Lula reitera que Chávez agiu democraticamente no caso RCTV

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a afirmar nesta quinta-feira (7), em Berlim, que seu colega venezuelano Hugo Chávez agiu rigorosamente dentro da lei de seu país ao não renovar a concessão da emissora RCTV.

A declaração de Lula foi publicada na edição desta sexta-feira da Folha de S.Paulo, a quem o presidente concedeu uma entrevista exclusiva. Além de defender a atitude tomada por Chávez, Lula disse que quem tem que gostar ou não do que se passa na Venezuela é sua população.



Apesar da defesa feita ao presidente venezuelano, Lula mostrou na entrevista certa preocupação com a troca de farpas entre o Senado brasileiro e Chávez, por conta do mesmo assunto. Lula lembrou que a entrada da Venezuela no Mercosul passará, obrigatoriamente, pelo crivo dos senadores, condição que no futuro poderá criar algum tipo de problema. “Isso vai exigir muito mais esforço nosso para convencer que um mal-entendido ou uma agressão verbal não pode colocar em risco um projeto para a região”, comentou.



Leia abaixo trechos da entrevista:



O sr. disse a Chávez que o Senado brasileiro o defendeu quando houve o golpe contra ele?
Não conversei com o Chávez depois. Certamente devemos nos encontrar no Paraguai, no dia 27 ou 28. Nesses quatro anos de mandato, já vi muitas brigas entre países latino-americanos. E eu tenho comentado com eles que precisamos tomar cuidado com o discurso porque às vezes a radicalização verbal atrapalha muita coisa. Você dá uma declaração num lugar e, dependendo do interesse local, a imprensa dá uma manchete e cria-se uma animosidade nacional numa coisa que não precisaria. A nota que o Senado brasileiro fez em relação à televisão do Chávez é uma nota branda. É um apelo, não tem nenhuma agressão. Agora como é que chegou a ele, eu não sei.



Pouco antes da primeira posse, o sr. enviou Marco Aurélio Garcia à Venezuela, para ajudar a diluir uma crise que poderia até desembocar em outro golpe, com apoio claro da mídia local. Portanto, para ajudar, a soberania [alegada para não criticar a cassação da RCTV] não é tão “imexível”. Mas, na hora de criticar, o sr. parece ter medo de criticar Chávez, talvez por temer um destempero dele.
Isso está resolvido na nota. Eu já viajei do Brasil para a Colômbia para evitar um conflito entre o Chávez e o [Álvaro] Uribe [presidente da Colômbia] por conta dessas coisas verbais. Já vi o Chávez e o Lagos ficarem atritados por causa de coisa verbal. Não acho que o Brasil tenha que se portar assim. Eu quero sentar direitinho, conversar, encontrar as palavras certas para falar as coisas.



Inclusive a questão da TV o sr. falaria para ele?
Eu falo o que faria no Brasil. Eu acho que não dá para ideologizar essa questão da televisão. O mesmo Estado que dá uma concessão é o Estado que pode não dar a concessão. O Chávez teria praticado uma violência se tivesse, após o fracasso do golpe, feito a intervenção na televisão. Não fez. Esperou vencer a concessão. No Brasil vencem concessões sempre e que passam pelo Senado para que haja renovação. Nos Estados Unidos, há concessões. Algumas são renovadas. Vai da visão que cada presidente tem da situação.



Quando o sr. diz que no Brasil a relação é democrática e consolidada, a inferência possível é que, na Venezuela, apesar de tecnicamente estar tudo nos conformes, não é democrático…
O fato de ele não renovar a concessão é tão democrático quanto dar [a concessão]. Não sei por que a diferença entre dois atos democráticos. A diferença com o Brasil é que conseguimos colocar na Constituição que isso passa pelo Congresso. Não é uma decisão unilateral do presidente. Lá é. Faz parte da democracia deles. Agora o que acho engraçado é que você pega um cara como o [Gustavo] Cisneros [dono de um dos mais importantes grupos de mídia da Venezuela e da América Latina], que era tido como o maior inimigo do Chávez, está de acordo.



Mas aí é que está o problema: venceram ambas as concessões, mas a do Cisneros foi renovada, o que torna claro que foi uma resposta política, embora os argumentos formais possam ser corretos.
Não sei qual foi o critério que ele adotou para dar as concessões. O dado concreto é que ele utilizou a legislação que vigora no país e tomou essa decisão. Por que eu, presidente do Brasil, vou ficar dizendo se ele fez certo ou errado. Quem tem que julgar isso é o povo da Venezuela, não sou eu.


Fonte: Folha de S.Paulo