Por que Lula e Temporão incomodam tanto a Igreja Católica
A Igreja brasileira discorda do programa de Lula que instaura a gratuidade dos contraceptivos. Para a instituição, o governo deveria investir os recursos da saúde pública em necessidades mais urgentes da população. A matéria é de Annie Gasnier para o
Publicado 09/06/2007 18:16
A Igreja Católica não gostou nem um pouco do novo programa de planejamento familiar que acaba de ser implantado pelo governo brasileiro, três semanas depois da visita, em meados de maio, do papa Bento 16.
“Trata-se de uma verdadeira febre anticoncepcional, de uma grave infração à lei natural que estabelece um vínculo entre a relação sexual e a transmissão da vida”, estima o bispo de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, Rafael Cifuentes, o presidente da Comissão Episcopal para a vida e a família.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou em 28 de maio, em São Paulo, o lançamento de um programa social para o seu segundo mandato, dotado de uma verba de R$ 110 milhões, que se destina a ajudar as famílias brasileiras “a evitarem gravidezes que não são programadas ou desejadas”.
Trata-se de democratizar o acesso aos métodos contraceptivos, principalmente para as classes sociais as mais desfavorecidas e as menos informadas, uma vez que as famílias de renda mais elevada já planejam há muito tempo o número de filhos desejados.
Desigualdades regionais
No Brasil, a taxa de natalidade é de 2,4 filhos por mulher, mas o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatísticas) estabelece distinções em relação a essa média. As famílias que vivem com menos de R$ 3 por dia têm 5,3 filhos – e até mesmo 6,3 no Nordeste, uma das regiões mais pobres do país. Enquanto isso, famílias cujo salário mensal está acima de R$ 2.000 têm 1,1 filho – ou seja, uma taxa equivalente à média européia.
Com isso, os custos dos métodos contraceptivos serão reduzidos de maneira drástica. O ministro da Saúde, José Temporão, anunciou a comercialização de cartelas de pílulas, de ampolas para injeções anticoncepcionais e de preservativos com um desconto de 90%, nas farmácias populares e afiliadas credenciadas pelo programa Farmácia Popular.
As pílulas e os preservativos já são distribuídos gratuitamente nos postos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) – mas o objetivo é ampliar o seu acesso para um público mais vasto. Também serão incentivadas as vasectomias. Essas micro-cirurgias, que já vêm sendo praticadas de modo amplo, custam menos do que as operações de ligaduras de trompas.
Todos esses métodos serão objetos de uma campanha de educação nas escolas, nos centros comunitários, nos centros de saúde e nos meios de comunicação. Um dos seus objetivos é de alcançar as adolescentes das favelas das grandes cidades, onde, segundo o IBGE, os nascimentos aumentaram em 42%, dos quais mais da metade não foi o fruto de uma união estável.
“Cultura da morte”
O aumento da natalidade em favelas urbanas resulta num número cada vez maior de crianças abandonadas que vivem nas ruas. Assim, em qualquer esquina nos bairros residenciais, tais como os da zona sul do Rio de Janeiro, é possível ver moleques, cuja idade, em geral, não passa de 4 a 5 anos, fazendo malabarismos na calçada com bolas de tênis, diante dos veículos parados no farol.
Descalços, encharcados durante a estação das chuvas, trajando geralmente camisetas puídas, eles passam então entre os carros para pedir uma moeda. Nunca o pai ou a mãe aparecem nos arredores.
Três semanas depois da visita do papa, que condenou enfaticamente o aborto e a “cultura da morte”, Brasília fez questão de sublinhar que a sua iniciativa está orientada “em favor da vida”, uma vez que os casais terão a possibilidade de escolha para planejar a sua família.
Bento 16 havia preconizado antes a castidade em discurso que ele pronunciou perante 30 mil jovens reunidos em São Paulo. A reação da Igreja católica foi tanto mais viva que o ministro da Saúde também deu início a um debate sobre a liberalização da interrupção voluntária de gravidez, a qual permanece proibida até hoje – uma questão sobre a qual ele gostaria de organizar um referendo.
Para José Temporão e para o presidente Lula, trata-se de um problema de saúde pública: 1 milhão de abortos clandestinos estariam sendo praticados anualmente no Brasil, e 4 mil mulheres morreriam das conseqüências dessa cirurgia.