Perto do centro de Belo Horizonte, um posto de saúde vive a rotina da violência
Na comunidade da Pedreira Padro Lopes, uma favela a dois quilômetros do centro da capital mineira, um posto de saúde vive a rotina da violência. Cercado de casas, cujas paredes estão cravejadas de balas, a unidade é um exemplo dos desafios da política
Publicado 18/06/2007 14:43 | Editado 04/03/2020 16:52
Belo Horizonte é a 128ª cidade entre as mais violentas do país, segundo o estudo “Mapa da Violência dos municípios brasileiros”, da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), com base nos dados do Ministério da Saúde de 2004. Proporcionalmente, a cidade registrou 55,1 de homicídios a cada grupo de 100 mil habitantes. Estatística acima de capitais como São Paulo, Porto Alegre, Goiânia ou Brasília.
A equipe da Agência Brasil visitou o posto acompanhada do presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Robson Itamar da Silva. Ele contou que é comum os traficantes do local forçarem o “toque de recolher” ao posto de saúde. No local, o primeiro sinal foi o medo, por parte dos administradores do local, de atender a imprensa. O gerente interino do posto de saúde, José Henrique Versiani Barbosa, hesita inicialmente em falar sobre a rotina da unidade de saúde. Segundo o conselheiro de saúde Robson Silva, a atitude é compreensível, porque os gestores do posto freqüentemente recebem ameaças de morte.
É o trabalho no ambiente do medo. Depois de um telefonema para a Secretaria Municipal de Saúde, o gestor aceita conversar. Diz que as três equipes do Programa Saúde da Família que atendem a comunidade no posto são suficientes. “Nós temos três equipes do Saúde da Família completas aqui, desde 2000”. Ele reconhece, no entanto, que faltam profissionais médicos no postos. “Nós estamos sem pediatra, numa época em que o tempo está seco e frio, o problema de pediatria é muito grande. Os nossos generalistas estão atendendo a pediatria, mas se o caso for mais agudo a gente tem dificuldade”.
O problema da violência, no entanto, é negado pelo gestor. “Nós somos um dos equipamentos sociais, dentro de uma área de risco, uma vila, uma favela, com o objetivo de ocupar o espaço do poder público para diminuir esses problemas. Eu sou de opinião que esses problemas não têm manifestação aqui dentro, porque nós não temos barreiras para o atendimento aqui”, afirma. A unidade de saúde, junto com escolas públicas, são os poucos pontos de referência do Estado da população de favelas no Brasil. E muitas vezes insuficiente diante de problemas como desemprego, falta de saneamento básico e acesso à cultura.
O agente comunitário de saúde Gladston Romão, que mora na Pedreira Padro Lopes, diz que a realidade social da população é um paradoxo com o conceito universal de direitos estabelecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Falta desemprego, falta lazer, falta moradia, tudo o que lei do SUS preconiza para a pessoa ter saúde. Falta o trabalho de carteira assinada, aí eles conseguem entrar no método errado. Eles dão mais prioridade à droga, porque o dinheiro é mais fácil”, diz.
Ele conta ainda que os grandes traficantes, por exemplo, não vêm à unidade de atendimento para não correrem o risco de encontrar rivais. Quando chegam pessoas feridas à bala, elas costumam ser encaminhadas ao hospital municipal Odilon Behrens, o mais próximo do posto. Mas muitos não procuram atendimento de saúde para não serem identificados pela polícia, explica Robson.
Na entrada do posto, a vendedora desempregada Nívea Maria de Oliveira, de 35 anos, é também personagem da favela. Ela levou o filho Lucas, de 11 anos, para tomar a vacina contra a gripe no posto de saúde. Reclama do acolhimento no local. “O acolhimento em outros postos de saúde todos eram feitos no mesmo horário com equipes diferentes. Aqui não, cada equipe é um horário. E o meu acolhimento é nove horas da manhã, e quando você consegue conversar com o enfermeiro já é meio-dia. Eu acho que o precisaria melhorar em primeiro lugar é esse acolhimento”. Ou seja, não adianta chegar cedo ao posto porque não há profissionais em muitos horários, o que mostra a precariedade dos recursos humanos naquele local.
Para tentar resolver o problemas de favelas como Pedreira Prado Lopes, a prefeitura criou o programa Vila Viva, com o objetivo de revitalizar e levar infra-estrutura para a áreas populares e favelas. A idéia é revitalizar cinco favelas onde vivem cerca de 400 mil pessoas. O secretário municipal de Saúde de BH, Helvécio Magalhães, diz que o primeiro local revitalizado na capital foi a comunidade de Serra, cuja população é de 70 mil pessoas. No local foi feita uma intervenção que incluiu ações de saneamento, a drenagem de esgotos, a criação de áreas de lazer e a remoção de famílias que viviam em áreas com risco de deslizamento para conjuntos habitacionais populares.
O projeto, segundo o secretário, está sendo realizado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da prefeitura e é a primeira experiência brasileira desse tipo. Helvécio acredita que em cinco anos a cidade estará completamente modificada. “Nós tomamos há muitos anos aqui em Belo Horizonte a decisão de não nos afastarmos das áreas de violência. Pelo contrário, nós entramos cada vez mais nas áreas de violência. A expansão das políticas públicas na saúde, na educação, na assistência, na questão urbana, ela entrou para dentro das áreas. Nós não fizemos uma saída do Estado dessas áreas”.
Fonte: Agência Brasil
* repórter viajou a convite do Conselho Nacional de Saúde e do Ministério da Saúde