O que o Brasil tem a ganhar com os agrocombustíveis

A utilização do agrocombustível pode ser um importante instrumento que contribua com o desenvolvimento do país, a fixação do homem do campo e a geração de emprego e renda. No entanto, como em toda novidade, tem suscitado um intenso debate nos meios acadêm

Os críticos da iniciativa têm afirmado que a substituição da gasolina e do diesel por etanol e biodiesel, respectivamente, consumirá uma área agricultável enorme, empurrando as áreas destinadas a alimentos para uma nova fronteira agrícola – menos fértil e possivelmente matas, o que acarretaria a um só tempo maior inversão tecnológica, com conseqüente elevação dos custos de produção e preços, e destruição do meio ambiente.



Segundo os defensores dessa tese, também contribuiria para a elevação dos preços a produção de alimentos em quantidades relativamente menores (quantidades de alimentos per capita decrescentes, o que não significa um decréscimo absoluto na produção. Pode-se até se produzir mais, mas a um ritmo mais lento que a do crescimento da população mundial). Tudo isso, para que se possa alimentar a imensa frota mundial de automotores, cerca de 800 milhões de unidades.



Assim, o problema central para seus críticos seria a elevação dos preços dos alimentos, definidos pela lei da oferta e da procura. Interessante notar que personalidades do mais variado espectro político têm defendido tais posições.



Porém, toda essa argumentação é claramente de corte maltusiano, inspirada no economista inglês Thomas Malhus. Suas formulações partiam de duas premissas: a dos rendimentos decrescentes da terra e a, clássica, de que a população crescia a ritmos geométricos, ao passo que a produção de alimentos crescia a ritmos aritméticos. Curioso é notar que Malthus era um economista reacionário, defensor da oligarquia inglesa e ardoroso defensor da lei dos cereais, que impedia a importação de trigo [1].



Porém, quem fez uma crítica devastadora aos postulados de Malthus foi Karl Marx. Para ele, com a incorporação da técnica, a produtividade das culturas poderia se elevar de forma a acompanhar o ritmo da demanda. De modo que o problema não estaria na capacidade de produção, mas no modo de se produzir. De fato, a produção mundial de alimentos é suficiente para alimentar toda a humanidade, e o seu potencial de produção capaz de alimentar três vezes a população da Terra.



Quanto aos preços dos alimentos, como, objetivamente, eles se formam? Os alimentos como qualquer mercadoria – ao contrário do que alegam os economistas neoclássicos [2] – tem o seu valor definido pela quantidade de trabalho socialmente necessário, medido por unidade de tempo, para sua produção. A oferta e a procura regulam apenas as flutuações temporárias dos preços de mercado.



Quando uma mercadoria qualquer por algum desajuste na economia tem seu preço elevado para cima do seu valor real, há um deslocamento de capitalistas de ramos menos lucrativos para outros mais lucrativos. Assim, o resultado final da escassez relativa de uma mercadoria, tal qual a aventada para os alimentos, não é a elevação de seu preço, mas a elevação da oferta na mesma proporção da subida temporária dos preços. Ou seja, a procura e a oferta tendem sempre a se equilibrar. E o preço aos seus níveis históricos.



Vejamos o caso recente do milho produzido nos EUA. Recentemente, o mundo teve uma explosão no consumo de milho para a produção de agrocombustíveis. Sensibilizados pela diminuição das reservas mundiais de petróleo e pressionados para que produzam combustíveis mais limpos, os EUA passaram a produzir etanol a partir do milho. Sobrou menos milho para a alimentação humana e animal. Com a diminuição da oferta, seu preço subiu muito no mundo todo. Todavia, de um salto elevado – 80% acima do valor original –, o preço da saca de milho tem recuado a valores históricos. Isto acontece porque os produtores rurais (como qualquer outro capitalista) deslocam-se de uma atividade menos rentável para uma mais rentável, no caso a produção de milho, fazendo com que a oferta volte a acompanhar a demanda.



Mas não é só isso. Como o valor de uma mercadoria é definido pela quantidade de trabalho socialmente necessário para sua produção, espera-se que, com a necessidade de expansão da oferta, haja maior incorporação de tecnologia [3] e substituição de mão de obra por máquinas. Este fenômeno foi definido por Karl Marx como alteração na composição orgânica do capital. Isto é, substituição de trabalho vivo por trabalho morto.



Quanto mais desenvolvidas são as forças produtivas de trabalho, menor é o tempo socialmente necessário para a produção de um dado montante de produto. A tendência é, portanto, de rebaixamento do preço da mercadoria, seja ela qual for, inclusive os alimentos.



Poderia se, entretanto, refletir sob a existência ou não de terras cultiváveis e/ou de tecnologia que permitissem este salto na produção. Sob a quantidade de terras, doravante, é verdade que há um limite físico, muito embora este limite esteja longe de ser atingido, sobretudo no Brasil. E é justamente aí que reside nosso potencial. Com base nos números fornecidos pelo Anuário Brasileiro de Cana-de-Açúcar, a área ocupada com cana no país foi de 6,1 milhões de hectares, safra 06/07, dos quais pouco mais de 2,4 milhões de hectares foram destinados à produção de álcool.


Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se a produção de etanol se elevar para 30 bilhões de litros até 2.013 (na última safra foi de 17 bilhões de litros), a área adicional a ser incorporada será de 3 milhões de hectares.



Esse acréscimo representa cerca de 1% da área agricultável do país que é de 300 milhões de hectares. Desse total, 220 milhões de hectares (73% da área agricultável) são destinados à pecuária – grande parte de corte e em regime extensivo. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em 2005 o rebanho bovino brasileiro era de 207 milhões de cabeças, com uma lotação, portanto, de 0,94 cabeça por hectare. Se esta lotação se elevasse para 1,10 cabeça por hectare, seriam liberados quase 32 milhões de hectares. Já para o INCRA (Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária), 157 milhões de hectares (52% da área agricultável) são considerados improdutivos, dos quais mais de 51 milhões de hectares sem nenhum tipo de aproveitamento.



No que toca as produtividades das culturas, é forçoso reconhecer que, diferentemente da produção industrial, a produção agrícola – como a animal – esbarra no limite intrínseco do crescimento / desenvolvimento de cada cultura. Contudo, este limite tem sido heroicamente estendido. A cada momento surgem variedades mais produtivas, mais resistentes a pragas e doenças, mais adaptadas às condições severas de clima e produzidas por meio de técnicas mais modernas. Afora, o aparecimento de adubos e pesticidas mais eficazes.



Com a cana e a produção de etanol não é diferente, variedades mais produtivas aparecem a todo momento, com maior eficiência fotossintética e, conseqüente maior conversão de sacarose (açúcar da cana). Quanto à produção de etanol, uma nova técnica promete duplicar a produtividade de etanol. É a DHR, conhecida como hidrólise rápida do bagaço da cana, capaz de transformar fibra em açúcar.



Entretanto, se a escassez de alimentos não é um problema real, a fome pela falta de acesso a eles o é. Como se pode observar, o problema da fome reside na falta de poder aquisitivo de parcelas significativas da população mundial – a ONU estima em 800 milhões o número de famintos e 2 bilhões o número daqueles que vivem abaixo da linha e pobreza –, fruto da brutal concentração e centralização do capital [4], que relega parcelas importantes da humanidade para fora do mercado de consumo e do próprio sistema.



Neste sentido, o problema não é a produção de agrocombústiveis, como também não o são os transgênicos, a clonagem, etc, mas o fato da produção de mercadorias de um modo geral, e de alimentos em particular, ser cada vez mais social em contraposição à apropriação privada dos resultados dessa produção.



Se o agrocombustível é uma alternativa real, não é porque combustíveis fosseis poluem mais – a despeito de toda pressão mundial pelo controle na emissão de CO2 –, mas simplesmente porque seu uso vai se tornando antieconômico, em função da crescente escassez do petróleo.



Independente dos problemas estruturais que o país e o mundo atravessam, aos quais as soluções terão que ser dadas a bom tempo, o programa brasileiro não pode ser sacrificado por conta de críticas que definitivamente erram no alvo. O Brasil pode e deve aproveitar-se de forma altaneira das contradições que a mudança de paradigma energético encerra. Possui terras agricultáveis em abundância. Clima ensolarado e na sua maior parte úmido. Uma grande e renomada empresa pública na produção de energia – a PETROBRAS. Contudo, deve-se ter todo o cuidado para evitar a concentração fundiária, super exploração da força de trabalho, danos ao meio ambiente, etc.



Para tanto, faz-se necessário o papel ativo do Estado, como regulador desse processo, como investidor e fomentador também da agricultura familiar, das micro e pequenas empresas rurais por meio de créditos e incentivo a cooperação.



Outro fator decisivo é a fixação do homem do campo. O projeto que visa a produção de biodiesel, através de oleaginosas, pode ser fundamental como fonte de renda para milhões de pequenos agricultores. Aliado a um vigoroso e amplo programa de reforma agrária, a produção de biodiesel também poderá ter efeitos positivos na geração de emprego e renda no campo.



[1] São famosos os debates travados entre Thomas Malthus e David Ricardo, em fins da primeira metade do século retrasado. Para este último, a importação de trigo diminuiria o preço da força de trabalho, ao mesmo tempo em que empurraria os trabalhadores para as cidades, fomentando a já vigorosa industria inglesa.
[2] Segundo os neoclássicos, o valor da mercadoria é definido pela sua utilidade. Tanto mais útil maior o seu valor. Para essa escola, a ciência econômica tem a finalidade de alocar os recursos, que são raros, a consumidores que tem vontades crescentes e ilimitadas. 
[3] Este fenômeno não acarreta desemprego direto. Por exemplo, uso de variedades mais produtivas, uso de defensivos mais eficazes etc.
[4] Concentração e centralização são processos distintos. O primeiro diz respeito ao processo de acumulação de capital por meio da produção de valor, enquanto que o segundo está associado à monopolização dos meios de produção por meio de fusões, aquisições, etc.



Frederico Nunes Borges (Fred) é engenheiro agrônomo e membro do Comitê Estadual do PCdoB-MG