A pílula do homem vem aí; mas pode ser um DIU

Por Ester Riu, no El País (Espanha)
Encontrar a pílula masculina não é fácil: ela tem de lutar contra os milhões de espermatozóides que um homem gera diariamente. Mas muitos pesquisadores trabalham para criar novos métodos anticoncepcionais masculinos

O aparecimento da pílula anticoncepcional, na década de 1960, marcou uma conquista no campo do planejamento familiar e representou a liberação da sexualidade feminina. Hoje, 40 anos depois, cientistas de várias partes do mundo trabalham para poder levar ao mercado novos métodos anticoncepcionais para o homem e assim permitir que o peso do planejamento familiar não recaia majoritária e exclusivamente sobre as mulheres.



“Os anticoncepcionais deixaram de ser um tema só feminino”, diz Elaine Lissner, diretora do Projeto para Informação sobre Anticoncepção Masculina, com sede em São Francisco (EUA). “É fato que os homens estão participando ativamente no campo da anticoncepção, e por isso precisam de mais opções”, acrescenta.



Hoje os homens só têm dois métodos anticoncepcionais ao seu alcance: os preservativos e a vasectomia. Enquanto os primeiros protegem contra as doenças sexualmente transmissíveis, calcula-se que falham em cerca de 10% dos casos e muitos casais estáveis decidem recorrer a outros métodos ao considerar que a camisinha é incômoda. A outra opção, a vasectomia, exige uma operação cirúrgica e é considerada um método irreversível.



Por isso houve inúmeras tentativas de encontrar um método eficaz e reversível para o homem. O tema surgiu ainda na década de 1960, mas foi só na de 80 que se discutiu com mais seriedade, sobretudo porque a Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstrou em dois estudos que um anticoncepcional hormonal masculino era viável.



Mas encontrar um método anticoncepcional fácil de administrar e sem efeitos secundários não é fácil, devido à complexidade do sistema reprodutivo masculino. O novo tratamento deve lutar contra os milhões de espermatozóides por mililitro que um homem gera diariamente, comparados com um único óvulo que a mulher produz por mês. A isso se deve somar a falta de recursos para pesquisa e o pouco interesse que o tema desperta na indústria farmacêutica.



Mas, apesar das dificuldades, depois de tantos anos alguns métodos já estão sendo testados em estudos clínicos, e as vozes mais otimistas indicam que dentro de aproximadamente cinco anos um novo produto poderá chegar ao mercado. As linhas de pesquisa se dividem basicamente em duas: tratamentos hormonais e não-hormonais.



Compostos de hormônios. Segue o caminho da pílula anticoncepcional feminina, uma combinação de hormônios (estrogênio e progesterona) que impede a ovulação. Mas não é simples conseguir que um homem não produza espermatozóides mantendo intactas sua masculinidade e sua sexualidade, já que o mesmo hormônio, a testosterona, participa das duas funções.



Por isso foi testada uma combinação de hormônios. Duas empresas farmacêuticas, Organon e Schering, iniciaram em 2002 um teste clínico com um tratamento baseado em uma combinação de etonogestrel, parecido com a progesterona, e testosterona. Ao observar que não era possível administrar esses hormônios por via oral (a testosterona prejudica o fígado), os laboratórios testaram um implante anual de etonogestrel combinado com injeções de testosterona a cada três meses para não diminuir a libido dos homens. Em setembro do ano passado Organon e Schering anunciaram que, apesar de o teste ter dado bons resultados, suspendiam a pesquisa porque a forma de administrar os hormônios não seria “aceitável” para ser usada de “forma maciça”. A partir de então a Organon concentrou suas pesquisas em métodos não-hormonais.



Em outros centros dos EUA estão sendo testadas combinações hormonais em géis, injeções e adesivos, e segundo um estudo publicado em “The Lancet” em 2006 os homens que se submeteram a esse tipo de tratamento recuperaram completamente a fertilidade depois de quatro meses. Tudo indica que se algum dia for comercializado um anticoncepcional masculino baseado em um hormônio este não chegará em forma de pílula, mas é mais provável que seja um adesivo, gel ou implante.



Dispositivo de silicone. O método que está mais próximo do mercado não se baseia em hormônios. Segundo Lissner, é provável que dentro de cinco anos se possa comercializar um dispositivo baseado em dois tampões de silicone implantados no conduto deferente do homem e que bloqueiam a passagem do esperma. O dispositivo, conhecido como IVD (intra vas device) seria como um DIU masculino e poderia se transformar em uma alternativa à vasectomia.



“Em um estudo preliminar com macacos se observou que o dispositivo poderia ser tirado facilmente e que o fluxo de esperma voltaria a concentrações normais”, explica Lissner. “Mas agora é preciso ver se realmente os homens recuperam a fertilidade e sobretudo o que acontece se eles usarem o dispositivo por muitos anos”, afirma. No caso da vasectomia, a cada ano que passa as probabilidades de recuperar a fertilidade diminuem e a cirurgia para conseguir isso não é nada simples. Por enquanto, quatro clínicas dos EUA começaram a testar o IVD em 90 homens.



Lissner também se mostra muito animada com outra técnica não-hormonal que foi testada com êxito na Índia, baseada em um gel que é injetado no conduto deferente e o bloqueia parcialmente. Esse gel também chega a destruir os espermatozóides que conseguem escapar do duto.



A pílula do orgasmo seco. Em Londres, dois pesquisadores da Universidade King's College estão falando com vários laboratórios para começar a testar em homens o que se chamou de “pílula do orgasmo seco”. Nnaemeka Amobi e Christopher Smith observaram que duas substâncias já conhecidas impediam que os homens ejaculassem. Depois de encontrar uma fórmula que não tivesse efeitos secundários indesejáveis, os pesquisadores criaram uma pílula que poderia ser tomada duas ou três horas antes da relação sexual e cujo efeito desapareceria em 24 horas.



Embora as experiências iniciais tenham sido feitas com tecidos humanos, Amobi mostra-se confiante em poder reproduzir esses resultados em homens. “Em princípio a pílula seria tomada antes da relação sexual, mas acreditamos que também poderia ser tomada todos os dias, assim como a pílula feminina, com a vantagem de deixar intactos os hormônios”, salienta. Caso se confirmem essa suposições, os homens continuariam tendo orgasmos mas sem chegar a ejacular.



Conter a espermatogênese. Outro possível tratamento não-hormonal está sendo pesquisado no Centro de Pesquisa Biomédica do Conselho da População em Nova York, uma organização internacional sem fins lucrativos dedicada a temas de reprodução e saúde pública nos países em desenvolvimento. O doutor Chuen-yan Cheng e outros pesquisadores injetaram uma molécula chamada Adjudin em ratos e observaram que esta freava a espermatogênese, isto é, o processo de produção de espermatozóides. A molécula não pode ser administrada como pílula porque se comprovou que danifica o fígado e atrofia os músculos. A equipe de Cheng está explorando qual seria a melhor via de administração, já que reconhecem que as injeções não seriam muito cômodas para os homens.



“Esse método seria muito valioso nos países em desenvolvimento, onde a pressão demográfica é muito forte”, explica Cheng. “Mas acho que vamos demorar bastante antes de poder comercializá-lo, porque os anticoncepcionais masculinos não são uma prioridade”.



Fonte: El País (Espanha)