Os Mercadores de Congonhas

Por Valton de Miranda Leitão


A chamada crise aérea oferece oportunidade para uma reflexão sobre o modo como a imprensa trata a sociedade brasileira. É preciso notar, de antemão, que os meios de comunicação mundiais, com o extraordinário avanço

O apelo ao mascaramento e à ilusão é parte do binômio mercado-publicidade cujas emanações ingressam no inconsciente coletivo, fazendo-o estancar ao nível da produção emocional-imagética e impedindo o desenvolvimento do pensamento crítico. Surge então a perversa combinação do fetichismo mercantil com a afanosa busca de fetiches estimulados no interior da mentalidade social.


         


A digressão é para dizer que o trágico acidente com o avião da TAM é objeto ao mesmo tempo de gigantesca manipulação político-midiática, como igualmente de publicidade escandalosa da própria imprensa. Assim, para “vender imagens” que ao mesmo tempo atinjam determinado objetivo político é preciso “fabricar o escândalo maior”. A camuflagem sobre a verdade histórica dos fatos envolvendo o conjunto do mercado capitalista, que fica então inteiramente blindado para a compreensão da sociedade, infiltra na consciência social a sua “versão-verdade”. É preciso, ato contínuo, “des-pistar” a capacidade crítica do cidadão, enquanto se atribui total responsabilidade à incompetência dos pilotos. O mercado protegido não é objeto de exame, pois as falhas mecânicas dos aviões podem esperar por conserto por dez dias ou um mês enquanto ao cidadão é vedado o direito de questionar se o equipamento tem ou não algum defeito.


        


Os sucessivos governos desde a ditadura militar, passando por FHC ao atual, entraram num conluio através da ANAC com o mercado, servindo aos objetivos de mascaramento da responsabilidade dos empresários do setor aéreo. Isso se agravou, intensamente, depois que a desregulamentação do sistema promovida pelo mercado neoliberal substitui aviões de porte médio por grandes aeronaves-navio, fazendo com que pessoal e equipamento trabalhem no limite máximo. O dinheiro-lucro mais do que qualquer consideração humana de segurança passou a ser o objetivo do sistema inserido na mundialização capitalista. O aeroporto de Congonhas, nestas circunstâncias, não é operativo nem para um Neanderthal, mas para os empresários do setor é plenamente compatível, porque está no centro pulsátil do capitalismo brasileiro.


        


Os setenta itens, que serão investigados nas minuciosas perquirições, servirão ao final e ao cabo para encobrir as mazelas dos fabricantes de aviões com seus aliados incondicionais na comercialização, que tentam dissimular as constantes panes que afetariam as vendas e os lucros. A mídia, que participa deste processo de falsificações, embora não possa ser reduzida como totalidade ao daimonismo, tem a sua caixa preta cujo conteúdo é fácil de decifrar, pois se chama “monopólio da informação”. Dessa forma, a pauta do pensamento social brasileiro passa a ser instrumentalizada pela comunicação eletrônica, como diria Habermas, enquanto a ação comunicativa ao nível do discurso-linguagem democrático é substituída pela fala da minoria midiática.


 


A ética pública é assumida como setor de exclusiva competência da imprensa monopolista-conservadora. Nessa perspectiva, não se compreende bem por que ataca tanto o governo Lula, pois este não representa perigo nem para o grande capital nem para a mídia. Assim, seria impensável que Lula fizesse o que Chavez fez com total justiça na Venezuela ao não renovar a concessão do canal golpista de televisão. Por isso, fica para os decifradores de códigos procurar os setenta e um motivos pelos quais a imprensa ampliou as vaias ao presidente no Maracanã, induzindo na população do Rio de Janeiro um comportamento deselegante e anti-esportivo durante a realização dos Jogos Panamericanos. A mídia aparentemente tão charmosa aparece como grande aliada da barbárie.