Alemanha: Novo partido de esquerda já agita cena política

Reportagem publicada neste domingo pela Folha de S.Paulo mostra que os grandes partidos alemães procuram articular alianças para combater ascensão da Linke. A nova agremiação herdou fatia do eleitorado da social-democracia, defende justiça soc

A esquerda está redesenhando o mapa partidário da Alemanha. Desde a sua criação oficial, há um mês, o partido Die Linke (A Esquerda) causa alvoroço entre líderes políticos do país, que já correm atrás de novas alianças num momento em que a coalizão governamental (os social-democratas do SPD e os conservadores do CDU e do CSU) dá sinais de desgaste.


 


O novo partido preocupa principalmente a formação de esquerda SPD, a mais antiga da Alemanha. “A Linke aproveita para preencher a lacuna deixada pelos social-democratas, que nos últimos anos se voltaram mais para a direita”, disse o cientista político Frank Decker, da Universidade de Bonn. “Só a força da Linke já é suficiente para alterar a constelação de partidos no país”, agregou Decker, que também é membro do SPD e autor de Manual dos Partidos Alemães.


 


De fato, a fórmula da Linke vem conquistando o eleitorado alemão, especialmente no ocidente. A última pesquisa de opinião do instituto Forsa deu 14% das intenções de voto ao partido, atrás apenas dos democratas cristãos (37%) e do SPD (estável em 24%).


 


É o maior índice de aprovação do partido desde as eleições legislativas de 2005, quando as duas formações que compõem a Linke haviam conquistado 8,7% dos votos e eleito 53 deputados. Na época, tornaram-se a quarta maior força partidária da Alemanha.


 


“Foi uma conquista muito expressiva”, disse Dietmar Bartsch, diretor financeiro da Linke. “Conseguimos espaço no oeste do país.” O peso eleitoral da antiga Alemanha Ocidental costuma ser dividido entre as grandes formações, especialmente o SPD.


 


Guinada à esquerda


 


O responsável pelo alarde da Linke na Alemanha é Oskar Lafontaine, de 64 anos, um dissidente do partido social-democrata. Desiludido com a formação, o ex-presidente do SPD e ex-ministro das Finanças do governo Gerhard Schröder (SPD) deixou o partido em 2005 por discordar do projeto de reforma econômica da Europa e da política de seguro-desemprego e assistência social.


 


Desde então, é visto como uma das vozes mais radicais da esquerda alemã. Lafontaine passou a integrar o WASG, abreviação de “Alternativa Eleitoral de Trabalho e Justiça Social”. No dia 16 de junho, o WASG e o Partido do Socialismo Democrático (PDS, ou Partido de Esquerda) oficializaram a fusão e se tornaram a Linke.


 


A intenção da Linke é “corrigir” o rumo da política alemã. “Precisamos de uma guinada à esquerda”, diz Bartsch. “O contraponto ao sistema econômico capitalista é o que a Linke chama de socialismo democrático”, escreveu Lafontaine no jornal conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung.


 


Para Lafontaine, uma “sociedade mais justa” passa pelo controle social de áreas-chave da economia. “Por razões ecológicas e sociais, a política energética deve ser subordinada ao controle da sociedade”, diz. Outras prioridades do partido são a retirada das tropas alemãs do Afeganistão e a abolição da aposentadoria aos 67 anos.


 


Divergências


 


A ascensão da Linke deverá levar a uma estrutura com força para desbancar os grandes em 2009, segundo os objetivos do partido. O desempenho atual aponta para a busca de coalizões tripartidárias, diz Frank Decker. “Mas esse tipo de governo nunca funcionou na prática aqui na Alemanha”, alerta. Outra alternativa seria uma coalizão de um partido grande com um menor. Daí o cortejo recente da CDU de Angela Merkel ao Partido Verde.


 


Mesmo que a parceria “vermelha” entre o SPD e a Linke venha se mostrando eficaz na Prefeitura de Berlim, os líderes do SPD excluem qualquer aliança no âmbito nacional. Em entrevista ao semanário Der Spiegel, o ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, disse que as aspirações da nova esquerda não dariam conta da responsabilidade internacional da Alemanha.


 


“Lafontaine promete levar o país de volta ao paraíso dos anos 70 e 80. Esse paraíso já não existe. Trata-se da postura ante a Alemanha Ocidental e da decorrente solidariedade. Não vejo como haveria cooperação nacional do SPD com a Linke”. Para Decker, o co-presidente do partido, Lothar Bisky, é mais moderado. “É nas eventuais divergências que reside a possível fraqueza da Linke”, diz.


 


Leia também: Congresso em Berlim funda Partido da Esquerda Alemã