28 de junho: falta ainda a última fronteira – Por que gays e lésbicas não têm direitos?

Por Julian Rodrigues

É 28 de junho. Dia Internacional do Orgulho GLBT. Marco histórico de luta e resistência. Ressoando Stonewal, a cada ano celebramos o orgulho de ser quem somos e a beleza de amar a quem quiser. Mas, fundamentalmente, lutamos. Lutamos pelo simples direito de ser cidadãs e cidadãos.


 


O famoso cineasta progressista Michael Moore (de Fahrenheit 9/11 e Tiros em Columbine ) disse, certa vez, em seu programa na TV fechada norte-americana, que os direitos dos homossexuais, se constituíam, de fato, na última fronteira dos direitos civis.


 


O polêmico artista estava se referindo às jornadas democráticas que ocorreram nos EUA, na década de 1960 – sob a liderança, entre outros, de Martin Luter King – quando os negros e negras conquistaram, naquele país, a igualdade formal. Passaram, portanto, a poder freqüentar as mesmas escolas, as mesmas universidades, se sentar em qualquer lugar nos bancos dos ônibus, entre muitas outras coisas. Além disso, a sociedade americana teve que reconhecer que era racista e que era necessário, portanto, executar políticas afirmativas para atenuar aquela situação de desigualdade construída historicamente.


 


O paralelo feito por Michael Moore é extremamente válido. Seja nos EUA, seja no Brasil, ainda existem milhões de cidadãos que estão excluídos da cidadania formal. Que não têm seus direitos civis. Se a sociedade americana (e também a brasileira), depois de muito debate – e luta – reconheceram que era preciso combater o racismo, infelizmente, ambos os países ainda não construíram maiorias a favor da igualdade entre homo e heterossexuais.


 


O que temos hoje é uma população de cidadãos GLBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais) alijada da cidadania. São pessoas que não existem, segundo o ordenamento legal vigente. São milhões de pessoas que não têm seus direitos reconhecidos somente porque são, em termos de orientação sexual, diferentes da “maioria”.


 


Se hoje todos acham absurdo discriminar alguém em função da cor de sua pele, é preciso reconhecer, que, mais cedo ou mais tarde, a maioria das pessoas reconhecerão que não há nenhuma razão para tolher direitos de pessoas em virtude de sua orientação sexual.


 


Dezenas de direitos


 


Os homossexuais brasileiros são tolhidos de dezenas de direitos. Por que razão as pessoas heterossexuais podem se casar e as pessoas homossexuais não? Por que motivo os gays não podem cuidar de seus parceiros ou ter planos de saúde em comum? Qual a razão objetiva para sustentar o impedimento a que duas lésbicas se unam, compartilhem sua previdência e constituam patrimônio comum?


 


Na verdade, a legislação infra-constitucional brasileira não acompanha o que foi definido pelos constituintes. Os constituintes de 1988 nos legaram um novo ordenamento legal, que marcou a transição do Brasil para uma sociedade não-autoritária.


 


Lá, entre outras cláusulas pétreas, eles colocaram, no artigo 3º, que está entre os objetivos de nossa República: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Para não deixar nenhuma dúvida, os representantes da vontade popular, ainda registraram, no artigo 5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.


 


Ou seja, há uma base igualitária na Constituição Federal, que não discrimina ninguém e não impede que cidadãos ou cidadãs tenham seus direitos reconhecidos. Não há nenhuma base política ou jurídica para sustentar que milhões de pessoas devem se sujeitar a uma série restrições legais, apenas em virtude de sua orientação sexual.


 


Essa base democrática e igualitária da Constituição brasileira é o que embasa dezenas de decisões judiciais que reconhecem os direitos de gays e lésbicas. Afinal, ninguém pergunta a orientação sexual de ninguém quando vai cobrar imposto ou exigir que cumpra as determinações legais, como votar, por exemplo.


 


Ora, se somos todos brasileiros e brasileiras, se temos deveres, por que não temos direitos? Por que alguns são mais iguais que outros?


 


Novas famílias


 


Na verdade, é preciso que os legisladores, juízes e executores de políticas públicas compreendam que há novas realidades sociais que precisam de proteção legal e estatal.


 


Estamos nos referindo às milhões de famílias de lésbicas, gays, travestis, transexuais e bissexuais. Há uma dezena de combinações possíveis para constituir um núcleo familiar (muito além do conhecido casamento entre homem e mulher).


 


As famílias GLBT existem e são um fato social relevante. Duas lésbicas criando filhos em comum (ou porque uma delas – ou as duas – já eram mães, ou porque resolveram adotar ou mesmo fazer inseminação artificial). Dois gays vivendo juntos com sobrinhos, primos, filhos adotivos ou filhos naturais. Travestis e seus maridos sob o mesmo teto adotando ou criando crianças e adolescentes. Gays dividindo, por anos, o mesmo teto. Lésbicas morando juntas e constituindo patrimônio comum.


 


Enfim, existem situações das mais diversas em termos de constituição de famílias, que não estão previstas na legislação brasileira e não encontram nenhum respaldo legal.


 


Mas, qual a razão, afinal, para o Estado brasileiro não reconhecer essas famílias e conceder a elas o mesmo status e a mesma proteção legal que têm as relações heterossexuais – sejam os casamentos formais, sejam as uniões estáveis?


 


Na verdade, não existe razão moral, política ou jurídica para que milhões de brasileiras e brasileiros sejam excluídos da cidadania plena. Apenas o preconceito e o obscurantismo podem justificar esse verdadeiro déficit democrático.


 


Proteção e proibição ao preconceito


 


No Brasil, ninguém pode ofender alguém em virtude de sua “raça”. É crime divulgar estereótipos como o de “judeu mão-de-vaca”, ou “negro safado”, ou “índio preguiçoso”, ou “mulher vulgar”. Nossa legislação veda a discriminação e pune o preconceito.


 


Em nome de nenhum livro sagrado é permitido ofender a religião alheia ou incitar a violência contra qualquer segmento da população. Nem sempre foi assim. Até o século XIX, os negros eram escravos. E a Igreja Católica dizia que eles “não tinham alma”.


 


Mas evoluímos, depois de muita luta. Criminalizar o preconceito faz parte de um rol de conquistas democráticas, conquistas cidadãs que fizeram nosso país avançar em termos de pluralidade, tolerância e respeito.


 


Por que então, não equipar a homofobia ao racismo? Por que, então, não darmos mais um passo e protegermos, juridicamente, uma população tão grande, que não encontra nenhum respaldo legal infra-constitucional para combater o preconceito e as violações cotidianas de direito que sofre?


 


Atravessar a fronteira


 


Estamos em 2007. O Estado brasileiro é laico (não se pauta por posições religiosas) e democrático (pretende atender a todas as pessoas, sem distinção). É preciso, portanto, atravessar a fronteira do preconceito e da discriminação.


 


Essa é a última fronteira dos direitos civis no Brasil. Há que se incorporar plenamente à cidadania esse enorme contingente de pessoas que não se enquadram na heternormatividade.


 


Não existe nenhuma razão objetiva (ou laica) para que os homossexuais brasileiros continuem marginalizados, excluídos ou condenados a ser cidadãos de segunda categoria.


 


Fará bem à democracia brasileira atravessar essa última fronteira do preconceito e reconhecer a plenitude dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.


 


O parlamento brasileiro nos deve essa reparação histórica: é preciso aprovar a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a criminalização da homofobia.


 


Estamos no século XXI. Façamos juz a ele!


 


Julian Rodrigues é da coordenação nacional  do setorial nacional GLBT do PT e do Instituto Edson Neris(SP)