Ocupação da Facesp e MDM expõe polícia agressiva de Serra

Por André Cintra e Carla Santos
Os militantes da Facesp (Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo) e do MDM (Movimento pelo Direito à Moradia) sentiram na pele o tratamento que o governo Serra dispensa aos movimentos sociais. Após

Em defesa da reforma urbana, a ocupação foi pacífica e simbólica. A Polícia Militar, porém, ignorou tais princípios e, no fim, levou quase 50 manifestantes para o 5º Distrito Policial, no bairro da Aclimação. Vários RGs foram retidos, inclusive o do motorista que levou os manifestantes ao hotel.


 


O imóvel ocupado é um símbolo da especulação e do descaso com a população sem-teto. Com oito andares, pertence à Liga das Senhoras Católicas e está inativo há cerca de dez meses. Segundo o supervisor do prédio, Rivaldo José, o hotel foi fechado para uma reforma, que duraria três meses. Nada foi feito desde então, nem mesmo a reforma – e o prédio se tornou mais um entre tantos que ficam vagos e ociosos no centro paulistano. Apenas um vigia, Valdenir Rodrigues, permanece no local.


 


Mais do que se instalar por algumas horas nas dependências do imóvel, a Facesp e o MDM pretendiam sensibilizar a população e os governantes para os riscos da especulação imobiliária.


 


Os manifestantes chegaram ao hotel por volta das 22 horas e pediram ao vigia que lhes abrisse a porta. Um capitão policial disse à imprensa que Valdenir foi ameaçado de espancamento. A acusação foi negada pelo próprio vigia. “Disseram que seria pior para mim se a porta fosse arrombada. Aí eu abri e liguei para o supervisor”, disse Valdenir ao Vermelho.


 


Cenas da repressão


 


Rivaldo, o supervisor, dirigiu-se ao 5º DP, onde fez boletim de ocorrência. Foi o que bastou para a polícia iniciar suas demonstrações de força. De tempos em tempos, o hotel era isolado cada vez mais. Um dos acessos à rua foi fechado. Camburões chegavam carregados de policias — a maioria de armas em punho e escudos. Oficiais chegaram a subir na cobertura de um prédio vizinho. “Como aqui tem mais andares que o hotel, não tinha como eles entrarem lá”, disse a síndica do prédio, que não quis se identificar.


 


Sem muito controle da situação, o tenente Leonardo Takahashe via seus comandados soltarem falas contraditórias. Um capitão falou para Veruska Franklin, presidente da Facesp, que a polícia só não entraria à força no hotel porque a imprensa estava lá. Perguntado sobre o contingente policial mobilizado, Takahashe afirmou: “Não sei, não sei. Estão chegando”. Com a aparição da ambulância, outro capitão pediu à reportagem do Vermelho que se afastasse ainda mais — “para ninguém se machucar”.


 


Os manifestantes tentaram explicar que a ocupação era simbólica e que não pretendiam ocupar em definitivo o prédio. O clima de tensão aumentou quando a polícia solicitou o RG de uma das manifestantes, Veruska Franklin, presidente da Facesp. Mesmo sob a promessa de que apenas conferiria alguns dados, Takahashe reteve o documento, afirmando que só o liberaria na delegacia.


 


Após quase duas horas de ocupação — e intimidação —, uma assembléia dos manifestantes avaliou que o protesto fora bem-sucedido, com divulgação até na grande mídia. E deliberou, por unanimidade, que todos os presentes sairiam do hotel e acompanhariam Veruska ao 5º DP.


 


Até o delegado estranhou a forma como se deu a operação e solicitou depoimento de apenas dois manifestantes, liberando os demais em seguida. Segundo Veruska, o boletim de ocorrência não tem como fundamento a ocupação, mas a acusação de que os manifestantes ameaçaram o vigilante do hotel. Os depoimentos na delegacia se estenderam por mais uma hora e meia.


 


Reforma Urbana


 


A ocupação simbólica fez parte da Jornada Nacional de Lutas da Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores), à qual a Facesp é filiada. A jornada se iniciou em abril e reivindica desenvolvimento, emprego, Reforma Urbana e direitos socais. “A ocupação foi vitoriosa por denunciar a presença de mais um espaço vazio no centro da cidade, onde ocorre uma imensa especulação imobiliária em detrimento de centenas de pessoas sem moradia”, declarou Veruska.


 


Edmundo Fontes, da Facesp, também faz avaliação positiva. “A ocupação venceu a polícia que não desejava ver a denúncia que fizemos sobre a situação da moradia no estado e na capital. Foi a primeira ocupação que fizemos no centro da cidade neste ano — e mais uma mostra de como os prédios do centro devem fazer parte da política de habitação da cidade.”


 


Fruto do trabalho que a Facesp vem desenvolvendo no estado e também da ação da ocupação, as entidades dos movimentos por moradia devem se reunir nesta sexta-feira (25) com o secretário estadual de Habitação, Lair Alberto Soares Krähenbühl. O encontro tratará das reivindicações dos movimentos por moradia. Krähenbühl também é presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).



 


Liga das Senhoras Católicas


 


A manifestação desta terça ainda serviu para expor as diferenças de concepções entre setores conservadores, como a Liga das Senhoras Católicas, e os movimentos populares. Abastada a ponto de manter um imóvel de oito andares às moscas, a liga tem uma história ligada ao atraso do país. Fundada em 15 de dezembro de 1921, atuou na elitista Revolução Paulista de 32 contra Getúlio, fundando o Posto Piratininga para socorrer os soldados combatentes e coletar sangue para os hospitais.


 


O blog da Liga dos Anarcofascistas Cegos (LAFC) caracteriza a liga como sua irmã. “[As senhoras católicas] apoiaram os principais desenvolvimentos sociais e políticos do Brasil: a ditadura de Getúlio Vargas, a Revolução de 64… torcem para a volta da obrigatoriedade da virgindade pré-matrimonial, são contra o uso de preservativos, rezam todas as noites para a volta da escravidão e cospem educadamente quando passa algum político ou intelectual de esquerda.”