Edvaldo Nogueira: “Aracaju é um polo de resistência à direita”

Completados 60 anos da luta pela legalização do Partido Comunista em Aracaju, quando em 1947 foi assassinado numa manifestação o dirigente comunista Anísio Dario, estivador, líder sindical, negro, no período em que Aracaju era conhecida como “moscouzin

Por Pedro de Oliveira,
de Aracaju


 


 


Desde quando a capital do Estado de Sergipe, Aracaju, tem esta tradição de ser uma cidade progressista?


Edvaldo Nogueira – Desde priscas eras. Aracaju e Manaus foram as únicas capitais brasileiras em que os tenentes tomaram o poder em 1924. E, no início do século 20, houve a revolta de Fausto Cardoso, chamada assim porque ele derrotou as oligarquias remanescentes da monarquia. Ele era republicano, antiescravista e desenvolvimentista já àquela época. Foi um grande parlamentar sergipano que, em 1906, liderou essa revolta e permaneceu também 28 dias no poder. E, depois, foi assassinado no palácio do governo. Aracaju sempre foi uma cidade muito progressista, tanto que em 1946, o candidato a presidente da República Iedo Fiúza – pela legenda do Partido Comunista – ganhou as eleições aqui em Aracaju, derrotando o Marechal Dutra e Eduardo Gomes. E Luiz Carlos Prestes foi o senador mais votado em Aracaju. Em 1952, Conrado de Araújo foi um grande prefeito, do Partido Trabalhista, ligado ao Partido Comunista, que sempre teve muita força por aqui.


 


E a luta pela legalidade do PC em 1947, como foi?


Edvaldo Nogueira – Nessa luta, em Aracaju, foi assassinado o Anísio Dario. Ele foi um estivador, líder sindical da categoria, negro e dirigente do Partido Comunista no Estado. Foi assassinado quando liderava uma manifestação contra a cassação do registro do PC. Esse fato inclusive é citado no último discurso de Maurício Grabois como líder da bancada comunista na Câmara dos Deputados. Aracaju era chamada de “moscouzinha”, porque nas eleições de 1962 havia 2 ou 3 vereadores do Partido Comunista, nas legendas do PTB e de outros partidos. Em 1970 também.


 


E hoje a prefeitura de Aracaju é dirigida por um Prefeito do PCdoB.


Edvaldo Nogueira – Pela primeira vez na história do Brasil, uma capital do país passa a ser dirigida por um dirigente do Partido Comunista. De 1985 até hoje, todos os prefeitos de Aracaju se elegeram por partidos contrários às oligarquias. Ou seja, a direita sergipana, liderada pelo ex-PFL (atual DEM) e pelas oligarquias, nunca se elegeu para a prefeitura depois da redemocratização. Aracaju sempre foi um pólo de resistência.


 


Quando o senhor assumiu a prefeitura de Aracaju houve uma ruptura com a administração anterior, do atual Governador Marcelo Déda, da qual você era vice-prefeito?


Edvaldo Nogueira – Na verdade trata-se de uma continuidade. Não houve ruptura. Mas uma continuidade a que tentaremos dar uma qualidade maior, porque o processo de debate e da construção da nossa aliança aqui em Aracaju foi muito rico e cheio de experiências importantes. A primeira é o grau elevado de unidade entre PCdoB e PT. E também o nível de unidade que existia entre o então prefeito Déda e o vice-prefeito. Tanto que além de vice-prefeito, fui também secretário de governo durante os cinco anos do mandato, exceto um período em que me desincompatibilizei. Mas também fui responsável pela administração. E havia um compartilhamento: de todas as decisões tomadas pelo prefeito eu participava ativamente. Portanto, tive um papel direto na construção do modelo da administração e na execução das políticas administrativas. O desafio que colocamos para esses nossos anos de administração é de superação. E de mudanças em questões que a experiência mostrar que necessita de correção de rumos.


 


Qual é a marca da nova administração?


Edvaldo Nogueira – Nosso lema é “Aracaju de todos”. Nos cinco primeiros anos de governo era “Aracaju para todos”. E, pelo nosso entendimento, essa fase do “para todos” já está superada. Porque, de fato, buscava-se governar para todos nesta cidade. Agora é dar continuidade. Portanto, com esse “de todos” podemos fazer a superação no sentido de melhorar a qualidade de vida, os transportes, a saúde, a educação etc, dando esse salto para que o desenvolvimento, o progresso e as ações da Prefeitura cheguem em todos os bairros, independente de partidos, independente de classes. E, dentre todos eles, temos prioridades em relação aos mais pobres, aos trabalhadores, as mulheres, os negros, os jovens…


 


Quais têm sido os canais da relação do prefeito com os cidadãos e as cidadãs de Aracaju?


Edvaldo Nogueira – Estabelecemos vários canais de participação. Isso porque, em primeiro lugar, talvez seja uma característica de nossa ação política em Aracaju, que é a busca do contato direto com a sociedade. O prefeito precisa ter um canal direto com a comunidade e não pode ser apenas o prefeito do gabinete, um planejador ou um controlador do planejamento. Ele precisa também ver in loco, tem de exercer diariamente esse papel de controlar a administração, de administrar, de tocar a máquina administrativa, mas também de ter contato com a sociedade. As idas às reuniões, aos debates, enfim, a presença física seja em eventos culturais, festivos e nos encontros sociais, políticos, religiosos etc. Além disso, estabelecemos canais a que chamamos institucionais. Primeiro, o Orçamento Participativo para o qual, a cada dois anos, fazemos plenárias locais, de bairro, em que discutimos com a sociedade os seus problemas. E as prioridades são definidas com a participação da comunidade. Temos, ainda, diversos Conselhos e diversas Conferências (Conferência de Saúde, da Assistência Social, das Cidades) que também são instrumentos que permitem à sociedade, à população de uma cidade, discutir com o Poder Municipal e com ele definir as metas.


 


Além dos fóruns da própria sociedade…


Edvaldo Nogueira – Nos fóruns organizados que a sociedade tem, nós também os usamos como ambientes de diálogo. Além do contato com as entidades já existentes, como clubes de serviços, clubes de futebol, associações de moradores etc. Promovemos, ainda, o Congresso da Cidade, para o qual definimos o plano “Aracaju Mais 10”. Trata-se de um plano de desenvolvimento da cidade para dez anos. A cada dois anos realizamos o congresso, em que esse plano é colocado em pauta para avaliarmos o que foi feito. Esses mecanismos – seja de presença do prefeito nos diversos setores, seja dessa vinculação institucional – forjam esse modelo que, para nós, é o mais democrático possível. A nossa idéia é tornar a prefeitura mais próxima possível do cidadão. Que o cidadão não tenha dificuldade de encontrar, tanto com o prefeito diretamente quanto com as instituições municipais, um canal de diálogo, de pressão, de reivindicação, e até de sugestão.


 


Percorrendo a cidade nota-se o fato de que a própria comunidade se responsabiliza pelo controle, a manutenção de certas obras públicas, como praças, pequenos campos de futebol etc. Isso tem sido debatido com a população?


Edvaldo Nogueira – As obras que escolhemos fazer não provêm de uma idéia mirabolante do prefeito, ou dos planejadores da administração. Não é a cabeça do prefeito que define a obra, mas as necessidades da comunidade. Por isso, o debate com a comunidade ajuda a definir as prioridades locais. Portanto, quando a obra é necessária temos observado nestes anos de experiência que a comunidade conserva mais. Além disso, para ajudar na conservação das obras, fazemos parcerias com a iniciativa privada. O paisagismo e a administração de muitas praças e avenidas de Aracaju são feitos por empresas privadas, que ajudam também na manutenção e não deixam que sejam depredadas porque aplicam seus recursos ali.


 


Há uma série de demandas muito concretas, localizadas nos bairros. Demandas da população. Mas, existe um problema, digamos assim, estrutural do município que exige um pensamento mais estratégico etc. Desse plano mais geral, quais são as metas principais?


Edvaldo Nogueira – Temos um plano que se compõe de quatro pontos. Primeiro, a ética. Não nesse sentido que virou moda, mas no sentido de que os recursos públicos devem ser aplicados exclusivamente no público. E também não é apenas o não deixar roubar, o não roubar, mas aplicar o recurso público onde é mais necessário. Isso também faz parte desse projeto global. Ou seja, como nossos recursos são limitados, temos de escolher e aplicar bem aquilo onde a comunidade mais necessita. Segundo: precisamos de democratização, isto é, mais democracia, mais participação social. Então, estabelecemos que para uma administração é fundamental ter a participação da sociedade nas definições dos rumos, dos projetos, dos trabalhos. Terceiro, o desenvolvimento da cidade. A cidade precisa crescer, se desenvolver do ponto de vista tanto econômico quanto social. O desenvolvimento com qualidade de vida. Para nós, é fundamental esse binômio que não se pode separar. Á medida que fazemos a expansão urbana, os viadutos, as praças, precisamos preservar a qualidade, sem deixar que a cidade cresça de maneira desordenada, que prejudique a qualidade de vida. Então, ao mesmo tempo em que pensamos no desenvolvimento urbano pensamos também na saúde, na educação, na assistência social – elementos que vão fazendo esse binômio: desenvolvimento com assistência social. Quarto: a modernização. Uma cidade moderna, uma gestão moderna. Incorporando à gestão todos aqueles instrumentos de técnicas modernas, com a tecnologia mais avançada. E aquela idéia de ter o servidor público envolvido nesse processo, como membro importante, para que a eficiência administrativa seja maior. Queremos com modernidade traduzir o sentido de garantir a eficiência do gasto e para que o cidadão seja alcançado pelo gasto público. Hoje avançamos no projeto de desenvolvimento urbano e a cidade está crescendo.


 


E na esfera da saúde pública, como estão as coisas?


Edvaldo Nogueira —  Na saúde, temos um sistema de mais de 90% de cobertura do SUS. Fizemos uma grande revolução em Aracaju, com os hospitais de pronto-socorro, com a rede de unidades de saúde básica da família. Temos a assistência social, o bolsa-família, os grupos de idosos, a política de garantia das pessoas vulneráveis, principalmente jovens e adolescentes, que é um programa de muito sucesso. Temos apenas 5% dos adolescentes que vão para nossos serviços de assistência e voltam. É uma média muito baixa. É um fato extraordinário. Isso é ressaltado por todas as pessoas que trabalham na área social.



Então, buscamos, nesse planejamento, fazer crescer a cidade, desenvolvê-la, mas tendo como base a qualidade de vida e o cidadão. Esse é o planejamento macro. Obviamente, existem gargalos, dificuldades, porque as cidades passaram a ser um ente federativo, com a Constituição de 1988 e a elas foi dado um protagonismo maior no sentido de transferir do governo federal e dos estaduais, serviços e responsabilidades para os municípios. Mas a devida contrapartida financeira ainda não foi dada ainda. Os municípios enfrentam dificuldades financeiras que precisam ser vencidas. É preciso haver um novo pacto federativo para que os municípios possam ter mais recursos. Porque hoje a prefeitura de Aracaju investe 51% da receita corrente líquida, 25% em educação. Só com os gastos com saúde de 15% aumentei para 17%, restando apenas 8% para fazer todos os outros investimentos na cidade. Obviamente, há os recursos federais na área da assistência social, na saúde, mas mesmo assim ainda são insuficientes para um investimento maior.



 
O orçamento da cidade, nesses cinco anos, pulou de R$ 160 milhões para mais de R$ 600 milhões. Como isso vem sendo aplicado?


Edvaldo Nogueira – Foi um esforço gigantesco, porque conseguimos quase triplicar o orçamento em Aracaju nos últimos cinco anos. Houve uma política fiscal austera e, com isso, não aumentamos impostos e perdemos impostos. Aracaju é a única capital do Brasil que não cobra Cosip (Contribuição de Iluminação Pública). Nós a perdemos na Câmara porque não a votamos, mas é um problema para nós. Vamos ver como recuperar isso. Quando chegamos à Prefeitura havia 5 mil famílias isentas de IPTU, hoje são 50 mil famílias com essa isenção. Não aumentamos os impostos, mas azeitamos a máquina e cobramos de quem se deve cobrar. E a ética de que falei é essa: aplicamos bem os recursos, não os deixamos sair pelo ralo.


 


Talvez isso tenha sido responsável pelo baixo índice de inadimplência de Aracaju?


Edvaldo Nogueira – É muito baixo mesmo. O IPTU é pago com uma velocidade imensa, normalmente só cobramos de quem pode pagar. Por isso, isentamos, fizemos essa política importante de isenção. São 50 mil famílias isentas. Nós concentramos nas faixas que podem pagar e fazemos cobrança também. Fazemos uma política de recuperação de IPTU, compatível com o crescimento da economia. Neste ano, foi reajustado em apenas 3,2%. Em algumas cidades brasileiras houve reajuste de 12%, 15% e até de 20%. Aracaju foi o menor índice, porque para nós a carga tributária é muito grande no país. Não dá para penalizarmos ainda mais o cidadão, a classe média, que geralmente já são penalizados. Com esse nosso jeito de fazer conseguimos aumentar nossa arrecadação. E gastar bem. Inclusive fazendo uma obra física na cidade que vai ter a maior repercussão dos últimos anos: o viaduto. Com metade dos recursos do governo federal e metade de recursos próprios. Temos investido bastante em saúde, saneamento, habitação, melhoria das ruas, assistência social – com recursos próprios. Nunca a prefeitura de Aracaju investiu tanto com recursos próprios.


 


Qual é o perfil do PIB da cidade de Aracaju, na comparação com outras cidades brasileiras?


Edvaldo Nogueira – É mais ou menos parecido com o PIB do Estado de Sergipe, com uma diferença: na área de serviços Aracaju aumenta, quase 60%; na indústria quase 40%, e na agropecuária quase zero. Em Sergipe há 50% de serviços, 45% de indústria e 5% de agropecuária. Isso faz com que Aracaju tenha um padrão melhor de vida. Um PIB per capita mais alto do que a média das capitais brasileiras. Somos hoje a cidade de melhor qualidade de vida do Norte-Nordeste. Segundo pesquisa do Ipea/IBGE, Aracaju ficou em primeiro lugar entre as capitais dessa região do Brasil.


 


Quais os possíveis reflexos em Aracaju do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que o governo federal vem tentando implementar?


Edvaldo Nogueira – São muito importantes. Quando tomamos conhecimento de que o governo planejava fazer um plano de crescimento econômico, de aceleração da economia, nos preparamos com projetos e focamos em habitação, saneamento e infra-estrutura urbana. E, de fato, é a janela que se abre para os municípios. No meu entendimento, se o governo central conseguir liberar e colocar em prática, esses recursos programados serão uma verdadeira transformação nos municípios brasileiros. Porque a quantidade de recursos é muito grande.


 


São mais de R$ 500 bilhões em investimentos em infra-estrutura.


Edvaldo Nogueira – Para Aracaju, temos possibilidade de ter investimentos da ordem de R$ 102 milhões. Enviamos 10 projetos para o PAC e 5 foram aprovados. São projetos importantes, nas áreas de habitação,  saneamento e infra-estrutura. Se esses recursos forem liberados acredito que o governo fará um grande bem. E mais ainda porque agora o presidente Lula fez um anúncio na Marcha dos Prefeitos, de caráter extraordinário: a diminuição da contrapartida dos municípios, para o recurso federal. Em alguns recursos federais os municípios têm de colocar 20% de contrapartida. Isso dificultava muito. O presidente diminuiu de 0,1% até 5%. Alguns recursos serão praticamente a fundo perdido, principalmente para os pequenos municípios. Pela primeira vez os municípios serão beneficiados diretamente, inclusive com autonomia para discutir diretamente com o governo central a nossa participação no plano de aceleração da economia. As cidades – pelo menos as que têm projetos, como nós – vão virar canteiros de obras. Para se ter uma idéia, o que pode vir do PAC para Aracaju é mais do que investimos em seis anos. Posso investir em dois anos mais do que os investimentos de seis anos em Aracaju.


 


Na história do Estado, Aracaju tem suas particularidades. É uma cidade planejada, como Belo Horizonte, Brasília etc. E a primeira capital não foi Aracaju, mas São Cristóvão. Quais são hoje as principais qualidades da cidade e suas principais vicissitudes?


Edvaldo Nogueira – Apesar de ter sido muito difícil no começo, porque foi uma cidade que foi construída para ser capital, Aracaju permitiu um crescimento planejado. Por ela ter sido concebida para ser a alavanca econômica de Sergipe, Aracaju é a locomotiva. Isso gerou possibilidades de expansão imobiliária, de muito emprego, de crescimento da cidade. E crescer com maior distribuição de renda. Não há a concentração exagerada. Aracaju, no Norte-Nordeste, é a cidade que tem a melhor distribuição de renda. Há uma classe média maior, mais extensa e um setor de classe média baixa mais extensa do que em qualquer capital do Brasil. Por outro lado, o fato de ela ter sido planejada para capital e ter crescido velozmente também cresceu com alguns problemas: aterros de mangues, pouca preservação, ela vai ficando árida. Precisamos nos preocupar com arborização, com melhoria da qualidade do oxigênio da cidade. Ela é limpa, bonita, mas é árida, tornou-se uma cidade árida. Outro problema: como ela foi planejada como um tabuleiro de xadrez, então tem ruas estreitas, principalmente no centro da cidade. E uma rua muito perto da outra: a cada cem metros há uma rua. Isso tem criado problemas de trânsito muito grandes. As ruas que eram de mão dupla, estamos tornando de mão única.


 


Aracaju pode se tornar uma referência de desenvolvimento sustentado?


Edvaldo Nogueira – Nosso desafio é conseguir revelar ao Brasil essa linda cidade que é Aracaju. Nós ficamos espremidos entre dois pólos fortes turísticos e Aracaju passa meio desapercebida. Cresceu muito o turismo, mas Aracaju pelo que representa, pelo que é hoje, se for descoberta, vai virar um grande destino turístico nos próximos anos. Atualmente Aracaju está vivendo um dilema: a passagem de cidade adolescente para cidade adulta. O dilema de crescer, e vai explodir… Ela já está se preparando para essa explosão. A área de expansão da cidade, os códigos urbanos, plano diretor, enfim, tudo isso está em discussão. Para mim – é uma opinião muito pessoal – Aracaju pode se tornar um exemplo de cidade. Se soubermos planejar, garantir o seu desenvolvimento com qualidade de vida, ela pode ser um exemplo de cidade que cresceu harmonicamente, ou, pelo menos, sem os grandes problemas das grandes metrópoles brasileiras.


 


Outra particularidade de Aracaju é a presença importante de grandes empresas estatais. Qual o papel dessas empresas no processo de desenvolvimento da cidade?


Edvaldo Nogueira – No meu entender – opinião que compartilho com outros economistas, pensadores, historiadores e intelectuais sergipanos – o desenvolvimento de Sergipe seria outro se não fosse a Petrobras, a Vale do Rio Doce (antiga Petromisa) e a Fafem (antiga Nitrofertil). Se não tivesse acontecido aqui o desenvolvimento da extração de petróleo na década de 1960, Sergipe poderia continuar um Estado muito atrasado. Essas empresas é que possibilitaram um grande desenvolvimento econômico. Os primeiros grandes edifícios de Aracaju foram construídos para os trabalhadores da estatal do petróleo, que tinham poder aquisitivo e podiam comprar. E a partir daí foi se desenvolvendo o Estado, em torno desse tripé, mas principalmente em função da Petrobras. Porque até a década de 1960, Sergipe era um estado exclusivamente agropecuário, com extensas plantações de cana, gado e uma ou outra indústria de transformação. Havia chegado aqui a indústria de cimento, porque já havia um pequeno pólo cimenteiro. As indústrias têxteis e as indústrias da construção civil. Com a chegada da Petrobras, foi uma verdadeira explosão e que marcou o crescimento de Aracaju. A partir da década de 1960 até hoje, o crescimento de Aracaju quase quadruplicou em tamanho e em população. E esse desenvolvimento onde há concentração, há maior distribuição da renda, formando uma classe média mais ampla. As empresas vieram para o entorno dessa cadeia produtiva do petróleo. Depois foi a vez das empresas que vieram para compor a cadeia produtiva da mineração, no caso da Vale do Rio Doce. Depois, por causa da cadeia produtiva em torno da uréia, da amônia, da Fafem. E, por fim, para a composição da cadeia produtiva da extração, do pólo cimenteiro. Tudo isso tornou Sergipe este Estado – que é pequeno, mas que cresce. Se não fosse isso muito dificilmente Sergipe e Aracaju, chegariam ao patamar que chegaram.


 


Outra particularidade da cidade é a grande quantidade de estudantes universitários. Qual a proporção dessa presença?


Edvaldo Nogueira – É muito interessante isso, porque Aracaju vai se transformando em um pólo de serviço. E para que esse pólo de serviço cresça é preciso também mão-de-obra qualificada. Tanto que numa cidade de quase 506 mil habitantes há cerca de 26 mil estudantes universitários, em três grandes universidades: a Federal, a Tiradentes e as Faculdades Pio X, particulares. E uma série de outras pequenas faculdades. Dessas, somente na Universidade Tiradentes, 30% dos alunos são da Bahia, que vêm estudar em Aracaju. O pólo médico da capital também atrai muita gente de outros Estados. Vem gente se consultar aqui do interior da Bahia, porque é mais perto vir para Aracaju do que ir para Salvador. Portanto, Aracaju vai virando um pólo. E dentro disso esse pólo estudantil, que vai formando mão-de-obra para poder ir ocupando esses serviços.


 


Para aplicar um plano estratégico como esse que vocês estão pretendendo aplicar aqui – o governo de Aracaju terá de contar com funcionários públicos integrados dentro desse espírito. Como vocês estão se organizando para de alguma maneira fortalecer esse funcionalismo?


Edvaldo Nogueira – Fizemos vários movimentos, desde o primeiro momento, no sentido de fortalecer o servidor público, de dar a ele capacidade de gerenciar, possibilidade de tocar a máquina, e com um compromisso com o cidadão, o que é fundamental. Estamos trabalhando ainda hoje sobre uma mudança da cultura, da mentalidade. O servidor público é servidor do público, da população. O que não é fácil, porque o Estado brasileiro sempre foi meio paternalista e muitas vezes apropriado por forças privadas. Não havia, na Prefeitura, computadores. Mas por meio de um projeto nosso, hoje, todos têm computador. Contratamos o chamado PNAFM, que é um empréstimo do BID, para a melhoria das condições administrativas. Então, melhoramos a receita, a máquina administrativa. Construímos um novo centro administrativo, onde há uma sala exclusiva para atendimento ao servidor. Temos promovido qualificação profissional, num esforço grande de qualificarmos os servidores. E um esforço grande de aproveitarmos os servidores nos cargos da prefeitura de Aracaju. Buscamos também valorizá-los, seja com melhoria nos salários – que é um complicador, porque temos o limite de 60% da receita corrente líquida para gastos com pessoal — e também não podemos descuidar de recuperar as perdas salariais. Tanto que nestes cinco anos, de inflação baixa, e de perdas salariais baixas, concedemos aumentos. No primeiro ano não houve. No segundo, 10%. No terceiro, 10%. No quarto, 4%. Então, são quase 30%, acima do salário mínimo. Temos praticado uma política salarial, considerando as condições financeiras da Prefeitura, mas buscando valorizar cada vez mais o servidor público com a combinação de uma política salarial, uma política de formação profissional e uma política de incorporação do servidor ao projeto de Governo.


 


Como você vê o problema do rio São Francisco. É um dos rios mais importantes do país e certamente será um aporte de financiamento razoável em função do PAC. Esse projeto aqui, na cidade, terá algum tipo de impacto?


Edvaldo Nogueira – Em Alagoas e em Sergipe, principalmente em Sergipe, há uma grande movimentação em torno desse tema – porque, como a foz do rio São Francisco fica aqui e há uma degradação ambiental muito forte, há uma tendência poderosa contra a transposição. A sociedade sergipana se pronuncia contrária. E nós também. Porque, pelo nosso entendimento, é preciso haver um movimento de revitalização do rio São Francisco. E Aracaju será muito importante nesse movimento, porque 40% de sua água consumida vêm do São Francisco. São as adutoras do rio que trazem água para Aracaju. Portanto, quanto mais forte e melhor o rio estiver, o reflexo é imediato. E, obviamente, os investimentos que forem feitos no rio São Francisco terão reflexos na cidade. É preciso revitalizá-lo. Porque a revitalização do rio não é apenas um problema para a transposição, mas para poder mantê-lo vivo. E revitalização significa recuperar… É mata ciliar, diminuição dos esgotos jogados no São Francisco, é a recuperação, é evitar hoje as criações de peixe, de mariscos, que jogam veneno no rio etc. Enfim, muita coisa que hoje tem dificultado a vida do São Francisco, a trajetória linda do velho Chico.


 


E no plano político, qual é o apoio que o governo municipal de Aracaju tem na Câmara de Vereadores?


Edvaldo Nogueira – Primeiro, é preciso dizer que o nosso governo é plural. Todos os partidos da base de apoio participam do governo em nível de secretarias, ou de posições na administração. Somos um governo de coalizão. Desde o primeiro governo, e agora a base se ampliou: PT, PCdoB, PSB, PTB, PL, PMDB, e mais recentemente temos discutido com o PDT para ser incorporado. Isso tem sido muito importante para a sustentação política na sociedade também, porque é um governo que tem apoio grande de todas as lideranças políticas engajadas nesse projeto transformador do estado de Sergipe. Que já estava em Aracaju e agora chegou ao governo. Isso se reflete na Câmara. Temos, de 19 vereadores, uma bancada de 12 vereadores, podendo chegar a 14. A eleição para a presidência da Câmara, o nosso candidato, apoiado pela administração municipal, teve 19 votos, foi por unanimidade. Isso revela que temos uma ampla articulação e boa base de apoio. Há uma oposição de 5 vereadores do DEM, e partidos aliados a eles, que é uma oposição virulenta, dura. Mas, temos maioria e não temos tido dificuldades de governabilidade e de colaboração da Câmara na nossa gestão. Além disso, tem o fato de ter sido vereador por 8 anos e, por isso, tenho certa experiência. Alguns dos vereadores atuais foram meus contemporâneos, propiciando um relacionamento importante entre a Câmara e a prefeitura.


 


Quero fazer referência, pontualmente, a uma reunião que foi realizada dia 17 de abril na Câmara dos Deputados, a instalação da Frente Parlamentar Municipalista. Existe uma plataforma de 7 itens dessa plataforma. Qual a sua opinião a respeito da coincidência de mandatos?


Edvaldo Nogueira – Pessoalmente, me submeterei à decisão que o PCdoB adotar no seu Comitê Central. Mas, no momento em que ocorrerem esses debates, tenho uma opinião: defendo um mandato de 5 anos, sem reeleição. E defendo que o Brasil tivesse dois modelos de eleição: uma de presidente, senador e deputado federal, porque, na minha opinião, hoje existe uma pulverização do debate. Por isso, devia ter um única eleição: de presidente, senador e deputado federal, porque, aí, sim se discutiria o Brasil. E uma segunda eleição: de governador, deputado estadual, prefeito e vereador. Porque se discutiria estado e município, a discussão aí, sim, seria local.


 


Além das receitas tradicionais, conforme você me disse, o município procura outras receitas?


Edvaldo Nogueira – Na saúde, na educação, procuramos estabelecer parcerias com a Petrobras, com entidades que procuramos potencializar a nossa ação. No caso do município de Aracaju, há uma receita muito importante para nós: o royalty do petróleo. Hoje praticamente é ele que sustenta a ação da prefeitura do ponto de vista da realização de obras e serviços públicos. Não fosse isso a situação era muito difícil. O governo federal precisa repassar mais recursos nos municípios e estados.


 



Em junho próximo haverá atividades muito importantes, tradicionais – não apenas em Sergipe, mas no Nordeste: as festas que, em matéria de atividades, a própria prefeitura e o Governo costumam promover. Como vai ser essa festança?


Edvaldo Nogueira – De cinco anos para cá conseguimos colocar o Forró de Aracaju, a festa junina chamada Forrócaju dentre as mais importantes do Nordeste brasileiro. Ela é comparada à – e hoje já é a melhor, segundo os artistas participantes e a crítica – de Campina Grande e de Caruaru, sem querer disputar com esses estados importantes.



Em Aracaju, são 16 dias de festa, com os principais cantores e bandas do forró. Mantemos a tradição do forró de pé-de-serra, do forró autêntico. O forró em Sergipe é a grande festa do povo. É o ritmo que empolga a cidade de Aracaju, que enche de fogueiras. Enfim, é o momento em que a cultura aflora. E nós buscamos, recuperando essa tradição que vinha morrendo… Hoje passou a ser a grande festa. Este ano com a aliança com o governo do estado… Nos últimos quatro anos o governador João Alves disputava com a prefeitura de Aracaju, fazia de tudo para competir com Aracaju. E nós sempre conseguimos vencer essa disputa. Mas neste ano juntaremos esforços. Então, ao invés de 16 serão 30 dias – 14 do governo do estado e 16 da prefeitura de Aracaju.


 


Além dessas iniciativas, digamos assim, mais massivas, existe algum tipo de incentivo municipal para a Cultura?


Edvaldo Nogueira – Lançamos três grandes projetos: 1- o Arte em Toda Parte – todos os meses num bairro da cidade fazemos oficinas de arte, apresentam-se artistas locais – de nome, famosos no estado ou na cidade, com cds gravados – e um artista do bairro que esteja começando. Há essa oficina, a partir da vocação do bairro (samba, frevo, chorinho, hip-hop etc). Leva cinema, numa armação de circo, com filmes nacionais, e peças de teatro. Então, isso movimenta os bairros. É uma maneira de criar público, incentivar cultura de qualidade, porque muitas vezes o que chega é apenas a música enlatada. E também criar público para o artista local, e um mercado de trabalho – porque ele recebe cachê, há todo um processo profissional organizado por nós. É um projeto que começou agora. Já fizemos em três bairros, portanto, três meses. E o calendário está tomado até dezembro de 2008. É uma maneira de fomentarmos a cultura, descobrindo valores e buscando levar cultura de qualidade. Existe também a política dos editais, que nós lançamos um do áudio-visual, criado por nós. Um projeto novo importante: o núcleo de produção digital Orlando Vieira, com a parceria da prefeitura com o governo federal, que possibilitará a criação de um pólo de áudio-visual em Aracaju. Uma escola de formação nas diversas áreas do áudio-visual. A partir dessa idéia, a prefeitura lançou um edital que vai financiar cinco Curtas-metragens, a partir do edital e do julgamento dos cinco melhores. Fizemos isso também com teatro. Faremos um edital para música, outro para artes plásticas e outro para literatura. Estas são também iniciativas muito importantes que têm mexido com a cultura na cidade de Aracaju.


 


Nesse plano cultural, ainda, existe uma outra referência histórica: o massacre de Lampião e seus cangaceiros. Existe alguma preocupação por parte da prefeitura em recuperar essa história?


Edvaldo Nogueira – Sim. Há alguns historiadores, e algumas pessoas, daqui que estudam essa idéia. Como aconteceu numa cidade do interior, chamada Poço Redondo, na gruta do Angico, estamos aguardando para discutir isso com o governo do estado porque queremos fazer parceria, na qual pudéssemos estabelecer um vínculo. Talvez criar em alguma área um museu do cangaço, ou o museu de Lampião, ou colocar no museu de Xingó, esse elemento e fazer essa conexão para a área nessa cidade do interior, que ajudaria muito também tanto na história, na cultura quanto no turismo. Essa idéia nós estamos começando a analisar. E será um provável motivo para uma parceria entre a prefeitura de Aracaju e o estado de Sergipe.


 


Chamou muito a atenção o fato de a cidade ser muito limpa, sobretudo se comparada com as outras capitais brasileiras. Qual o segredo da prefeitura nessa relação entre o governo municipal e as empresas ligadas à limpeza pública?


Edvaldo Nogueira – Historicamente, Aracaju tem essa característica de ser uma cidade que se preza muito pela limpeza. Nós melhoramos muito, em cerca de 30-40% do que era antes na limpeza pública. Um dos motivos é a força na gestão dos contratos. A prefeitura de Aracaju trata as empresas como parceira, mas ao mesmo tempo como concessão pública. Nós não abrimos mão de um controle rigoroso e eficiente, de uma fiscalização dura. E uma exigência absolutamente transparente 100%. Fazemos um trabalho e, obviamente, contamos – e é preciso reconhecer – com uma empresa muito eficiente, faz um belo trabalho, conhece a cidade, está em Aracaju há quase 8 anos. Essa união de uma empresa competente, com a fiscalização e a força da prefeitura atuando para que não haja nenhum problema é o segredo. Eu sou um fiscal e todo mundo é um fiscal. Ando com meu celular no carro e todo ponto de lixo eu anoto e ligo imediatamente. Essa é uma característica da cidade. E os turistas ficam encantados, porque de fato é uma cidade muito limpa. É um esforço mantê-la assim, e é preciso mantê-la assim. A regra básica é gestão de contrato, independência da empresa prestadora de serviço. Eles ganharam a concorrência e nós os tratamos como concessionários públicos. Não há outra relação que não seja essa. É a obrigação cotidiana de recolher o lixo e nós fiscalizamos. Há uma fiscalização, uma empresa, de serviços urbanos, que administra e fiscaliza o contrato, e a execução do contrato.


 


Outra questão também é o projeto de habitação municipal, com o fim das palafitas. Vocês pretendem continuar com esse projeto?


Edvaldo Nogueira – Sim. Vamos continuar em outras duas áreas. Nós acabamos com a área em que havia palafitas em Aracaju. Havia mil palafitas, no bairro Coroa do Meio. Acabaram as palafitas, que era uma chaga da cidade. Uma área linda de mangue, na beira do rio. Tiramos as palafitas e fizemos diferente do que se costuma fazer em qualquer lugar. Não enviamos as pessoas retiradas das palafitas para bairros da periferia, mas as deixamos no mesmo lugar em que moravam – numa área com casas simples, mas dignas. Seiscentas famílias foram para essas casas e as outras quatrocentas nós indenizamos porque eram pessoas que possuíam outras residências.


 



Em recente reunião da Comissão Política no PCdoB ficou decidido que os comunistas deverão lançar candidatos a prefeito em mais de 400 municípios do país. Você se candidatará à reeleição?


Edvaldo Nogueira – Eu sempre digo “cada dia com sua agonia”. Candidato-me a ser o melhor prefeito da história de Aracaju. Essa é minha meta até março-abril de 2008. No projeto que colocamos em prática, na ação da prefeitura sentimos que temos superado as expectativas iniciais. Estamos continuando e melhorando as obras, a repercussão na cidade de Aracaju. Portanto, quero fazer esse trabalho, ou seja, administrar a cidade, melhorá-la cada vez mais para quando chegar no momento certo – abril de 2008 – haver essa definição. Na minha opinião, o momento agora não é para definir a candidatura, porque não posso precipitar a campanha eleitoral antes do tempo. Ainda há muita coisa a ser feita em Aracaju. Quero governar para a cidade ficar cada vez melhor, a saúde, a educação. E quando chegar em junho definirei junto com o PCdoB. Para mim, a política definida pela Comissão Política do Comitê Central do PCdoB é muito justa. O Partido tem que disputar.


 


Se tivéssemos de sintetizar a marca das políticas públicas do PCdoB para os municípios, para os governos, qual seria ela?


Edvaldo Nogueira – O cidadão, o cidadã, a pessoa humana. A elevação do nível de vida da pessoa humana. Dentro disso, a possibilidade de igualdade, ou diminuição, das diferenças. Na minha opinião, esse é o diferencial dos comunistas. Enquanto outros preferem o nome nas placas, nós preferimos que o cidadão, a pessoa, seja atingido pelas políticas que vamos desenvolvendo na cidade. No meu entender, esse é o centro. O centro é o homem e a mulher, o ser humano, a pessoa humana. E dentro disso a melhoria da qualidade de vida, e essa possibilidade de igualdade. E sempre colocando um tijolinho a mais para que cada vez mais as diferenças sejam diminuídas. Porque aí nos aproximamos daquilo que almejamos para o futuro social: o socialismo, a igualdade entre os homens. Então, nós, desde já, onde quer que estejamos, seja qual for o cargo que ocuparmos, devemos ter essa preocupação. Porque, quando o ser humano é a meta, damos ajuda – material – para melhorar a vida, que é ter casa, alimentação, educação, ter possibilidades de crescer, do ponto de vista material. Vamos construindo, aos poucos, um novo homem. Nova pessoa, nova mentalidade. Rompendo com o individualismo exacerbado, hoje a grande contradição posta pelo mundo: vivermos em sociedade e cada um só pensar em si. Portanto, com essa meta de buscar o ser humano possibilita-se às pessoas poderem ir também pensando nisso, evoluindo nesse sentido; e também materialmente. Para mim, essa é a marca dos militantes do Partido Comunista do Brasil que passarem a dirigir cargos executivos no capitalismo. Porque nossa passagem por esses cargos é para permitir, para realizarmos um serviço importante para a sociedade, melhorando sua condição de vida, mas também fazendo com que as pessoas elevem seu nível de consciência na busca dessa sociedade igualitária com que nós todos sonhamos.