PC da África do Sul discute relações com governo

''Abriram-se, na tarde de quarta-feira (11), os trabalhos do 12º Congresso do South African Comunist Party (SACP). O clima geral do 12º Congresso é muito combativo. Isto é próprio da tradição de lutas deste povo e do SACP. Há uma incrível força militante,

''É pungente e tem uma força marcante. Saúdam as principais intervenções e são sempre acompanhadas pelos dirigentes no palco, com uma ginga muito característica. Nos intervalos fazem corso pelo salão, durante todo o tempo de intervalos. Terminam, invariavelmente, na mesa e plenário, pelo grito de guerra AMANDLA! (Poder, força!), ao que o plenário responde em uníssono NGAWETHU! (ao nosso povo!).



Uma experiência interessante foi instituir mesas de debate tratando da experiência da esquerda no mundo. A primeira, que foi a abertura oficial do Congresso, foi da América Latina. Falaram a um plenário de 1500 delegados, com todos os dirigentes partidários presentes, Fernando Remírez, Secretário de Relações Internacionais do PC de Cuba, Carolus Winner, Secretário de Relações Internacionais e deputado do parlamento latino-americano do PC da Venezuela, e Walter Sorrentino, pelo PC do Brasil, falando da experiência de nosso país, governo e partido. Todos foram alvo de muita atenção e se abriu para perguntas do plenário questionando ou pedindo mais esclarecimentos. Em geral, é grande o interesse quanto à perspectiva de caminhos mais avançados para o socialismo – uma indagação aguda, tendo em vista o lema deste Congresso que é “o caminho sul-africano para o socialismo”. Uma outra mesa, com representantes da África e Ásia ainda deverá ocorrer.


 


Há uma delegação internacional expressiva, de cerca de 30 países e muitos com mais de um partido. Destacam-se partidos comunistas de Cuba, Venezuela, Brasil e EUA, das Américas; partidos comunistas da China, Vietnã, o PC(M) da Índia e o do Japão, da Ásia; da Europa os mais numerosos: Refundação Comunista e Partido dos Comunistas, da Itália, PC da França, Portugal, Grécia, Alemanha, Grã-Bretanha, dos povos de Espanha, Catalunha, Finlândia, Belarus, Tchéquia, Rússia, Organização Basca, Chipre, novo partido comunista da Holanda, Partido do Trabalho da Bélgica e da Irlanda, Partido da Esquerda da Suécia; OLP da Palestina e PC do Iraque pelo Oriente Médio; e da África, representações políticas de Botswana, Swazilândia, Lesotho, Zimbabwe, Sudão, Zâmbia e Burma. Foi prestada uma homenagem – o prêmio Chris Hanni pela Paz (que foi um líder comunista do povo sul-africano assassinado pela reação) a Fidel Castro, tendo-o recebido e discursado Fernando Remírez em seu nome.


 


Antes do Informe Político dirigiu uma saudação ao Congresso o representante do CNA, o Congresso Nacional Africano, frente política de massas que dirige o governo e no seio da qual atua o SACP. Enviado pelo presidente do país Thabo Mbeki – que não compareceu – ele homenageou o SACP e os diversos líderes tombados na luta revolucionária nacional e democrática. Manifestou a esperança de que o SACP seguirá apoiando coerentemente “as vastas transformações que estão ocorrendo no país, na África e no mundo“. Isso tem um sentido muito simbólico, porquanto boa parte dos atuais desenvolvimentos políticos são atribuídos ao programa de 1962 do SACP, intitulado O caminho sul-africano para a liberdade, matriz que inspirou todo o CNA. Utilizando as próprias palavras do SACP, o CNA manifestou a expectativa de que SACP siga atuando dentro do CNA para cumprir o programa de libertação nacional, como caminho mais adequado para alcançar o socialismo, “para além de vias sectárias”, isolacionistas. Como se vê, também, há algum tipo de contraponto com a nova consigna histórica dos comunistas, O caminho sul-africano para o socialismo.


 


O SACP é, assim, uma força política respeitável e respeitada no país. Tem fama de dizer aquilo que pensa e fazer o que diz. Assumiu enormes responsabilidades políticas no país, elegendo centenas de membros ao parlamento sob a legenda do CNA – Congresso Nacional Africano. Tem 4 cargos de nível ministerial (transporte, segurança pública, inteligência e de governo local). Tem mais um deputy minister de indústria e comércio além de um premier (governador local) numa das províncias do país. Busca atuar no cenário político com muita flexibilidade tática, possuidor de uma estratégia bem definida.


 


O Congresso se volta ao debate estratégico, como já foi referido. O centro é ocupado pela questão de constituir a hegemonia dos trabalhadores no poder de Estado, local de trabalho, comunidade etc.  O informe político do 1º Secretário Geral, Blade Nzimandi, foi muito combativo. Ele registra frontalmente as insuficiências, debilidades e desvios do atual governo – no que é aplaudido fortemente. Faz críticas públicas à política econômica: a excessiva fixação do governo na macroeconomia – ortodoxa –, em detrimento de uma política industrial estratégica para o desenvolvimento soberano e da microeconomia – para melhorar a vida das pessoas e não propriamente baixar o custo dos negócios. Outra crítica forte é à tentativa de proibir o direito de greve dos servidores públicos.


 


Nzimandi reconhece necessário, entretanto, partir dos êxitos alcançados. Afirma ser necessária uma mais forte direção dos trabalhadores, hegemonia a ser conquistada na luta. Posteriormente, tanto Nzimandi, quanto o 2º Secretário Jeremi Cronin e o principal dirigente da COSATU – Central Sindical – que também é comunista, fizeram discursos centrais nos debates. No alvo, a relação governo, partido e CNA. Em síntese, eles afirmam que se não existisse um CNA seria preciso criá-lo, o mesmo para o Partido Comunista. Porque se trata de superar um legado de décadas de colonialismo e apartheid. Reconhecem não ser razoável propor que o CNA seja socialista ou comunista, mas que uma luta precisa ser travada para fazê-lo avançar seu papel. Registram que na Conferência Política do CNA realizada dias atrás, se fizeram progressos em definições nevrálgicas, envolvendo o papel indutor de desenvolvimento por parte do Estado, a nacionalização do setor elétrico, a implantaação de uma indústria nevrálgica na área farmacêutica, na  avaliação crítica de medidas sociais, entre outras.


 


As múltiplas intervenções problematizaram de diferentes formas esses temas. Nzimandi chega a dizer: “Estamos cansados de atuar no CNA? O certo é perguntar o que fazer para desenvolver lá o poder dos trabalhadores. Temos responsabilidades de Partido no interior do CNA, vamos ver as nossas próprias debilidades e insuficiências para avançar esse papel”. E afirma: “O CNA não nos ouvirá se não formos capazes de ser mais ouvidos pela maioria dos trabalhadores“! O SACP seguirá atuando no CNA, “sem duplicar estruturas organizativas”, pois isso diminuiria na prática a participação das massas. E o SACP “não alienará seus princípios aos dos CNA”. Em algo talvez um tanto codificado, afirma que o SACP atuará no CNA com autonomia, independência e iniciativas próprias, sem especificar mais demoradamente a questão. O que é necessário, para Nzimandi, é que o próprio CNA mude, através da luta, no futuro, para um programa socialista (e não involua para uma “nova revolução capitalista“ no país). Enfim, o CNA é um terreno de disputa todavia, assim como o governo, para um Estado desenvolvimentista , com política industrial e social estratégicas, como a da reforma agrária. A força eleitoral do CNA ainda é imprescindível e é um caminho necessário para mobilizar politicamente as massas. Não seria possível, entretanto, querê-la socialista ou comunista.


 


Sobre o debate político mais tático, as grandes questões são as da relação entre CNA e governo, Partido e CNA, Partido e governo, a autonomia do Partido atuando nessas instâncias. Uma afirmação muito marcante é de que o CNA precisa se fazer dirigente do governo, e não o contrário, como de certo modo vem sucedendo. E quanto ao Partido, lembrando sempre que os mandatos de comunistas exercidos por intermédio do CNA devem ser considerados, de todo modo, mandatos de Partido, prestando contas ao Partido.


 


Uma questão aguda é se o SACP se apresentará com candidaturas independentes às eleições presidenciais. O Informe Político não avançou sinais, mantendo-se nos marcos genéricos do documento-base já reportados no artigo anterior: não é questão de princípio participar ou não de eleições. A questão é essencialmente política: o SACP tem direito a participar independentemente das eleições presidenciais de 2010, sem confundir isso com eleitoralismo ou com a idéia de que, vencendo eleições, se toma todo o poder. Tudo dependerá da evolução conjuntural até 2010, ano das próximas eleições, de cujos estudos cuidadosos o “Comitê Central está tratando”. Para começar os debates, pode ter sido pouco, visto a expectativa do plenário quanto ao assunto. Ao que tudo indica, uma resolução específica do Congresso deverá ser adotada sobre esse tema.
Os debates serão em plenário e também por grupos temáticos, até a conclusão e votação das resoluções. Estão previstos os temas partido e poder de Estado, economia, local de trabalho, comunidade, trabalho ideológico e trabalho de relações internacionais.


 



Uma observação corretiva.


Está imprecisa a informação do artigo anterior, quanto à independência da África do Sul em 1910.


 


Após a chegada dos holandeses no século 17, dando início à colonização e à formação dos afrikanders, a ocupação inglesa iniciou-se em 1795, com a tomada da cidade do Cabo como ponto estratégico para a defesa da rota marítima para o Oriente.



A colonização e controle britânicos da região determinaram o início do longo conflito entre africânderes e ingleses. Em 1836, a fim de escapar da dominação inglesa e de preservar seu modo de vida, boa parcela da população branca africânder deixou a região do Cabo rumo ao Norte, onde fundou o Orange Free State e o Transvaal (repúblicas independentes).



As relações entre estas duas repúblicas e o governo britânico sempre foram tensas. A descoberta de diamantes na região de Kimberley, em 1870, e a descoberta do então maior depósito de ouro do mundo em Witwatersrand, na região do Transvaal, (a origem da fundação da cidade de Johannesburg) em 1884, provocaram um influxo de imigrantes e investimentos europeus, na maioria, ingleses.


 


O choque de interesses entre boers e ingleses levaram a duas guerras, a primeira entre 1880 e 1881, e a segunda entre 1899 e 1902. As forças inglesas terminaram por prevalecer e as repúblicas foram incorporadas ao Império Britânico, sob a forma da União da África do Sul, com status de domínio, em 1910.


 


No decorrer dos anos 50 e 60, os movimentos de descolonização no continente e a crescente urbanização do país estimularam a ação dos grupos internos de resistência, dos quais se destacavam o ANC e o Congresso Pan-Africano (PAC). Em 1961, estes movimentos convocaram manifestações nacionais contra as leis dos passes e, em Sharpeville, a polícia reagiu, matando 69 manifestantes.


 


Após este evento emblemático, que envolveu 18 mil detenções e 5 mil processos, o ANC e o PAC caíram na ilegalidade. A opinião pública internacional se posicionou mais veementemente contra o apartheid. Neste contexto, ainda em 1960, criou-se, por meio de referendo, a República da África do Sul (RAS). No ano seguinte, o país desligou-se da Comunidade Britânica.



De Port Elizabeth
Walter Sorrentino