Artigo de Lula propõe “aliança estratégica” Brasil-Índia

A “consolidação” de uma “aliança estratégica” entre o Brasil e a Índia, com base numa “visão de mundo convergente, inovadora e esperançosa”, e centrada no multilateralismo, nos biocombustíveis, no combate à fome e à pobreza: é a proposta do artigo que o p

O significado de minha visita à Índia – a segunda desde minha eleição como presidente do Brasil – é reiterar a nossa disposição de forjar a aliança estratégica entre nossos países, tal como anunciei em meu discurso de posse em 2003. A visita do primeiro ministro Manmohan Singh a Brasília em 2006 contribuiu grandemente para reforçar esta parceria.



Multilateralismo



Ambos os nossos países partilham uma visão de mundo convergente, inovadora e esperançosa. Confrontados com uma ordem desigual, incapaz de responder aos problemas do desenvolvimento e da segurança coletiva, a Índia e o Brasil afirmam sua confiança no multilateralismo e, através do diálogo democrático, vêm assumindo crescentes responsabilidades internacionais. Face a ameaças e desafios como o terrorismo, a degradação ambiental e as pandemias, implementamos propósitos de maior cooperação e solidariedade.



A comunidade internacional enxerga ambos os nossos países como atores indispensáveis na reformulação da ordem econômica e também da política internacional.



É o que estamos fazendo no interior do G-20. Apesar do ceticismo e da oposição de alguns países, Índia e Brasil têm demonstrado disposição e determinação para construir um resultado equitativo nas negociações da Rodada de Doha.



Nossos povos cooperam igualmente no G-4, para concluir a reforma nas Nações Unidas. A democratização do Conselho de Segurança já deixou de ser um sonhoi longínqüo. Nossa aspiração comum, de nos tornarmos membros permanentes do Conselho de Segurança, tem adquirido crescente apoio revelando a credibilidade que obtivemos no debate global sobre o futuro da segurança coletiva.



Esta é também a principal mensagem do porograma da Cúpula do G-8, a se realizar dentro de poucos dias na Alemanha. Já é hora de as principais economias emergentes serem mais ouvidas quanto às grandes questões do mundo, como a mudança climática, o desenvolvimento sustentável, fontes de energia novas e renováveis, finanças para o desenvolvimento. É necessário que se ouça as economias emergentes não só porque as populações de nossos países são diretamente afetadas por estas questões, mas, particularmente, porque nossos países têm sido capazes de produzir soluções inovadoras para esses múltiplos desafios.



Biocombustíveis



É este o caso dos biocombustíveis. Estamos determinados a produzir uma autêntica revolução energética. A Índia e o Brasil somaram esforços com a África do Sul, a China, os Estados Unidos e a União Européia para a promoção de um Fórum Internacional dos Biocombustíveis. A democratização do acesso a novas fontes de energia combina-se com a necessidade de criar um novo mercado mundial para tais combustíveis. Pretende-se assim oferecer uma alternativa para o encarecimento e para a inevitável escassez das fontes dos tradicionais combustíveis fósseis.



A opção dos biocombustíveis tem fundamental importância para os países em desenvolvimento. Por isso a Índia e o Brasil estão somando esforços e partilhando conhecimento visando fazer dos biocombustíveis uma commodity energética de nível mundial.



Afora a esperança de redução dos efeitos sobre o aquecimento global, os biocombustíveis oferecem a perspectiva de mais emprego e renda, melhoria das condições de vida e desenvolvimento sustentado nas áreas rurais. No Brasil, a indústria do açúcar e do álcool gera 1 milhão de empregos diretos, muitos deles em cooperativas e empresas familiares, e seis milhões de empregos indiretos. Além disso, poupamos bilhões de dólares de importações de petróleo e seus subprodutos.



Outra parceria verdadeiramente estratégica que temos desenvolvido está na área da medicina. O setor farmacêutico indiano tem muita importância neste contexto. No Brasil, temos considerável experiência de fabrico de certos tipos de medicamentos. Podemos combinar nossas aptidões na produção de remédios para combater a aids, a tuberculose e outras pandemias que devastam os países mais pobres, particularmente na África. A recente decisão do Brasil, de optar pelo licenciamento compulsório de um medicamento anti-retroviral, pavimenta o caminho para a compra de genéricos mais baratos na Índia, assegurando assim a continuidade do exitoso programa brasileiro de tratamento da aids, e salvando milhares de vidas.



O papel do Ibas



Nosso compromisso com a dignidade fundamental do ser humano explica a decisão da Índia, Brasil e África do Sul de criar o Fundo de Combate à Fome e à Pobreza, do Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (Ibas), que financia projetos de combate à pobreza e à fome com apoio do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud).



No Ibas, nossas três grandes democracias do hemisfério sul sinalizaram sua visão da arquitetura de um novo mundo, baseada na solidariedade coletiva. Estou certo de que, seguindo a filosofia da não-violência encabeçada pelo Mahatma Gandhi, trilharemos o caminho rumo a um mundo melhor e mais pacífico.



Queremos que nossa parceria bilateral resulte em benefícios cada vez mais tangíveis tanto para os brasileiros como para os indianos. O tamanho de nossas populações, o vigor econômico e os avanços tecnológicos de nossos países patenteiam o quanto ainda precisamos trabalhar para dar vazão a nosso potencial de cooperação e amizade.



Nos últimos quatro anos, o fluxo do comércio entre a Índia e o Brasil dobrou, alcançando um volume recorde de US$ 2,4 bilhões em 2006. Encaramos esta cifra como modesta. Precisamos congregar nossos empresários e diversificar nosso intercâmbio, criando novos nichos de mercado e oportunidades de comércio.
Por estas razões estarei acompanhado em minha visita à Índia por uma expressiva delegação empresarial. O primeiro ministro Singh e eu lançaremos um fórum de líderes empresariais, de modo que estes possam aconselhar nossos dois governos quanto à definição das medidas capazes de estimular o comércio e o investimento entre nossos países.



Ao estreitarmos nossos laços bilaterais em todos os domínios, a Índia e o Brasil se qualificarão ainda mais para nos desincumbirmos de nossos papéis de liderança e renovação, com crescente confiança e eficácia, tal como espera a comunidade internacional e como exigem os nossos cidadãos.



Luiz Inácio Lula da Silva,
presidente do Brasil