Ministro vai a protesto na USP contra redução da maioridade

Por Bia Barbosa na Carta Maior
Ato contra a redução da maioridade penal contou com presença de entidades da sociedade civil, juristas, parlamentares, defensores de direitos humanos e estudantes. Ministro Paulo Vanucchi disse que governo trabal

A Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da USP ficou pequena para tanta gente, no primeiro ato público contra a redução da maioridade penal após a votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado que aprovou a proposta que altera para 16 anos a idade mínima para um jovem responder penalmente por um crime. Organizado pelo centro acadêmico XI de Agosto nesta segunda-feira (14), o protesto contou com a presença da representação de dezenas de organizações da sociedade civil, parlamentares, juristas, defensores de direitos humanos e estudantes, e teve, como um de seus objetivos, desencadear um processo de mobilização na sociedade que impeça a aprovação na emenda constitucional 2099 no plenário do Senado. Esta é, segundo o ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, a meta institucional do governo.



“Este primeiro grande ato após a votação na CCJ precisa se converter em uma mobilização que se reproduza nas faculdades, chegue aos sindicatos de trabalhadores, às empresas, ao Poder Judiciário, e exija que a comoção de uma tragédia – que possivelmente se reproduzirá outras vezes, porque são poucos os anos de reconstrução democrática no Brasil – não resulte na perda de direitos”, disse Vannuchi. “Se esta batalha for perdida, podemos nos preparar depois para uma redução para os 14 anos, para os 12, para a pena de morte. É muito importante parar esta escalada revanchista e antidemocrática no seu nascedouro”, afirmou o ministro.



A avaliação do governo é compartilhada pelos parlamentares que tentam fazer a disputa no seio do Congresso. Membro da Comissão de Justiça e Segurança Pública da Câmara, o deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP) vê como assustadora a situação relativa à tramitação da legislação penal e sobre segurança pública no Congresso.



“A cada momento é uma guerra evitar a situação de endurecimento das penas, de castração de direitos e de falta de humanização. Há um isolamento profundo do nosso campo e parlamentares com formação humanista até assumindo a defesa da redução da maioridade. Há pessoas na CCJ que eram contra e hoje defendem a medida”, relata. “A sociedade brasileira está adormecida. Quem defende as posturas corretas faz pouco e o espaço está sendo tomado de forma perigosa. Não dá para parlamentares ficarem inibidos de subir à tribuna e falar contra a redução com medo da reação de seus eleitores. O caminho pode ser o da abolição de direitos conquistados historicamente”, acredita Cardozo.



Dois argumentos principais devem ser usados daqui para frente como estratégia de impedir a aprovação da redução da maioridade penal no plenário do Senado. O primeiro deles é jurídico.



A Constituição Federal estabelece que o jovem que não tiver 18 anos não pode ser responsabilizado por um crime ao afirmar que a chamada imputabilidade penal é um direito individual – e não um favor – do cidadão. A própria legislação internacional, a convenção da ONU dos direitos da criança, ratificada pelo Brasil, reafirma este aspecto. A legislação brasileira, por outro lado, prevê formas de responsabilização do adolescente que entrar em conflito com a lei, medidas estas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que não passam por tratá-lo criminalmente.



Além disso, a Constituição Federal estabelece limitações para que propostas de emenda constitucional sejam apreciadas. Há proibições e vedações a aspectos (cláusulas pétreas) que não podem ser motivo de mudanças. Entre eles estão as propostas de emenda constitucional tendentes a abolir direitos individuais.



“Acontece que esta proposta é pior. Não é tendente a abolir direitos; propõe diretamente sua abolição. Não é verdade que o adolescente no Brasil pode cometer todas as loucuras e ficar por isso mesmo. Se for aprovada, pessoas perderão o direito individual a uma legislação especial, o direito de não serem tratadas como criminosas”, explica o jurista Dalmo Dallari, presente ao ato desta segunda (14). “Claramente, então, é uma proposta inconstitucional. Temos que convencer os brasileiros disso, porque destruir a Constituição Federal é destruir a ordem jurídica. O voto da CCJ é vergonhoso, de quem não conhece direito, Constituição e senso de justiça”, criticou Dallari.



Uma das formas cogitadas para barrar a votação do projeto no plenário do Senado, caso ela entre na pauta de deliberações da Casa, é o uso de um mandado de segurança, que está sendo elaborado com a ajuda do jurista.



O segundo argumento que deve ser encampado pelos defensores dos direitos da criança e do adolescente de forma mais contundente a partir de agora é o científico. A idéia é provar com o resultado de pesquisas e estudos que tanto a redução da maioridade penal quanto o aumento do tempo de internação dos adolescentes – outra proposta em trâmite no Congresso, com mais chance inclusive de ser aprovada – não são indutoras da diminuição da criminalidade.



Um estudo norte-americano feito com jovens infratores divididos em grupos distintos – aqueles que foram submetidos a regime de internação por cinco anos e aqueles que cumpriram medidas socioeducativas em meio aberto – revelou índices de reincidência bastante diversos. No primeiro grupo, após cinco anos de análise, houve 65% de reincidência entre os jovens. No segundo, somente 30%.



“Portanto, aumentar o período de internação ou reduzir a idade penal em nada vai mudar o processo de dissuasão do cometimento do delito. Pelo contrário, se detonará uma espiral de reincidência, que só vai estimular o crime”, avalia Sérgio Salomão Shecaira, mestre e doutor em Direito Penal e livre-docente em Criminologia pela Universidade de São Paulo.