Cortejo do ´Pau da Bandeira´ atrai 100 mil

Resistência, fé, coragem. A tradição que se repete há quase cem anos tem adeptos de idades variadas

Barbalha. Mais de cem mil pessoas, de acordo com a Policia Militar, participaram, durante o dia de ontem(27/05), no cortejo do pau da Bandeira de Santo Antônio, de Barbalha, abrindo a festa do padroeiro da cidade. O ritual este ano teve inicio mais cedo, às 11 horas, e só terminou no começo da noite de ontem, quando o mastro foi fincado, pelos cerca de 200 carregadores, em frente a igreja matriz. Este ano, a festa acontece até o dia 30 de junho.


 


Resistência, fé, coragem. A tradição que se repete há quase cem anos tem adeptos de idades variadas. São jovens rapazes cumprindo um rito que vem dos pais ou dos avós, homens acima dos 50 anos. Todos querem dar a sua contribuição à festa religiosa, uma das mais tradicionais da cultura popular do Nordeste.


 


Única mulher


 


Dona Ester Sales é uma exceção no meio dos carregadores. Ela tem 56 anos e há 33, acompanha o ritual como auxiliar. ´A minha mãe fez a promessa, morreu e continuo pagando. Nem sei para o que foi, mas me sinto bem e continuarei até morrer´, diz. Este ano, a aroeira, de 23 metros e mais de duas toneladas, foi carregada no percurso de cinco quilômetros. Retirada da ´cama do pau´, no sítio Roncador, permaneceu durante 15 dias no local, para ficar mais leve.


 


O capitão do pau, como é conhecido o coordenador do cortejo, Rildo Teles, afirma que a decisão de sair mais cedo este ano foi para dar a oportunidade aos carregadores de brincarem mais durante o percurso. E isso foi o que não faltou.


 


A irreverência dos participantes é algo que chama atenção de quem participa pela primeira vez do ritual. Brincam como se estivessem brigando, muitas vezes chamando até atenção da Polícia, que vai ao local e perde a viagem.


 


O narrador do pau da bandeira, José Silva Neto, adverte aos policiais: ´deixa, que é só brincadeira´. E tudo volta ao normal. É a força que renasce para levantar as toneladas. De cinco em cinco metros o tronco é jogado cuidadosamente ao chão. O estrondo da queda e os gritos de alívio. Uma força descomunal para alguns.


 


Um incidente acontece ao entrar na cidade. Um dos carregadores oficiais, Jorge Correia, foi preso, por ter soltado fogos de artifício, que lesionaram pessoas levemente, conforme a polícia.


 


A gritaria foi geral. O cortejo foi suspenso por meio hora, até que Jorge foi liberado. Enquanto isso, os homens reivindicavam a volta do carregador. Até um veterano, que participou do cortejo desde os 10 anos de idade, foi lá para animar o grupo. José Veloso, o Pavão, solicitou das autoridades uma providência para soltar o rapaz, enquanto entoava o canto do ´papagaio´ como grito de guerra.


 


Para Rildo Teles, a sensação de comandar o ritual do pau da bandeira é mágica. Há um envolvimento de amor e carinho por esta tradição de fé. ´As pessoas na cidade até choraram acompanhando o drama que foi a apreensão do pau da bandeira pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas finalmente estamos tendo a oportunidade de vivenciar esse momento´, ressalta.


 


O policiamento foi reforçado em Barbalha. Segundo o subcomandante da Polícia Militar, Wladimir Carvalho, cerca de 190 homens, do destacamento do 2º Batalhão de Polícia Militar das cidades de Crato, Campos Sales, Iguatu e Brejo Santo, estão na cidade. Conta também com apoio da Guarda Municipal e do Departamento Municipal de Trânsito (Demutran).


 


50 grupos folclóricos participam do evento


 


A festa de Santo Antônio, padroeiro de Barbalha, não é somente o pau da bandeira. No domingo a cidade se transforma no palco de manifestações populares. Cerca de 50 grupos folclóricos se espalham nas ruas enchendo de cores o casario antigo da terra dos canaviais.


 


É o Cariri rural com suas músicas, danças, lendas, mitos, contos, crenças e superstições formadas ao longo dos anos por índios, brancos e negros e resgatados pelo homem do campo que, na sua ingenuidade, edificam a verdadeira identidade cultural do Cariri.


 


Homens como Joaquim Mulato, decurião do grupo de Penitentes, uma tradição religiosa que remonta à Idade Média. Durante a Quaresma os penitentes vestem-se com uma túnica preta e capuz para praticar auto-flagelação.


 


Além do tradicional grupo de penitentes da Cabaceira, este ano, foram integrado à festa, os penitentes do sitio Lagoa. Entre os membros, o deficiente visual José Tomás que, mesmo cego, acompanha os companheiros nas suas penitências.


 


O secretário de Cultura de Barbalha, Antônio Libério, informa que, a cada ano, aumenta o número de grupos. A secretaria, segundo afirma, está empenhada em resgatar outro tipo de reisado, cujos remanescentes já foram localizados.


 


O colorido das fardas chama a atenção dos curiosos. È o reisado, dança de origem portuguesa, que é apresentada sempre no Dia dos Santos Reis no ciclo de Natal. Mas hoje é dia da festa do pau da bandeira que abre espaço para os brincantes do reisado.


 


Eles usam saias curtas e chapéus enfeitados de espelhos e fitas coloridas e espadas. No pátio da igreja matriz eles travam um duelo entre reis. Um reisado é como uma corte. Cada pessoa representa um personagem da realeza. Tem até o bobo, um palhaço, ou Mateus, que bagunça a brincadeira.


 


 


Enquete: A tradição deve ser mantida em Barbalha?


 


Ester Sales, 56 anos, aposentada: ''É com a maior alegria que participo do ritual. Continuarei pagando essa promessa enquanto viver.''


 


Pedro Ivan, advogado: ''O pau da bandeira representa a força dos devotos do santo. Hoje, todos são iguais. A tradição deve ser mantida.''


 


Wladimir Carvalho, Subcomandante da Polícia Militar: ''Recebemos pessoas de todas as cidades da região e de vários lugares do País. Tivemos a participação de cem mil hoje.''


 


 


Fonte: DN