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Renato Rabelo: Avançar na tática mais afirmativa e ousada

O segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva tem como herança o seu próprio primeiro governo — portanto, mais favorável que a herança deixada por Fernando Henrique Cardoso. O momento político dirigido pelo Presidente Lula permitiu alcançar a formaçã

A oposição e as forças conservadoras derrotadas na eleição presidencial, sem discurso, tentam definir seu rumo e sua forma de atuação, apostando no embate de 2010. No horizonte político do presidente Lula ele vê um Brasil “que encontrou o caminho a ser seguido de forma definitiva” e se mostra disposto a trabalhar persistentemente para eleger seu sucessor.


 


Seis meses do 2º governo Lula


 


O segundo governo Lula conseguiu reunir 11 partidos numa coalizão de governo ampla e heterogênea, conformada por um programa de sete pontos, cujos eixos mais importantes se localizam na intenção de um desenvolvimento mais acentuado e de prioridade social para uma educação universal e de qualidade; a coalizão está sendo dirigida por um Conselho Político de Governo, que tem funcionado regularmente. Neste começo do 2º governo — respondendo a esses compromissos programáticos — o governo lançou e está em andamento o PAC (Programa de Aceleração do Desenvolvimento) e o PDE (Programa de Desenvolvimento da Educação). Agora o governo apresenta o Plano Nacional de Energia (PNE-2030), que duplica a capacidade de energia elétrica de fonte hídrica e térmica, projeta a construção de mais 4 usinas nucleares, além de Angra 3 e de quatro refinarias de petróleo. O segundo governo Lula, no seu começo, dedica forte esforço empreendedor para edificação de grandes obras de infra-estrutura e realiza desenvolta atividade diplomática e de viagens internacionais, participando de grandes eventos de decisão mundial.


 


A oposição está sem o que dizer. Procura encontrar sua forma de ação e definir seu próprio rumo em face de um governo que ampliou sua base de sustentação, goza de amplo apoio popular e passa por um ano de crescimento econômico e de melhora na renda da população. Diante do fortalecimento da liderança e do prestigio popular do presidente Lula, a oposição de direita descarta no momento o discurso anti-Lula e busca novas formas de ataque. As forças conservadoras e de direita temem o fortalecimento da liderança do presidente da República, vendo nisto uma ameaça aos seus desígnios. Em função dessa nova realidade, não podendo empreender uma forma de ataque direta ao Presidente, a oposição procura uma forma de atacar pelos flancos, utilizando-se das mesmas velhas bandeiras – o moralismo cínico, que tem raízes políticas na UDN e as  mesmas armas, ancoradas dentro das próprias instituições estatais sob sua influência e na grande mídia monopolizada – agindo contra pontos débeis, tentando desmontar a base de sustentação do 2º  governo.


 


A demonstração dessa forma enviesada de ataque está nos recentes episódios em que se procura envolver o irmão mais velho de Lula em atos de exploração de influência para auto-favorecimento e, sobretudo, o escândalo provocado e anunciado em ostensiva campanha midiática contra o Presidente do Senado, Renan Calheiros, preliminarmente julgado e condenado. Trata-se de um importante aliado da base de sustentação do governo. A oposição, apesar da situação atual que lhe é adversa, procura fabricar um ambiente de confusão, em aliança com as forças conservadoras e a ação da mídia monopolizada para minar as vantagens políticas do 2º governo. Na realidade, essas forças oposicionistas têm procurado impor a agenda política para o país. O que fica para a população são os escândalos verberados à exaustão, os horrores da violência do dia-a-dia; por outro lado o PAC, PDE, PNE, as ações do governo, a reforma política são pouco focadas na atenção da população. E estas forças de oposição nutrem grandes expectativas futuras, contando com o fato de Lula estar fora do embate eleitoral de 2010 e de ter entre eles candidatos fortes do ponto de vista eleitoral, conhecidos nacionalmente, governadores dos dois maiores colégios eleitorais do país – Aécio Neves e José Serra.


 


No começo do 2º governo Lula, os indicadores econômicos lhes são bastante favoráveis. Apresenta-se um cenário de crescimento contínuo das exportações e importações, elevação do superávit em contas correntes, reservas internacionais de quase 150 bilhões de dólares, podendo encerrar o ano em US$ 200 bilhões. A inflação atual ronda o nível de 3,6%, relação divida/PIB em torno 44,7% e a safra agrícola prevista atinge o patamar recorde de 135,7 milhões de toneladas neste ano. O crescimento dos investimentos estrangeiros diretos (IED) é significativo, sendo previstos 25 bilhões de dólares em 2007 e a Bolsa de Valores de São Paulo atinge patamar inédito, só sendo superada no ritmo de crescimento pela Bolsa de Changai na China. Firma-se o prognóstico de crescimento de mais de 4,5% do PIB em 2007 e foram criados mais de 1 milhão de empregos com carteira assinada, de janeiro a maio deste ano.


 


Depois da ascensão de Guido Mantega a Ministro da Fazenda, tem havido mudanças positivas progressivas do plano econômico, diferentemente da fase Antonio Palocci (ex-Ministro da Fazenda), reforçadas com a presença do economista Luciano Coutinho à frente do BNDES. Na fixação da meta de inflação pelo Conselho Monetário Nacional (o centro a ser perseguido, com intervalo de 2% para cima ou para baixo) em 4,5% houve acirrada disputa com o Banco Central, prevalecendo a proposta do Ministro da Fazenda. Essa decisão interrompe de certa forma, o processo de metas cada vez mais apertadas, de concepção monetarista, iniciado desde 1999. O mercado financeiro desencadeou uma campanha de criticas a Guido Mantega, chegando a afirmar que ele seria um “defensor da inflação”. A decisão é mais uma “disputa política que uma solução técnica”, afirma destacado representante empresarial.  O CNM também fixou a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) em 6,25%  (até recentemente era de 9,75% a.a.), destacando-se ainda a disponibilização de 12 bilhões de Reais para crédito da agricultura familiar, montante maior que o do ano passado. Pode-se agregar que as condições de crédito — quanto ao volume e taxas — tornam-se mais accessíveis.   



Apesar de certos avanços progressivos contrários à imposição liberalizante, a  linha macroeconômica seguida pelo 2º governo Lula não se desfez de uma orientação monetarista, ortodoxa, dependente das injunções e interesses dos grandes círculos financeiros, comprometendo desse modo a possibilidade de um rumo de desenvolvimento mais forte, sustentável e constante. A política econômica continua presa à perversa combinação de taxa de juro real extremamente elevada e  um câmbio sobre valorizado, que pode levar a conseqüências graves, sendo as mais visíveis já muito discutidas na atualidade. Nesse sentido, apresentam-se duas ordens de problemas em debate: uma conjuntural, a especulação contra o real; e outra estrutural, contida na possibilidade de desindustrialização do país.



Com referência ao movimento especulativo contra o Real, este decorre do fato do país estar recebendo em função da grande liquidez internacional uma volumosa soma de investimentos estrangeiros de curtíssimo prazo ou especulativos, em operações que seguem o seguinte curso: empréstimos são feitos a juros baixos em moeda forte, que depois são trocadas por Reais; o governo então “esteriliza” todos estes Reais que entram, trocando-os por títulos do Tesouro Nacional a uma taxa de juros de cerca do dobro da conseguida no empréstimo inicial em moeda forte, a fim de evitar uma maior valorização cambial. Isso não tem impedido forte valorização do Real, produzindo um ataque especulativo da moeda nacional pelo reverso, pela sobrevalorização e não pela desvalorização. Diante disso, os temores que se manifestam decorrem da inexistência no Brasil de qualquer controle sobre o movimento de capitais, podendo assim o país estar sujeito a uma crise cambial derivada de um abalo financeiro no exterior.



 Quanto à discussão sobre a possibilidade ou mesmo a concretização de um processo de desindustrialização do país, este tema tem ocupado grandes espaços nos debates de idéias, quer nos órgãos de governo quer nos meios acadêmicos. Além das várias opiniões sobre o tema, destaca-se a do economista chileno Gabriel Palma, professor de Cambridge, estudioso dos problemas brasileiros. Ele afirma que a política monetária aplicada no Brasil (‘suicida’) está “destruindo” a indústria nacional, configurando um caso típico de desindustrialização precoce. As mudanças até aqui operadas para reverter esse rumo ele classifica de tímidas e lentas. Faz comparações tanto do Brasil atual como de sua história recente, demonstrando que nos anos 70, um terço do PIB brasileiro provinha da indústria manufatureira. Hoje não chega a 20%. Sua análise comparativa compreende também a relação entre países assemelhados, destacando-se o dado de que em 1980 a produção manufatureira do Brasil equivalia à soma de China e da Índia, enquanto hoje a produção brasileira situa-se em 1/8 da soma da produção manufatureira daqueles dois países.


 


A perspectiva atual


 


O rumo que tomará o Brasil, partindo do início deste 2º governo Lula, é assinalado pelo próprio presidente Lula em recente entrevista (Jornal Valor Econômico) que procura sondar seu pensamento. Lula diz crer “que o Brasil encontrou um caminho a ser seguido de forma definitiva”: inflação sob controle, crescimento do mercado interno, grande ênfase no problema das relações comerciais: balança comercial crescendo nos dois sentidos e reforço do comércio entre os países pobres e emergentes. Diz que continua “com minha cabeça voltada para a integração da América do Sul” e que o Brasil “quer conquistar um espaço na economia mundial como país rico, não pode ficar dependente de uma única fonte fornecedora de energia”. Parece colocar a idéia de uma política industrial mais efetiva. Enfatiza a importância do PAC. Defende a reforma trabalhista e da previdência (que pode ser para uma nova geração).



 O horizonte político do presidente Lula — nessa recente entrevista — parece que não vai muito além disto. De certa forma, suas idéias consistem em arrumar o capitalismo brasileiro, defender a ampliação da democracia, dar mais competitividade às empresas brasileiras, lutar pela integração do continente, projetar o país no cenário internacional defendendo os interesses da nação; procurar enfrentar os problemas sociais mais urgentes. Tudo isso sem desagradar ou constranger ninguém, “sem mágicas” nem “milagres”. O governo tenta pequenas reformas, através dos PACs, do acesso mais amplo ao crédito, da tentativa de nova política industrial, da definição de uma política de valorização real do salário mínimo, mas está sempre sob pressão dominante das reformas de cunho neoliberal.



Em suma, transparece na ação do governo uma forma de ortodoxia macroeconômica predominante, conjugado com um reformismo progressista mitigado, resposta aos problemas sociais mais prementes e ampliação da democracia. De um lado parece ainda haver espaço para este tipo de projeto se desenvolver, ou seja, ele não está ainda esgotado considerando-se o nível atual da batalha política; no entanto, seus limites serão expostos pelas contradições inconciliáveis do sistema, pela ação da própria oligarquia financeira (e seus representantes políticos) que não abre mão de nenhum de seus privilégios. E os problemas sociais são muito agudos e cumulativos, revelando com insistência, cotidianamente, o verdadeiro conteúdo do capitalismo brasileiro.



A discussão e a luta pelo rumo do Brasil tornam-se ainda mais acirradas e candentes. O novo ciclo aberto com a ascensão de Lula à presidência da República permitiu objetiva e subjetivamente o desenrolar do curso de uma luta política em nível mais avançado na busca de um novo destino para o país. Por isso que, a volta ao centro do poder das forças conservadoras “modernas” ou tradicionais seria um pesado retrocesso ao nível da batalha política alcançado, propício ao avanço das forças democráticas e progressistas. Do ponto de vista do PCdoB, por sua compreensão estratégica e programática, a luta por novo projeto de desenvolvimento nacional — que abra caminho a um poder de base democrático-popular, que aprofunde a democracia, exerça plenamente a soberania, reduza as desigualdades e alcance as condições de um país socialmente mais justo — não se limita ao horizonte de projeto de país que prevalece hoje no governo.



Em virtude da nossa concepção teórica e política e compromissos com os trabalhadores e aliados, lutamos para ir adiante procurando estender nosso horizonte político. Por isso, chegamos à compreensão, em consonância com o nível da luta política atual, com as condições impostas pela época histórica, que uma nova luta por uma sociedade que supere política, econômica e socialmente a sociedade capitalista – o socialismo – requer um período relativamente prolongado de acumulação estratégica de forças, políticas e orgânicas, de resistência persistente ao sistema dominante imperialista e neoliberal.



Nessa linha de resistência constante e acumulação estratégica, nas condições atuais, tendo em vista o nível da correlação de forças, deve assumir o centro de nossa atenção o impulso para que o governo ultrapasse seus limites impostos pelo diktat dos grandes círculos financeiros. Para isso, é preciso reunir as forças políticas avançadas, fortalecendo o Bloco de Esquerda e se aproximando dos setores democráticos conseqüentes do PT, PMDB e demais aliados. È preciso persistir em reforçar e ampliar os laços com o movimento social e as camadas pobres do povo.



 O avanço democrático e popular do segundo governo Lula é essencial para o seu êxito e a unidade das forças de centro-esquerda, que não podem se dividir ou se dispersar para enfrentar as forças da oposição conservadora, que se sentem confiantes em uma vitória no embate eleitoral nacional de 2010, desta feita, sem uma disputa direta com Lula. Seria um grande revês para o nosso lado, à volta e a revanche das forças conservadoras, alijadas do centro do poder desde começo de 2003, mesmo com as limitações do período Lula, porque isso acontecendo, seria truncado o atual ciclo político, mais favorável ao curso da acumulação de forças das correntes democráticas, progressistas e revolucionárias.



O presidente Lula tem afirmado que se empenhará decisivamente para garantir a definição e a vitória de seu sucessor. Na avaliação do Partido, deveria ser uma exigência política a escolha de um candidato à altura de sustentar e elevar a experiência aberta por Lula a um patamar investido de rumo político mais avançado, capaz de responder a maiores exigências populares e aos desafios da construção de um país mais democrático, soberano e de progresso social, em consonância e reciprocidade com os países vizinhos do Continente.


 


As tarefas políticas atuais


 


Neste momento, as tarefas políticas do Partido decorrem dessa realidade política tendo como base a síntese da linha de nossa orientação – papel mais afirmativo do Partido e tática ousada – que teve ampla receptividade em toda a militância, e considerando-se o desenvolvimento das Resoluções da 6ª reunião do Comitê Central de 10 de março de 2007. Compõem o quadro de tarefas políticas mais importantes: o esforço para sedimentação do Bloco de Esquerda, a persistência na luta por uma reforma política democrática, o reforço e a ampliação dos laços com o movimento social e a preparação do embate eleitoral de 2008. Essas tarefas devem ser articuladas na sua concretização, cabendo a centralidade à preparação do embate eleitoral do próximo ano, pela importância da tarefa e prazos impostergáveis fixados para o próximo pleito.


 


*Renato Rabelo é presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)