Economista cubano ratifica posição crítica ao biocombustível

No último dia 3 de maio, durante o Encontro Hemisférico de Luta contra os TLC e pela Integração dos Povos, ocorrido na capital de Cuba, Havana, o economista Osvaldo Martinez fez uma ampla exposição sobre a conjuntura latino-americana, na qual criticou dur

Martinez é um interlocutor próximo a Fidel Castro e membro da Comissão de Economia do Parlamento de Cuba. Durante sua longa exposição, houve espaço também para críticas aos países que têm firmado Tratados de Livre Comércio (TLC) com os EUA, para um alerta em relação à preservação do meio ambiente e para elogiar a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), um contraponto à Alca (Área de Livre Comércio das Américas).



Confira abaixo alguns trechos da exposição de Martinez:


 


Alca
“Quando nos reunimos aqui pela primeira o ano era 2001 – e a Alca parecia difícil de ser detida. Ela tinha a seu favor o poderio norte-americano, a aceitação de alguns governos e o largo espaço de privatizações e a liberação de mercados que duas décadas de política neoliberal havia estabelecido.



Transcorridos seis anos e depois de cinco Encontros Hemisféricos de Luta contra a Alca aqui efetuados, podemos afirmar que nossas lutas não foram inúteis, que o aqui foi debatido e acordado foram importantes ingredientes em nossa exitosa Campanha Continental de Luta contra a Alca e que em 2007 a mudança de nome de nosso encontro reflete o feliz fracasso da Alca – hoje tão irrelevante que o senhor Bush em seu recente “giro do etanol” nem sequer se atreveu a mencioná-lo.
 


A Alca fracassou e foi em boa hora, mas a estratégia norte-americana de dominação sobre a América Latina tem outras formas variadas e rostos, que nos obrigam a manter a luta, pois se me permitem os termos militares, ganhamos uma batalha, mas ainda não a guerra.



Na América Latina, além da derrota permanente que representam os 48 de Revolução Cubana, tiveram que tragar o fracasso da Alca, a consolidação da Revolução Bolivariana e a crescente repulsa popular – com os movimentos sociais à frente – e ao projeto neoliberal, que conduziu a derrotas eleitorais seus candidatos prediletos, ainda que nem sempre as vitórias eleitorais com discurso antineoliberal tenham sido sucedidas com ações para sair dessa política.



Neste momento oito países têm Tratados de Livre Comércio com os Estados Unidos em funcionamento. Em outros dois países (Colômbia e Peru) o projeto está apenas à espera da ratificação do Congresso dos EUA, com a pressão adicional de que no mês de julho caduca a chamada “via rápida”, tão utilizada pelo governo de Bush como chamariz para incitar os TLCs”.



Meio ambiente
“No último ano adquiriram dimensão alarmante as evidências já inocultáveis de um processo de mudança climática no planeta. A ONU o considera inevitável e de graves conseqüências nas próximas décadas. Segundo seus especialistas, a mudança climática afetará o continente americano de forma importante, ao gerar mais tempestades violentas e ondas de calor, que na América Latina provocarão secas, fome e a extinção de muitas espécies. Em nossa região o aquecimento já está derretendo parte dos Andes e ameaça a Floresta Amazônica, cujo perímetro pode se converter em uma savana.



O meio ambiente chegou a perigosos limites de tolerância frente à depredação minuciosa e selvagem a que o submete o lucro do mercado, o apetite do benefício econômico privado e imediato, diante do qual não valem regulações nem considerações socais, pois inclusive negam as evidências de perigo de extinção de nossa espécie.



A pessoa que com maior força aciona a serra elétrica, o senhor Bush, que rechaçou o Protocolo de Kioto, negou durante anos as evidências das mudanças climáticas e desprezou os argumentou científicos porque eram contrários à ganância das multinacionais que tanto contaminam – mas que o elegem e o financiam – há poucos dias decidiu se declarar preocupado com a deterioração ambiental.



E, para fazê-lo, tomou como bandeira outra arma no arsenal do governo dos EUA para resolver seus problemas. Trata-se dos biocombustíveis – denominados com maior exatidão como agroenergia  pelos companheiros da Via Campesina –, que supostamente devem reduzir a dependência do petróleo e produzir energia limpa”.
 


Biocombustíveis
“Sabe-se que os Estados Unidos têm reservas de petróleo para apenas mais dez anos em seu território, assim como se sabe que o país importa quantidades cada vez maiores desde fontes no Oriente Médio que não lhe são confiáveis, ou então de provedores como a Venezuela, que se opõe ao império.
 


Mas a proposta dos EUA marcha em outra direção. Ela está desenhada a partir dos interesses de três poderosos setores das multinacionais: os consórcios petroleiros, o agronegócio e a indústria automobilística. Não se discute a permanência do padrão de consumo devastador e irracional que parece ser incapaz de satisfazer a voracidade do consumismo desenfreado no Norte. Um norte-americano médio consome em um ano quase oito vezes mais petróleo que um latino-americano e 21 vezes mais que um africano.
 


Em um mundo com mais de 800 milhões de famintos, até onde poderiam chegar os preços dos alimentos, se uma enorme parcela irá alimentar os automóveis? É o conflito entre o direito a alimentação dos humanos e o “direito” de alguns humanos de usar poderosos automóveis.



O segundo impacto prevê o conflito entre a necessidade urgente de terras para produzir biocombustível e o obstáculo que isso representa para os pequenos camponeses, os cultivos de subsistência, bosques, selvas e comunidades locais.



O terceiro impacto diz respeito aos danos que produzem os biocombustíveis sobre o meio ambiente. Os argumentos a favor sustentam que eles têm balanço energético positivo e um efeito neutro em relação à emissão de dióxido de carbono. Mas as opiniões são divergentes e vários estudos científicos negam essas virtudes, ao sinalar, entre outras coisas, que os cultivos empregados para produzir combustível requerem grandes quantidades de agrotóxicos”.



Alba
O neoliberalismo perdeu muito daquilo que foi seu atrativo, mas não basta criticá-lo. É necessário romper com o pensamento e a prática econômica que persiste encerrada no equilíbrio fiscal, no livre comércio e na liberalização financeira, ainda mais depois que a maioria da população tenha votado contra essa política.



A Alternativa Bolivariana para as Américas já é uma jovem e importante realidade, junto ao Tratado de Comércio dos Povos. Em apenas dois anos e quatro meses de vida, agrupa quatro países e estende ações de cooperação até muitos outros. É muito mais que um Tratado de comércio. É um processo de integração moldado pela solidariedade e cooperação, não pelo lucro de mercado e as vantagens comparativas.



Temos muito ainda o que fazer. A batalha contra a Alca foi uma escala de boa aprendizagem, mas muitas outras aparecem diante de nós. Não se trata apenas de derrotas a Alca e seus sucedâneos TLCs. Não se trata apenas de se opor e derrotar o neoliberalismo. Trata-se de conquistar para nossos povos a justiça social, o direito ao desenvolvimento e dar-lhes a possibilidade de viver em um mundo com mais aspirações.



Esse mundo melhor deve ser construído com idéias próprias, porque ele certamente não sairá da imitação dos Estados Unidos e nem da Europa.