoria jurídica da UNE ligou para a sede da entidade, em São Paulo. Queria falar com o presidente, Gustavo Petta. Ele ainda não sabia de nada. Um recado no seu celular, silêncio… e a notícia: vitória! Era a senha para a comemoração. Na noite de ontem, segunda-feira (7), após mais de três meses da retomada do terreno na Praia do Flamengo, o Juiz da 43ª Vara Cível do Rio de Janeiro, Jaime Dias Pinheiro Filho, em sentença memorável, julgou improcedente o pedido de reintegração de posse formulado pelo estacionamento clandestino que havia invadido o local. 


 


O EstudanteNet rapidamente buscou a sentença no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. De posse do texto, a reportagem verificou que, em diversos trechos, o Juiz deixa claro o persistente combate que a UNE trava há anos para reaver a posse do espaço, doado à entidade pelo presidente Getulio Vargas. Leia o trecho: ''[…] constitui fato público e notório a luta dos estudantes pela retomada do espaço perdido desde a época dos anos oitenta, iniciada logo após a demolição do imóvel. Vale lembrar também que foi o presidente Getúlio Vargas quem doou a sede da instituição à UNE, que funcionou de 1942 até 1964, triste momento do cenário político brasileiro, cujo estado democrático de direito chegou a ser alvo de vários golpes perpetrados pelos militares, os quais chegaram ao ponto de incendiar o imóvel''.


 


Ao longo da sua justificativa para a decisão favorável à entidade estudantil, o Juiz coloca por água a baixo a infeliz idéia dos donos do estacionamento, que em diversos momentos do processo argumentaram que o terreno não pertencia à UNE. Jaime Dias Pinheiro escreve, com clareza, que ''o imóvel situado na Praia do Flamengo, nº 132, é de propriedade da ré [no caso, a UNE], sendo a ocupação, em decorrência [ou seja, a invasão feita pelo estacionamento], ilegal e contra a vontade do proprietário''. Ele ainda completa a sentença dizendo que a UNE é ''um verdadeiro patrimônio do povo brasileiro e merece todo o apoio da sociedade''. A decisão é em 1ª instância e cabe apelação.


 


Um passo à frente


 


Eufórico com a vitória, Petta conversou com o EstudanteNet. Apesar de dizer que sempre esteve confiante em uma decisão positiva, ele afirmou que havia, sim, ''um grande nervosismo, uma enorme apreensão'' por parte de todos os que estavam engajados na luta pela retomada.


 


''A qualquer momento, o juiz poderia julgar procedente a reintegração de posse. Claro que estávamos preparados para resistir. Mas o Juiz soube avaliar com clareza a nossa luta de anos  e anos por um espaço que sempre nos pertenceu. Foi ali que funcionou a nossa sede, onde o movimento estudantil resistiu à ditadura, viveu sua fase áurea, experimentou, produziu, fez acontecer o CPC, criou e desafiou. Um estacionamento ali parecia até piada. Felizmente, obtivemos o reconhecimento de toda a sociedade e estamos no caminho certo para a reconstrução da nossa sede'', desabafou.


 


A nova sede a que Petta se refere já vem marcada pelos traços de um dos maiores arquitetos do mundo. O carioca Oscar Niemeyer presenteou a entidade com o projeto de um Centro Cultural. O prédio esboçado por suas mãos terá 13 andares e nele serão construídos o Museu da Memória do Movimento Estudantil e o teatro dos estudantes. Uma homenagem a todos que lutaram contra a ditadura militar será erguida na entrada: a estátua do herói Honestino Guimarães, ex-presidente da UNE, assassinado e desaparecido político até dos dias de hoje.


 


Já não estamos no mesmo lugar


 


Petta conta que a UNE a Ubes têm procurado dialogar com iniciativas privadas e públicas para viabilizar a construção do Centro Cultural. ''Já foram feitas conversas com algumas estatais. Diretores da Petrobrás e da Eletrobrás visitaram o acampamento e declararam solidariedade aos estudantes'', disse. ''Nossa idéia é revitalizar aquela região, criando um ponto de referência cultural, sempre com a preocupação de valorizar a cultura popular e a produção universitária'', completa.


 


Na prática, as atividades culturais já acontecem no terreno desde os primeiro dias da retomada. O Circuito Universitário de Cultura e Arte, o CUCA, projeto desenvolvido pela UNE, montou a sua base de operação por lá e, desde então, organiza a chamada ocupação cultural, com programações gratuitas e diárias de oficinas, teatro, cinema e música. 


 


O coordenador-geral do CUCA, Tiago Alves, um dos acampados, conta que as dificuldades foram superadas com a boa convivência entre todos os que resistiram mais de três meses no local. ''Sabemos o significado especial deste fato histórico. É uma forma que temos de continuar a luta daqueles que tombaram no embate contra a ditadura e pensar nas gerações futuras. Aqui, enterramos de vez o regime militar. Aqui, consolidamos de vez o nome da UNE na construção da democracia no país'', disse.


 


Para a vice-presidente da UNE, Louise Caroline, a decisão foi uma reparação histórica com movimento estudantil. Ela, que também passou um bom tempo acampada no terreno, disse estar bastante emocionada e parabenizou a ousadia e coragem de todos os que participaram da ocupação. ''Esse fato é um prova de que não adianta tentar calar, exterminar a voz do povo brasileiro. É uma reparação com todas as gerações do movimento estudantil. Na decisão, a justiça reconheceu que fomos vítimas de uma barbaridade cometida pela ditadura. A justiça confirmou o que a sociedade, e principalmente, a população carioca já tinha nos garantido: a nossa volta para a casa'', disse.


 


O presidente da Ubes, Thiago Franco, também comemora a decisão. ''Os secundaristas terão muito orgulho em reconstruir a sua sede. Nós sempre estivemos aqui com a UNE, as duas entidades andaram juntas todos esses anos e o passado delas está na história do Rio de Janeiro'', disse.


 


O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) parabenizou a entidade. ''''Fico feliz com a decisão da justiça carioca de devolver o terreno na Praia do Flamengo para a União Nacional dos Estudantes. Ganham a democracia e a luta dos jovens em favor de um país livre e justo. E, finalmente, depois de 27 anos, os estudantes podem voltar para casa'', disse através de nota.  


O dia da ocupação


 


No terreno da Praia do Flamengo funcionou a sede da UNE de 1942 até 1º de abril de 1964, quando os militares invadiram o local e tocaram fogo em tudo. Foi lá que Vianinha, Ferreira Gullar, Cacá Diegues, junto de outros artistas e intelectuais, fundaram o CPC da UNE, referência para o movimento estudantil. Depois, em 1980, o prédio foi demolido e mais tarde o terreno invadido por um estacionamento clandestino.


 


A entidade recuperou sua casa no dia 1º de fevereiro, após manifestação histórica pelas ruas da capital carioca. Os milhares de jovens de todas as regiões do país chegaram com tambores, balões e músicas em uma grande Culturata, passeata artística que encerrou a 5ª Bienal. Mas não foi uma ocupação violenta, apesar da força que, rapidamente, derrubou o portão do estacionamento. Participaram da retomada ex-presidentes da UNE de diversas épocas.


 


Durante os meses de acampamento, visitaram o local diversas autoridades políticas, como os ministros Tarso Genro (Justiça) e Orlando Silva (Esportes); e personalidades artísticas como Vera Holtz, Carlos Lyra, Paulo Betti e Marcelo Yuka. O escritor Arthur Poerner, autor do clássico livro ''Poder Jovem'', a bíblia do movimento estudantil, acompanhado do cineasta Vladmir Carvalho, também levou a sua mensagem de apoio aos estudantes.


 


Entenda o caso


 


No dia 5 de fevereiro, logo depois da ocupação, os responsáveis pelo estacionamento irregular, que funcionava sem alvará, tentaram readquirir judicialmente a posse. A 43ª Vara Cível do Rio de Janeiro chegou a conceder uma liminar de reintegração do terreno para Maria José Martins dos Santos, que responde pelo estacionamento. No entanto, a medida foi suspensa um dia depois pela mesma Vara. Na sua justificativa, o juiz disse que ''não estava convencido do direito do autor''.


 


No dia 12 de fevereiro, em outra audiência, a UNE apresentou documentos que comprovam a sua propriedade sobre o terreno, como a Certidão de Registro do Imóvel e diversos outros que mostram a total irregularidade do estacionamento. De posse das justificativas, foi mantida a suspensão da liminar.


 


Em 28 de fevereiro, o Juiz convocou Audiência de Instrução para ouvir as testemunhas do caso. Neste dia, ele disse que analisaria as alegações finais de ambas as partes envolvidas e, em breve, pronunciaria a sua decisão. A sentença saiu nesta segunda-feira quando a liminar foi finalmente mantida suspensa.


 


A UNE comemorou também, no dia 11 de abril, mais uma vitória na luta pela retomada do terreno. O Juiz da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Firly Nascimento Filho, julgou improcedente um pedido do Ministério Público Federal pela anulação da doação do imóvel à entidade estudantil, feita pelo então presidente Itamar Franco em 1994.


 


Tratava-se de uma ação civil pública, movida pelo MPF em 2004, sustentada sob o argumento de que o local não era devidamente utilizado de acordo com a finalidade da doação, ou seja, que a sede da UNE não funcionava no espaço. Em sua decisão, o Juiz Firly Nascimento mostrou evidências da existência de provas de que realmente havia uma discussão na Justiça sobre o caso, e que, por esta razão, a UNE não poderia ser acusada de desvio de finalidade, pelo fato de hoje ela não exercer a posse direta sobre o terreno. Na opinião do juiz, não existem ''os mínimos elementos probatórios a caracterizar desvio de finalidade que levem à nulidade da doação''.


 


Leia aqui íntegra da sentença da Justiça