Memória dos guerrilheiros cearenses em livro

Embora a ditadura militar no Brasil seja tema recorrente em livros, filmes e pesquisas acadêmicas, poucas são as informações sobre atividades de grupos que aderiram à luta armada no Ceará, na década de 60 e 70.

O livro do historiador cearense Aírton de Farias, procura preencher essa lacuna, ao abordar a trajetória dos militantes das esquerdas armadas no Ceará, durante a ditadura militar, entre 1968 e 1972, período em que se concentraram as ações guerrilheiras no Estado. O livro é fruto de dissertação de Aírton para o mestrado em História na Universidade Federal do Ceará (UFC), .


 


''A história do Ceará é pouco conhecida por nós mesmos. Esse período da ditadura é menos conhecido ainda, porque há um constragimento em falar sobre regime militar'', afirma Aírton de Farias. De acordo com o historiador, vários segmentos socio-políticos apoiavam o regime. ''Havia uma simpatia ideológica. No Ceará, um traço marcante é o autoritarismo das classes dirigentes. Grupos econômicos, empresários e políticos deram dinheiro aos órgãos de repressão''. Para Aírton, tal vínculo explica a demora e celeuma na abertura dos arquivos do período ditatorial no Ceará. ''É um dos poucos Estados do Brasil onde os arquivos ainda não foram abertos, sendo vedado o acesso de pesquisadores. Esse direito é facultado apenas aos ex-presos políticos e seus familiares, ainda assim sob pena de responder civil e criminalmente caso haja divulgação pública que atinja terceiros''.


 


Devido à dificuldade de acesso aos documentos oficiais, o historiador recorreu a depoimentos orais de 25 ex-militantes de esquerda e agentes da repressão, além da catalogação de notícias acerca de vários episódios de guerrilha, recolhidas em jornais. Ao iniciar a pesquisa, Farias acreditava que apenas dois grupos guerrilheiros haviam atuado no Ceará: a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). No entanto, outros grupos também foram atuantes, como o Colina, o MR-8, a VAR-Palmares e a Rede. ''O prazeroso da pesquisa é descobrir algo que ninguém sabia''. O historiador cita como exemplo o registro do seqüestro de um comerciante grego em Fortaleza no ano de 1968 pela ANL. ''Também não vimos nada de 'amenidades' da ditadura; ao contrário, como os órgãos de repressão no Ceará eram desestruturados, recorriam sistematicamente a torturas para tentar apurar os 'crimes terroristas' e capturar os 'subversivos' – daí os casos de agressões, prisões arbitrárias, seqüestros, ameaças às famílias dos militantes e mortes'', diz Farias, no livro.


 


O livro não se limita à narrativa factual dos acontecimentos, mas procura aprofundar o compartilhamento de experiências que existia entre os militantes. ''Não queria falar apenas das armas e das ações, mas entender o que esses caras pensaram. É claro que não dá pra entender alguém, sem compreender o contexto de sua época. Nos anos 60, revolução era a palavra da moda''. Segundo o historiador, uma das principais características dos guerrilheiros cearenses era o desejo de solidariedade, ou a aproximação do ideal de luta socialista com a tradição cristã e judaica brasileira. ''Por mais que eles quisessem ser materialitas e marxistas, eles reproduziam uma visão cristã e judaica de solidariedade. Muitos militantes eram de família católica. Eles foram pra luta com a certeza de que iam ganhar. Procuro desconstruir o mito do herói. Mostro que eles tinham medo também, como pessoas comuns''.



Fonte: Jornal O Povo