Anos 50/60:gestão Aldo Arantes, um marco na história da UNE

O terceiro artigo de Carolina Ruy, jornalista e pesquisadora do Museu da Pessoa – da série do Vermelho sobre história do movimento estudantil – trata de um período áureo para a UNE. Nos anos 50 e 60 funda-se o Centro Popular de Cultura, realiza-se a histó

Anos 50/60:gestão Aldo Arantes, um marco na história da UNE


 


Carolina Ruy*


 


O período que vai do fim dos anos 50 e início dos anos 60 foi de grandes esperanças de transformações sociais, que acenava maior igualdade e grandes produções culturais que definiam o caráter da nacionalidade brasileira. O golpe de 64 veio como um banho de água fria nos projetos que se iniciavam.


 


A Reforma do Ensino, um dos temas fundamentais da ação da UNE no início do século 21, já aparece no fim dos anos 50 como pauta prioritária da entidade. Em 1957 a entidade realiza o 1º Seminário Nacional sobre o tema. Segundo Aldo Arantes, ex-deputado federal do PCdoB, e presidente da UNE entre 1961 e 1962, o debate sobre a reforma no ensino trouxe para a UNE questões que relacionavam a estudantada com o contexto geral do Brasil e que, posteriormente se relacionaram com as Reformas de Base propostas por João Goulart.


 


Foi na gestão Aldo Arantes que a UNE se engajou na defesa das Reformas de Base, reivindicando, na Reforma Universitária: a reforma nos currículos, para que eles fossem mais voltados para questões populares (Arquitetura – moradias populares; Medicina – doenças dos pobres), o fim da cátedra vitalícia do corpo docente para acabar com o caráter e arcaico e elitista da universidade, e a participação de 1/3 de estudantes nos órgãos colegiados, tendo organizado a “greve dos 1/3”.


 


A presidência de Aldo Arantes ocorreu em um cenário tumultuado. Ele tomou posse em julho de 1961 na época em que o conservador Jânio Quadros era presidente da República. Jânio chegou a receber um ofício convidando-o para a cerimônia de posse de Aldo que lembra que “Ele era muito formal, eu tinha 21 anos e ele me tratava por Senhor Presidente, e queria ser chamado de Excelência”. Mas, apesar de todo esse teatro ele atendeu a todas as reivindicações: determinou ao então ministro da Educação, Paulo de Tarso, que tomasse as providências necessárias para estrutura da UNE e autorizou verbas para a criação do Centro Popular de Cultura (CPC).


 


Tanto a greve dos 1/3 quanto à criação do CPC ocorreram numa época de grande efervescência do movimento estudantil, colocando a gestão de Aldo Arantes como um marco nos rumos da UNE.


 


Quando entrou para a UNE Aldo Arantes era membro da Juventude Universitária Católica (JUC) e participava de um segmento de esquerda, dentro da JUC, liderado por Herbert José de Souza, o Betinho. Este segmento já vinha se formando desde a geração de “jucistas” anterior à dele.


 


Á esquerda da JUC já vinha se organizando desde a época Plínio de Arruda Sampaio, que participou do movimento estudantil pela JUC, entre os anos 1948 e 1954. Ele, como presidente da entidade em 1951, fazia parte de um grupo que protagonizou esta tendência, “Nós iniciamos um trabalho social na Juventude, e debatíamos questões da política brasileira”, diz, “Mas o debate girava ainda muito em torno dos problemas éticos e da moralização das faculdades. No início a orientação era religiosa mesmo. Nós fomos introduzindo assuntos sociais e culturais na agenda da JUC. Nossas atividades se desenvolviam através de jornais, grupos de estudos e programas de mobilizações”. Segundo ele o movimento estudantil foi se radicalizando, chegando a ser uma das forças mais ativas da sociedade entre a metade dos anos 50 e o golpe militar em 1964.


 


Ao assumir a presidência da UNE, em 1961, Aldo Arantes, que era da JUC, voltou a filiá-la a UIE (União Internacional dos Estudantes). Como esta é uma entidade de esquerda, o cardeal D. Eugênio Câmara, do Rio de Janeiro, recebeu instrução de Roma para expulsar Aldo Arantes da JUC. Daí para uma organização própria da esquerda juvenil católica foi um passo: à esquerda da JUC liderada por Betinho, junto com Aldo Arantes decidiram formar outra organização, independente da Igreja. Nasceu então a Ação Popular (AP).


 


Ainda nesta gestão se realiza a UNE Volante, uma caravana composta por 20 membros do Centro Popular de Cultura (CPC) e cinco da diretoria da UNE. Devido à credibilidade que conseguiram com a participação na Rede da Legalidade (que viabilizou a eleição de João Goulart), Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, articulou com a Varig o transporte dos estudantes, que visitaram todas as capitais brasileiras, menos São Paulo, Rio de Janeiro e Cuiabá. A caravana durou dois meses, durante os quais foram realizadas 200 assembléias pelo Brasil. Discutia-se a reforma universitária, a luta política e eram feitas apresentações do CPC, do qual eram criados núcleos nos estados (Glauber Rocha, por exemplo, fez parte do CPC da Bahia).


 


A caravana ganhou grande destaque na imprensa aumentando o envolvimento dos estudantes. “Nós éramos recebidos nos aeroportos por um número infinito de estudantes e tratados como grandes autoridades”, lembra Aldo. Criou-se, então, um movimento muito grande, mobilizando e politizando amplas massas do movimento estudantil. O CPC cumpria a função de divulgar arte e estava alinhado, ideologicamente, com a UNE.


 


Com todo este movimento, antes mesmo que a UNE decretasse a greve que ficou conhecida como a do 1/3, a greve começou a pipocar estados, sendo anunciada em nível nacional em São Luis do Maranhão – foi a maior greve de estudantes do Brasil. Conseguiram representação de 1/3 nos órgãos colegiados em Goiás e Paraíba e acabaram com a cátedra vitalícia.


 


O resultado da caravana foi um movimento estudantil fortalecido, a UNE prestigiada, um centro cultural estruturado. E também a consolidação da AP criada, que ficou com hegemonia na direção da UNE até a ditadura de 1964. O início dos anos 60 foi um período áureo da entidade, com projetos interrompidos pela repressão e retomados mais de 40 anos mais tarde, já nos marcos do governo Lula.


 


*Carolina Ruy é jornalista e pesquisadora do Museu da Pessoa.


 


Leia também:


 


1º Artigo: História do movimento estudantil (ME) do abolicionismo ao Estado Novo


 


2º Artigo: História do ME anos 30 e 40