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Maurício Thuswohl: “Carta aberta a Marco Aurélio Garcia”

Quero registrar que não entendo seu gesto como um desrespeito às vítimas e seus familiares. Ao contrário, acho que foi exatamente um gesto de indignação contra os abutres da direita.


 


por Maurício Thuswohl

Caro professor Marco Aurélio,


 



Conheci o senhor no final da década de oitenta, época em que eu atuava no movimento estudantil. Eu estudava e militava no Rio de Janeiro, o senhor vivia e trabalhava em São Paulo, mas já era consolidada entre os universitários de todo o país sua fama como ótimo professor e “quadro” do PT. Meu primeiro contato foi à distância, ouvindo suas intervenções sempre muito inteligentes e dotadas de fino raciocínio político nos debates organizados pela UNE, pela Uerj (onde estudei) ou pelo partido.


 


Tive minhas primeiras conversas diretas com o senhor em 1994, em algumas atividades realizadas pela candidatura a deputado estadual de um amigo comum, o grande jornalista Cid Benjamin, no Rio de Janeiro. Dois anos mais tarde, trabalhando eu também como jornalista, convivemos alguns dias em Lisboa, por ocasião do 1º Encontro de Núcleos do PT no Exterior, do qual o senhor participou como representante do Diretório Nacional do partido. Em ambas as oportunidades, minha admiração pelo senhor cresceu.


 


Eu que, me perdoe a sinceridade, nunca gostei muito da Articulação, tendência petista da qual o senhor faz parte, me acostumei ao longo dos últimos anos a ver em suas palavras e atuação um nicho de inteligência e honestidade política na nem sempre palatável direção petista. Nesse sentido, a sua presença ao lado de Lula no governo, a partir de 2003, sempre teve em mim um efeito tranqüilizador. Sempre o imaginei atuando no time dos bons conselheiros do presidente, impressão reforçada pelo seu não envolvimento nos delitos cometidos pelo Campo Majoritário petista.


 


Eu escrevo tudo isso para justificar a total solidariedade que quero prestar ao senhor nesse momento em que a mídia encastelada no poder e os demagogos da direita o querem transformar na mais nova vítima da “caça” a qualquer deslize de um membro do primeiro escalão deste governo que eles tanto detestam.


 


Seu gesto foi obsceno, professor. Trata-se de um gesto clássico. Mas, foi um gesto roubado por uma câmera indiscreta. Gesto que, tenho certeza, jamais seria cometido em público. Um amigo meu que trabalha na líder de audiência em Brasília me contou que os cinegrafistas são orientados a “prestar atenção para ver se tem alguma cortina aberta” nas principais salas do Palácio do Planalto. Devem, por orientação da chefia, estar atentos para flagrar eventuais movimentos comprometedores de figurões do governo. Isso também é obsceno.


 


Mais importante ainda, professor, quero registrar que não entendo seu gesto como um desrespeito às vítimas e seus familiares. Ao contrário, acho que foi exatamente um gesto de indignação contra os abutres da direita, nos partidos e na tevê, que, estes sim, pisam na memória das vítimas ao tentar usar o acidente para atingir politicamente o governo e o presidente Lula a qualquer custo. Em casa, ao ver a notícia dada pelo Jornal Nacional de que o avião da TAM estava operando com um reversor desligado, eu não fiz o mesmo gesto que o senhor, mas proferi uma frase que teve o mesmo significado e que foi dirigido aos mesmos alvos. E tenho, no entanto, profundo respeito pela dor dos familiares das vítimas dessa desgraça.


 


A pressa de alguns setores em culpar o governo pelo desastre também foi obscena, professor. O jornal de maior circulação no Rio estampou “as autoridades debocham… e a gente chora”, com uma foto de arquivo da ministra Marta Suplicy dando uma gargalhada. Outro jornal publicou uma charge na qual, em alusão aos Jogos Panamericanos, o presidente Lula pendura uma medalha de ouro no pescoço da morte. Um colunista de um jornal de grande circulação em São Paulo escreveu “relaxa e morre”. Foi feia a coisa.


 


Encerro por aqui esta carta, professor, afirmando que este episódio de espionagem de sua vida privada serviu para realimentar minha confiança no senhor. É bom ter no governo alguém que, pelo visto, ainda sabe com clareza quem é o inimigo e quais são as forças contrárias à construção de um Brasil menos desigual. O senhor precisa conversar mais com o seu amigo Lula.


 


Cordialmente,
Maurício


 


*Maurício Thuswohl é editor de Meio Ambiente e correspondente da Carta Maior no Rio de Janeiro.


 


Fonte: Carta Maior