Financial Times: por que o cinema brasileiro atrai e lucra

Com o título “Luzes, câmera, ação… lucros. É o cinema brasileiro”, um artigo de Richard Lapper para o Financial Times elogia a qualidade dos filmes produzidos feitos no Brasil nos últimos anos. Leia abaixo a íntegra do texto.

Quando Cidade de Deus fez um grande sucesso no Festival de Cinema de Cannes, em 2002, e depois bateu recordes de bilheteria no circuito internacional, ninguém ficou mais surpreso que Fernando Meirelles, seu modesto diretor. “Fernando tinha certeza de que ninguém ia querer vê-lo. Pensou que não gostariam de tanta violência”, diz Hank Levine, um co-produtor de Cidade de Deus e colega na O2, a produtora independente de São Paulo.


 


O resultado, para tristeza de Levine, foi que os acordos que a O2 negociou com os distribuidores foram muito menos interessantes do que poderiam ter sido. Mesmo assim, o sucesso de Cidade de Deus – que acompanha as peripécias de dois bandos de traficantes em uma favela do Rio de Janeiro – colocou o cinema brasileiro no mapa internacional e nesse processo atraiu a atenção para uma indústria cujos destinos se transformaram nos últimos 15 anos.


 


A crise econômica na década de 1980 e o fim do apoio do governo brasileiro tiveram um impacto devastador nas produtoras locais. Mas a aprovação de uma lei, em 1993, que permite que qualquer empresa brasileira deduza de seu imposto de renda o dinheiro investido em filmes, forneceu uma nova fonte de fundos e provocou uma reviravolta. Companhias como Petrobras, a petroleira controlada pelo Estado, e o BNDES, o banco de desenvolvimento do governo, têm sido especialmente ativos.


 


E, em parte por causa disso, uma nova geração de diretores, da qual Meirelles e Walter Salles – diretor do internacionalmente aclamado Central do Brasil e mais recentemente de Diários de Motocicleta– são os mais famosos, ganhou o primeiro plano.


 


O caso O2


 


As produtoras independentes como a O2, que com 14 diretores afirma ser a maior da América Latina, também demonstraram capacidade empresarial, combinando operações de longa-metragem com uma série de outras atividades mais comerciais. A companhia, que fez seu primeiro longa-metragem em 2001, começou dedicada à publicidade para TV e ainda obtém cerca de 70% de sua renda dessa fonte.


 


O próprio Meirelles, por exemplo, passou recentemente um mês na China fazendo um comercial para a empresa de calçados esportivos Nike. Mais receitas vêm de contratos de produção para clientes diversos, incluindo algumas das maiores corporações do mundo, assim como para cineastas estrangeiros.


 


O sucesso internacional também ajudou a O2 a desenvolver parcerias com produtores estrangeiros. Entre os atuais projetos estão três filmes apoiados pela Universal Studios, parte do grande esforço do grupo americano para promover o cinema nos mercados emergentes.


 


Como Cidade de Deus, grande parte da nova série de filmes produzidos pela O2, pela Conspiração – sua rival baseada no Rio de Janeiro – e por outros cineastas independentes marcou uma mudança acentuada na qualidade, comparada com uma geração anterior de cinema da corrente dominante, muitas vezes associada ao mesmo tipo de atuação exagerada e cenários baratos, típicos da poderosa indústria de novelas do Brasil.


 


Paulo Morelli, que fundou a O2 com Meirelles e Andrea Barata, acredita que as origens comerciais da companhia são um dos motivos desse progresso. “Fazer comerciais nos deu a oportunidade de praticar cinema, e isso foi um fator crucial. Simplesmente fizemos muitos filmes”, ele diz. Ou, como coloca Barata: “A publicidade comercial foi uma grande escola para nós”.


 


Glamour, só na TV


 


A nova onda embrionária do cinema brasileiro também é inovadora de outra maneira. Enquanto a novela de televisão latino-americana geralmente glamouriza estilos de vida da classe média distantes da experiência direta da maioria dos espectadores, em um sentido social, a nova safra de filmes brasileiros tem raízes mais firmes e, com freqüência, um toque de documentário.


 


Alguns desses filmes, como Cidade de Deus e o próximo Cidade dos Homens de Morelli, outra história de gangues que os executivos da O2 estão anunciando como uma seqüência, enfocam diretamente a vida nas favelas tão comuns nas periferias das cidades brasileiras. Carandiru, que mostra as condições na prisão e uma rebelião sangrenta, e Anjos do Sol, uma história de prostituição infantil na Amazônia, examinam a condição dos socialmente excluídos.


 


Outros filmes recentes focalizam a mobilidade social e geográfica. Dois Filhos de Francisco, um enorme sucesso de bilheteria local, é a história de dois cantores sertanejos reais que saem da pobreza em uma aldeia no oeste do Brasil e tornam-se milionários; Caminho das Nuvens conta a história de um homem e seu círculo familiar do nordeste pobre que vão para o Rio de Janeiro em busca de um emprego que pagará R$ 1 mil por mês; em Céu de Suely, uma jovem de uma cidade pobre do nordeste rifa o corpo para ganhar o dinheiro de que precisa para comprar uma passagem de ônibus para o sul.


 


Levine diz que filmes como estes são geralmente bem recebidos em festivais internacionais e podem se sair bem no circuito artístico internacional, apesar de não se encaixarem exatamente no que ele chama de imagem de “crise, violência e loucura” criada pelo sucesso de Cidade de Deus.


 


Contrapartidas


 


Mas um problema imediato para os cineastas locais – especialmente os independentes – é como consolidar sua posição no país. A dificuldade é que, apesar de sua recuperação, o cinema brasileiro, como o país de maneira geral, ainda tem um caminho a andar. O mercado ainda é relativamente pequeno para seu tamanho, com receitas de US$ 285,2 milhões no ano passado – cerca da metade das do México, por exemplo – e é dominado por filmes estrangeiros, especialmente pelas grandes produções de Hollywood.


 


Os filmes brasileiros tiveram uma participação de mercado de cerca de 10% em 2006. E os preços dos ingressos são relativamente caros, geralmente em torno de R$ 15, em São Paulo, o que equivale a um salário mínimo diário. Para complicar ainda mais as coisas, existe o florescente mercado negro, pouco policiado, de versões piratas de filmes em DVD. “As pessoas não têm dinheiro para ir. É uma diversão cara para os brasileiros”, diz Barata.