Patronal, Congresso vira campo fértil para agenda conservadora

Com 35% dos votos, bancada de parlamentares-empresários é a maior desde Collor. Domínio patronal e recuo da bancada sindical favorecem agenda conservadora do governo e do próprio Legislativo e ameaçam direitos sociais.

André Barrocal – Carta Maior


 


Ao instalar o novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, na última quinta-feira (17), o presidente Lula insinuou que a atual legislação trabalhista seria ultrapassada e pediu aos sindicalistas que debatessem a reforma dela. O discurso arrepiou a bancada de 21 trabalhadores, mas arrancou sorrisos dos 38 conselheiros-patrões, quase majoritários entre as 80 cadeiras ocupadas pela sociedade no Conselhão.


 


Se o presidente tivesse o Congresso como platéia, provocaria reação igual de muitos ouvintes. Desde o governo Collor/Itamar, há 16 anos, que não há tantos parlamentares-empresários, nem um clima tão favorável a propostas conservadoras como a reforma trabalhista. E o que é curioso: numa legislatura para a qual, pela primeira vez em 20 anos, os partidos em tese de esquerda e centro-esquerda elegeram mais gente do que a direita e centro-direita.


 


A bancada patronal controla 35% do Legislativo, segundo um livro lançado na véspera do discurso de Lula, “O que esperar do novo Congresso”, que traça um perfil da legislatura 2007-2011. São 219 parlamentares, entre deputados e senadores, de um total de 618 que assumiram como titulares ou suplentes entre fevereiro e abril. Já a bancada de trabalhadores encolheu e representa só 10% (63 parlamentares). “É a burguesia brasileira que está dentro do Congresso”, define o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB).


 


Dois fatos explicam o recuo sindical e outros dois, o fortalecimento patronal, de acordo com o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), uma das entidades autoras do livro – a outra é o sítio Congresso em Foco.


 


A recente mudança na lei eleitoral encareceu as campanhas, dificultando a dos sindicalistas – o gasto médio de cada deputado eleito foi de R$ 500 mil e o de cada senador, de R$ 1,3 milhão. Além disso, partidos em tese de esquerda distanciaram-se dos movimentos sociais.


 


Já os empresários teriam decidido ampliar o espaço no Congresso por interesse próprio na reforma tributária e para influenciar a agenda de desenvolvimento econômico do país com idéias conservadoras. “O Congresso está doido por essa agenda e se dependesse dó dele, ela avançaria”, diz Queiroz. “Mas há um certo equilíbrio porque o presidente da República não é tão liberal nem tão conservador, e a tendência é prevalecer a agenda do governo.”


 


Governo conservador


 



Mas, mesmo com um presidente menos liberal, às vezes a agenda proposta pelo governo tem um viés conservador que encontra campo fértil num Legislativo de maioria patronal. É o caso da restrição do direito de greve de funcionários públicos. Ou de uma futura reforma da Previdência em discussão num fórum com ministros, sindicalistas e empresários. Ou de uma reforma trabalhista, como Lula quer debater.


 


“O governo está mais conservador agora do que no primeiro mandato”, afirma Octaciano Nogueira. “A agenda conservadora vai se aprofundar. A cada dia, o Lula mostra que não tem problema em falar em reformas,” diz o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ).


 


Até um congressista do partido do presidente, o senador Paulo Paim (PT-RS), companheiro de Lula na Constituinte de 1988 que estipulou direitos sociais hoje sob risco, concorda que a agenda conservadora às vezes nasce no governo. O motivo, diz, seria a hegemonia de partidos conservadores na base parlamentar do governo. Este predomínio sufocaria siglas de esquerda e centro-esquerda – e a descaracterização ideológica delas funciona quase como auto-asfixia -, as quais conseguiram uma façanha em 2006. Depois de duas décadas, diz o livro “O que espera do Congresso”, elegeram mais parlamentares que direita e centro-direita (36% a 33% do total, respectivamente).


 


“Ter eleito um presidente sindicalista não significa que as demandas dos trabalhadores vão ser atendidas. Ao contrário. É preciso fazer pressão, pois se não a agenda conservadora vai avançar”, diz Paim que, realista, defende uma política de resistência, pois tentar ampliar direitos seria utópico. Segundo ele, mudanças constitucionais posteriores a 1988 já cortaram 30% de direitos sociais, e o quadro pode piorar com o atual Congresso. “O movimento sindical tem que entender que sem mobilização lá fora, o prejuízo vai ser cada vez maior”, afirma.


 


Principal entidade sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) já “entendeu” que a preservação dos direitos não será feita voluntariamente pelo Legislativo. A pressão tem sido necessária para deter ataques a direitos como a emenda 3, que facilita a precarização das relações trabalhistas. “O Congresso é uma ilha que só reage com pressão. E hoje o Congresso tem uma agenda extremamente conservadora que exige pressão”, diz o secretário-geral da CUT, Quintino Severo.


 


Apesar da constatação de Severo, há quem veja na atuação da CUT e das grande centrais sindicais uma espécie de adubo para a aparente fragilidade dos direitos sociais perante um Congresso francamente patronal. “Elas precisam deixar de lado o apoio acrítico ao governo e pensar no futuro”, afirma Queiroz, do Diap. “O presidente está confortável no centro, mas como não precisa dos movimentos sociais, pode dar uma guinada à direita”, completa.


 


“A conjuntura é muito desfavorável [para deter o conservadorismo], mas isso não é perene”, diz um esperançoso Chico Alencar. “Aos poucos, os movimentos sociais vão reagindo. O MST já está com um discurso muito mais crítico, o PSOL vai crescendo um pouquinho… Não há um discurso monolítico.”


 


Um sinal de que, por parte das centrais sindicais e de outros movimentos sociais, ainda pode haver resistência às tentações conservadoras do governo será dado nesta terça-feira (23). Em todo o país, haverá protestos contra a agenda conservadora do governo e do Congresso e contra a política econômica, entre outros alvos.


 


Fonte: Agência Carta Maior