Robert Fisk retrata o Fatá al-Islã, que pode detonar o Líbano

Robert Fisk publicou nesta quarta-feira (23) um retrato do grupo palestino Fatá al-Islã, que desde o domingo combate o exército do Líbano.  O veterano correspondente do diário britânico The Independent, tido como uma sumidade em coisas do Or

Eles vieram para o Líbano em meados do ano passado, quando o mundo assistia Israel destruir esta pequena nação numa vã tentativa de destruir o Hezbolá. Porém os homens que instalaram seu pequeno e encardido escritório no campo de refugiados de Nahr al-Bared, alguns deles combatentes da Guerra do Iraque, outros do Iêmen, Síria ou do próprio Líbano, eram bem mais perigosos do que os EUA e Israel acreditavam que o Hezbolá fosse. Eles disseram a alguns jornalistas que tinham vindo “para libertar” Jerusalém, pois “libertar nosso território é um sagrado dever inscrito no Corão”.


 


“Abrir as portas do inferno”?



Esses homens, do Fatá al-Islã, acreditavam que o caminho para Jerusalém passava através da cidade libanesa de Tripoli, e poderia conquistado matando quase 30 soldados libaneses – muitos deles muçulmanos sunitas como eles, e dos quais quatro tiveram suas cabeças decepadas. Eis uma das mais intrigantes manifestações de uma organização que, embora negue fazer parte da Al Qaeda, é claramente simpática aos “irmãos” que servem às idéias de Osama Bin Laden.



Na noite de terça-feira (22), os atiradores do Fatá al-Islã em Nahr al-Bared ofereceram um cessar-fogo às tropas libanesas que os cercavam, depois que médicos reclamaram uma trégua para que os mortos e feridos pudessem ser retirados das ruas. Foi uma idéia igualmente intrigante, da parte de um grupo que apenas 24 horas antes prometera “abrir as portas do inferno” pelo Líbano inteiro e “atirar até a última bala” se o exército não suspendesse o fogo.



A natureza de sua política, porém, é menos sinistra que sua selvageria. Pelo menos dois, ao que se sabe agora, fizeram-se explodir com cintos-bomba em Tripoli, no domingo, depois de tomar civis como reféns. Um sobrevivente relatou que um membro agonizante do Fatá al-Islã dedicou os seus últimos minutos a ler-lhe passagens do Corão.



O  Fatá al-Islã pelo  Fatá al-Islã



A organização – ainda não se sabe se chega a dispor de 300 homens em armas – claramente inspirou-se na famosa declaração de Ayman al-Zawahiri, da Al Qaeda, de que a Palestina fica perto do Iraque e portanto “os combatentes deveriam levar sua guerra santa às fronteiras da Palestina”. Uma dessas fronteiras, de fato, é o limite libanês-israelense.



Chaker al-Absi  disse no ano passado a jornalistas libaneses que seu movimento “fora fundado com base no Corão e na lei sagrada” e era um “movimento reformista criado para por fim à corrupção e hastear nos céus de Jerusalém a bandeira que diz 'Alá é Deus'”.



Ele disse também que “não estamos aliados a qualquer regime ou grupo existente sobre a Terra”. Absi, caberia agregar, é procurado na Jordânia pelo assassinato de um diplomata americano. Importa igualmente que Omar al-Bakri – ao ser deportado do Reino Unido mais de um ano atrás – tenha descrito o Fatá al-Islã como “certamente um trunfo da Síria”.



Será mesmo coisa da Síria?



Se assim fosse, então a Síria haveria de ter algum trabalho para explicar que o grupo também proclamou-se responsável por dois atentados a bomba em Beirute no último fim de semana, um dos quais matou uma muler cristã de meia idade. O exército libanês suspeita que no início do ano também instalaram bombas em ônibus no distrito cristão de Ain Alak.



Mas por que em Tripoli? E por que agora? Bem, existe a iminência do julgamento das Nações Unidas sobre quem matou o ex-primeiro ministro Rafik Hariri.



Será coisa da Síria? Os relatos no Líbano tornam-se mais dramáticos à medida que vão sendo repetidos: que o fatá al-Islã foi fundado por dois filhos de Bin Laden, Saad e Mohamed; que dois dos atiradores mortos em Tripoli eram irmãos de um homem natural de Akkar – também no norte do Líbano – que fora preso na Alemanha no ano passado sob suspeita de conspirar para instalar bombas em trens de ferro; que as mortes em Tripoli também incluiam gente vinda do Iêmen e de Bangladesh.



“Meus meninos não eram dessas coisas”



Ao certo, sabe-se que um dos mortos (talvez dois) é filho de um libanês de 60 anos, residente em Sidon, Darwish Daity. Este sabe que seu filho Ahmad está morto e teme que outro, Mahmoud Haity, também esteja entre os combatentes até a morte em um conjunto habitacional de Tripoli. “Meus meninos não eram dessas coisas”, declarou, segundo consta. “O Fatá al-Islã enlouqueceu-os e transformou-os em criminosos”. Ahmad Haity era casado, com três filhos.



Sidon abriga também o maior campo do Líbano, Ein el-Helweh, de onde saíram pelo menos 20 palestinos como homens-bomba contra as tropas dos EUA no Iraque. Um movimento muçulmano sunita de Tripoli alardeia ter enviado “pelo menos” 300. E Ein el-Helweh é a sede de pequenos grupos islâmicos como o Issbat al-Anssar, que cindiu-se quando seus líderes fundaram o Issbat al-Noor – “A Comunidade da Iluminação” –, cujo chefe morreu assassinado, supostamente por uma facção da OLP.
Se estas disputas intestinas palestinas parecem cansativas, seria de recordar que muitas tiveram suas origens na Guerra Civil do Líbano (1975-1990), quando a OLP de Iasser Arafat combateu do lado muçulmano, contra a milícia cristã maronita.



Talvez os EUA tivessem sabido alguma coisa se…



Quando as tropas libanesas prenderam Moamar Abdullah al-Awami, um iemenita, em Sidon, 2003, e o acusaram de planejar um atentado contra uma lanchonete da McDonalds, Awami – que usava o nome de guerra de Ibn al-Shaheed (Filho do Mártir) – afirmou ter encontrado três quadros da Al Qaeda em Ein el-Helweh. Muitos fundamentalistas libaneses envolvidos na batalha contra o exército do Líbano em 2000, em Sir el-Dinniye, aderiram a um grupo palestino conhecido como Jund al-Shams (Soldado de Damasco), cujo líder, Mohamed Sharqiye, chegou a Sidon 10 anos atrás vindo do mesmo campo de Nahr el-Bared – e aqui o círculo da história se completa –, o campo onde o Fatá al-Islã se estabeleceu no ano passado.



É muito simples dizer que é tudo coisa da Síria. A Síria pode ter interesses, está acompanhando a desestabilização e até – através de sua rede de segurança – dando assistência logística a esses grupos. Mas outras organizações podem ter interesses em comum: os insurgentes iraquianos, por exemplo, ou o próprio Talibã, talvez também pequenos grupos nos territórios palestinos ocupados. 



Assim funcionam essas coisas no Oriente Médio, onde vigora não a responsabilidade mas apenas a comunhão de interesses. Talvez os americanos tivessem sabido alguma coisa sobre o assunto, se não tivessem insultado os sírios dois anos atrás, por permitir que combatentes ingressem no Iraque – a tal ponto que os sírios suspenderam toda colaboração militar e de inteligência com os EUA.



Entrevistado este ano, outro líder do Fatá al-Islã, que se apresentou como Abu Muayed, insistiu que “não temos contato com outros grupos muçulmanos… Não estamos no estágio de recrutar combatentes, mas aqueles que desejarem trabalhar conosco e combater os judeus serão bemvindos”. Também ameaçou atacar o forte contingente da ONU no sul do Líbano, que é comandado por generais da Otan. Na época, quadros da OLP em Nahr el-Bared disseram que estavam “de olho” no Fatá al-Islã. Mas em algum momento dos últimos dois meses seu olhar desviou-se claramente.



O papel do exército libanês



O exército e a Força Interna de Segurança – uma versão benigna de unidade policial paramilitar – parece ter capturado 11 atiradores antes que estes se matassem, e submeteu-os a interrogatório (um processo que definitivamente não deve ter sido benigno, pois um dos homens estava gravemente feridos). Fotógrafos conseguiram retratar um dos prisioneiros quando era arrebentado por soldados, depois que um de seus companheiros fora morto. É de se acreditar que esses altivos e malvados guerreiros estejam dispostos a conversar quando estavam todos preparados para morrer?



O exército também tem seus sentimentos. Cerca de metade dos seus mortos aparentam ser sunitas, e muitos vindos do norte do Líbano. Este é uma parte do país onde matanças vingativas com freqüência exprimem cólera social; uma vez que se encerre a batalha de Nahr al-Bared, haverá famílias desesperadas para vingar a perda de maridos e filhos, especialmente os que foram conduzidos à morte tão cruelmente.
Em Sir el-Dinniye, em 2000, os 11 soldados mortos não foram vingados. Porém, sete anos mais tarde,  alguns dos atiradores que os mataram estavam eles próprios – e aqui o círculo novamente se completa – no campo de Ein el-Helweh, em Sidon.



O movimento Al Fatá, da OLP, apelidou o grupo Fatá al-Islã de “gangue de criminosos”, uma sábia precaução, dada a fúria sufocada dos libaneses ao verem que os palestinos permitiram que tal grupo fosse criado no campo de refugiados. Em Ein el-Helweh a OLP percorre as ruas, garantindo que não haja reincidência, embora um muçulmano palestino tenha disparado para o ar na segunda-feira, assinalando a morte de seus “irmãos” em combate com o exército.



No entanto, caso o cerco de Nahr el-Bared continue, pode não ser nada fácil controlar grupos palestinos em Beirute e no sul do Líbano. E então o exército libanês – que é tudo por aqui que separa a paz da anarquia – será ainda mais tensionado.



* Fonte: The Independent; intertítulos do Vermelho