20 anos sem Drummond

Em 17 de agosto de 1987, os azares típicos do mês pesaram sobre os ombros do poeta Carlos Drummond de Andrade. Ele não pôde com a morte da filha Maria Julieta e, aos 84 anos, foi ser gauche na eternidade.

Autor de obras-primas como Brejo das almas (1934), Sentimento do mundo (1940), A rosa do povo (1945), Fazendeiro do ar (1954), Boitempo (1968) e As impurezas do branco (1973), o poeta, contista e cronista mineiro, Carlos Drummond de Andrade, delineou em seus versos o sentimento do mundo.


 


Foram mais de 30 livros, sem contar as antologias poéticas, edições de poesia reunida, livros infantis e de prosa. No imaginário brasileiro, a figura que ficou mais difundida e até folclórica de Drummond foi do homem tímido, sisudo, grave, por trás dos óculos. 


 


Há exatos vinte anos, a morte emendou a gramática. Morreram Carlos Drummond de Andrade. Não era um só. Ele era muitos. Poeta, contista, cronista. Funcionário público. Cidadão de Itabira do Mato Dentro. Homem do mundo. Por trás dos óculos. Célebre. De pobres e miúdos acontecimentos. Gauche. Triste, orgulhoso: de ferro. Filho de burgueses. Fazendeiro do ar. Só não era poeta de mundo caduco. No imaginário brasileiro, a figura que ficou mais difundida – e até folclórica – foi do homem sério, formal, tímido, sisudo. Mas disso sua poesia nada tinha. Os versos de Drummond exploraram o sentimento do mundo. O cotidiano, o social, o político, as coisas, a memória, a infância, o presente, o corpo, o amor. As crônicas revelaram o homem brincalhão, malicioso, apreciador das belezas do Rio de Janeiro e das “moças em flor”. Muitas eram as faces de Drummond. Mas, hoje, o que ficou?


 


Dizia o poeta que “de tudo fica um pouco/ Da ponte bombardeada,/ de duas folhas de grama,/ do maço – vazio – de cigarros,/ ficou um pouco”. De Drummond, ficou um muito. Centenas de poemas em mais de 30 livros, sem contar as antologias poéticas, edições de poesia reunida, livros infantis e de prosa. Um legado de conhecimento sobre o indivíduo, a terra natal, a família, amigos, o choque social, o conhecimento amoroso, a própria poesia, o lúdico e a existência; seus pontos de partida conforme o próprio poeta pontuou em sua antologia poética. Para o escritor mineiro e professor aposentado da Universidade Federal Fluminense, Silviano Santiago, ainda não é possível avaliar plenamente a contribuição deixada por Drummond pela Literatura Brasileira. “Os poetas de grande estatura crescem com o correr dos anos. Mais e mais nos damos conta de facetas novas, ou das possibilidades de outras e mais complexas abordagens”, acredita o escritor, que, entre outros estudos da obra drummondiana, organizou o livro Carlos & Mário (Bem-te-Vi, 2003), com 161 cartas trocadas entre Carlos Drummond de Andrade e o amigo ilustre Mário de Andrade.


 


Para o crítico literário e ensaísta, André Seffrin, que prefaciou a mais nova edição de Boitempo (Record, 2006), a herança de Drummond permanece fortíssima e crescente. “É impressionante o magnetismo que sua obra ainda (e acredito que por muito tempo será assim) exerce sobre a nossa melhor literatura”, diz. Segundo o crítico, há poetas e prosadores importantes e atuantes, em cujas obras Drummond está mais que presente. “Isso porque Drummond é um ícone da poesia brasileira, a exemplo de Gonçalves Dias, Cruz e Sousa, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, Manuel Bandeira. Como todos eles, Drummond está na ordem do dia, aqui e agora”,  apontando A Paixão Medida (1980) como última grande obra de Drummond. “Nenhum poeta tem a obrigação de ser grande o tempo todo”, acredita.


 


Para a escritora e professora de Teoria da Literatura e Literatura Comparada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Maria Esther Maciel, o resultado é restrito a jovens escritores cariocas e não muito representativo. “É claro que as referências hoje são muito diversas, claro que não tem uma hegemonia. Mas a influência de Drummond em Minas é muito evidente. Há dois anos, aqui em Minas, o escritor Carlos Herculano Lopes escreveu o romance O Vestido, inspirado no Caso do Vestido do Drummonmd, que acabou virando um filme”, conta.


 


Segundo a professora, Drummond hoje ocupa um lugar canônico, ao lado de outros como, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira e Murilo Mendes. “Agora há uma certa necessidade na poesia contemporânea de buscar alternativas ao cânone, de alguma forma “matar” os grandes pais literários para poder construir alguma outra coisa”, garante. Para Silviano Santiago, três vezes vencedor do Prêmio Jabuti, é sempre complicado e perigoso tirar conclusões a partir de dados quantitativos em arte e literatura. “No item influência declarada, há, portanto, que confiar desconfiando”, diz. Fica a sugestão do escritor: “Leia a obra dos autores consultados pelo suplemento literário e você verá que aqui e ali se notará um babado drummondiano”.



Há quem diga que a fama de tímido era muito mais uma tática de defesa pessoal do que traço de personalidade em Drummond. “Os amigos deles contam que ele era uma pessoa brincalhona e chegava até a passar trotes por telefone. Ele teve uma grande habilidade de criar essa personalidade pública de protegê-lo. É como essa timidez do Chico Buarque (de Hollanda). Acho que é invenção para enganar os repórteres. Ele não queria era se expor”, conta em entrevista por telefone o jornalista Geneton Moraes Neto, a quem Drummond concedeu sua última entrevista 17 dias antes de morrer, por telefone, em duas longas sessões.


 


Segundo amigos, ele era um ser “eminentemente telefônico” e o então repórter soube bem aproveitar isso. “Quanto mais próximo fisicamente, mais distante ele ficava de você e quanto mais telefônica a relação fosse mais próxima era”, garante Geneton. Sem grandes declarações grandiloquentes sobre a vida, a arte e a eternidade, o poeta se mostrou despido de vaidade ou orgulho. Acreditava ser um “homem comum”. “Minha vida? Acho que foi pouco interessante. O que é que eu fui? Fui um burocrata, um jornalista burocratizado. Não tive nenhum lance importante na minha vida. Nunca exerci um cargo que me permitisse tomar uma grande decisão política ou social ou econômica. Nunca nenhum destino ficou dependendo da minha vida ou do meu comportamento ou da minha atitude”, disse o poeta.


 


Na entrevista, confessou que tinha um único e prosaico medo, o de escorregar e quebrar o fêmur. Tinha também uma íntima esperança: queria ver a filha única, a escritora Maria Julieta, recuperada da doença. Segundo o jornalista, Drummond era um “um homem desiludido com o mundo. Agnóstico. Confessadamente solitário. Cético diante da posteridade. Injustamente rigoroso no julgamento da obra que produziu. Para todos os efeitos, Drummond considerava-se apenas o pacífico mineiro de Itabira portador da carteira de identidade no 803.412. E só”. O material de mais de 60 páginas datilografadas foi posteriormente publicado no livro O Dossiê Drummond. Nele, o poeta insiste que seria esquecido em breve. “Drummond era um grande poeta e um péssimo profeta”, brinca.


 


 


Lição de Coisas


 


Para a especialista em literatura brasileira e autora do livro Drummond: a Magia Lúcida, Marlene de Castro Correia, a obra do poeta gauche tanscende tempo e espaço



 
Marlene, querida:
Depois de ''Tragédia e Ironia em Os Bens e o Sangue'', de alto nível interpretativo, essa aula maravilhosa de ''apresentação'' para o vestibular, que me traz uma segunda e perfeita alegria. Como agradecer tudo isto. Nem sei. Até saber, vai o abraço do menino antigo e seu afetuoso admirador.
Carlos Drummond



A dedicatória o poeta escreveu no livro O Menino Antigo, sua publicação de 1973. A destinatária recebeu a encomenda na portaria de casa na capital carioca. Hoje, 34 anos depois, a professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marlene de Castro Correia, mantém o sincero agradecimento do poeta entre outros guardados, no apartamnto onde vive na Conselheiro Lafaite, em Copacabana, mesma rua onde morou o poeta. À época, a professora acabara de publicar um segundo estudo de apresentação da obra de Drummond intitulado Literatura para o Vestibular Unificado. O primeiro fora Tragédia e Ironia em Os Bens e o sangue, publicado na revista Littera, em homenagem aos 70 anos de Drummond, em 1972. Desde então, a professora passou a se dedicar, entre outros trabalhos, à pesquisa em torno da obra de Carlos Drummond de Andrade. Teve a felicidade de ver muitos de seus ensaios acompanhados e avalizados pelo próprio poeta.


 


Admiradora confessa dos versos drummondianos, Marlene nem lembra como nasceu a paixão pela obra do poeta. ''Nem sei, mas, com certeza, começou na adolescência. Na adolescência, eu lia adoidado. Lia o que me caia às mãos. Aos 18 anos, quando entrei na faculdade, já conhecia e já tinha paixão por Drummond'', conta a professora, em uma das conversas, por telefone. A seguinte entrevista Marlene – que não usa e-mail – respondeu a mão, em folha de papel, enviada por fax. ''Eu não gosto de falar de improviso'', justificou. Diante das questões sugeridas, a autora de ''Drummond: a magia lúcida'' (Jorge Zahar Editor, 2002) dá aquilo que sabe fazer de melhor: analisar a obra do poeta gauche.


 


 


Vinte anos depois da morte de Drummond, como a senhora analisa o legado deixado por ele? Quais as contribuições de Drummond para a Literatura Brasileira?


 



No poema Legado, o próprio Drummond faz indagação semelhante: ''Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?''. Várias vezes recorri a esses versos como mote inicial para uma reflexão sobre as contribuições do poeta à nossa literatura e cultura. E constatei que poderia glosar esse mote-pergunta, ou seja, desenvolver minha reflexão sob perspectivas distintas, percorrendo trilhas diversas, tantas são as faces do legado drummondiano. Partindo do conceito de modernidade de Walter Benjamin como experiência de choque, eu diria que Drummond nos lega uma poesia da mais radical modernidade. Isso porque a leitura de sua obra é marcada pela tensão e inquietação, é permeada de choques e surpresas, em função da própria fatura de seus poemas, que se peculiarizam pela tensão dissonante, pela contundente dramaticidade, pela imprevisibilidade na combinatória de palavras e imagens. Leio o verso final de Legado, que responde à pergunta inicial com retomada da célebre imagem da ''pedra no meio do caminho'', como metáfora da dinâmica de composição de Drummond e da forma pela qual o público se relaciona com seus poemas. Outro legado precioso é a dimensão filosófica, existencial e metafórica que ele confere aos temas, tanto os tradicionais (o amor, a família, a terra natal), quanto os introduzidos pela modernidade, dimensão essa não muito usual na poesia brasileira. Considero ainda um legado importante o caráter contestador da civilização burguesa (ou mesmo da civilização sem mais) de sua poesia, que recorrentemente faz do humor a sua arma privilegiada para desafiar valores estabelecidos, demolir crenças e mitos, questionar a moral instituída, transgredir tabus. Drummond não deixou pedra sobre pedra no muro da cultura judaico cristã.


 


 


A senhora acredita que ele continua a influenciar outros poetas? Quem são os drummondianos de hoje?


 



Se Drummond continua a influenciar? Quem dera! Agora a sério: eu poderia dizer que a poesia dele é tão enraizada em sua própria e intransferível experiência interior, é tão multifacetada e complexa, é sobretudo tão avessa a fórmulas e fôrmas (com o antigo acento circunflexo), que dificulta o surgimento de epígonos. Não vejo drummondianos hoje. Mas vejo poetas de gerações bem posteriores à dele que expressam em seus versos admiração e devoção por sua obra. Não citarei vivo e sim o falecido Waly Salomão, que diz: ''Reler Drummond pela milionésima vez é uma aventura adâmica, um convite renovado ao espanto e à surpresa''.


 


 


Muitos dos versos de Drummond adquiriram vida própria, como o famoso E agora, José?. Onde mais podemos encontrar Drummond no coletivo brasileiro de hoje?


 


Outros versos do poeta igualmente ganharam vida autônoma. É o caso particularmente de ''Tinha uma pedra no meio do caminho'', que penetrou nos mais variados tipos de discurso (holístico, jornalístico, esportivo etc), transformando-se em propriedade coletiva. De tal modo andou de boca em boca que forneceu a Drummond o material para o livro Uma pedra no meio do caminho, biografia de um poema, no qual ele coligiu um vasto elenco de apropriações desse verso que tanto escândalo provocou. Outro que anda na boca de todos é ''seria uma rima, não seria uma solução'', ora citado sozinho, ora emparelhado com o verso anterior ou ao menos uma alusão ao nome Raimundo. Creio que ''João amava Teresa que amava Raimundo'', quer reproduzido literalmente, quer evocado apenas na sua estrutura da dança ''Quadrilha'', com outros nomes próprios, criou asas e voou pelo Brasil afora.


 


 


O que Drummond tem a dizer hoje aos brasileiros?


 


Não creio que ele tenha algo específico a dizer aos brasileiros de hoje. Ele é um poeta efetivamente universal, e o alcance de sua obra transcende espaço e tempo. Drummond tem muitíssimo a dizer a todos os homens ontem, hoje e amanhã: ele lhes faz um convite à viagem do conhecimento de si mesmos e do outro, viagem ora dolorosa, ora eufórica, ora cheia de graça e humor… Ele investiga o leitor a pensar o mundo e as questões essenciais do ser humano. E tudo isso numa linguagem de extraordinária intensidade poética.


 


 


A imagem mais difundida e até certo ponto folclórica de Drummond é de homem sério, tímido, formal, sisudo. Que outras faces tinha Drummond na vida e na obra?


 


Drummond assume múltiplas faces, em decorrência da pluralidade de registros de sua fala poética, na qual convivem o registro patético e o humorístico, o lírico e o pretensamente neutro, o nobre e o coloquial. Ao homem talvez, mas não ao poeta, aplicam-se os termos formal e sisudo, nem sério propriamente. Grave, sim. Drummond fala de si mesmo como ''poeta de uma poesia que se furta e se expande''. O movimento de retração – o ''furtar-se'' – costuma ser associado à timidez, prefiro associá-lo a pudor, a discrição. Há ainda a tão citada face do gauche, frequentemente representada com traços humorísticos. Quanto a outras faces na vida só quem privou de intimidade dele poderia dar algum testemunho, levando-se em conta, porém, que as crônicas publicadas em jormal, por seu imediatismo de produção e por tratarem de fatos do dia-a-dia, estariam mais diretamente relacionadas com a vida e com o homem, poderíamos deduzir que o cronista brincalhão, malicioso, afeito ao jogo de duplo sentido e atento à beleza da paisagem do Rio e das ''moças em flor'', refletiria faces do sujeito real. Faces estas, claro, que estão presentes também na poesia, como o poema Canção para álbum de moça.


 


 


E a faceta erótica. Que lugar tem dentro da obra?


 


A marca dos poemas eróticos reunidos no livro Amor Natural, que lhe confere um lugar à parte no conjunto da obra do autor, é o uso reiterado de palavras tabus e a representação nua e crua, seus véus de metáforas ou disfarces eufemísticos, de práticas sexuais que o moralismo hipócrita finge desconhecer. Versos esparsos do ''outro'' Drummond ajudam a situar a questão. Por exemplo, no poema Pacto, ele desconstrói a série analógica ''corpo-serpente-pecado'' referendada pela cultura judaico cristão, substituindo-a pela analogia ''alma-víbora'', proposta nestes versos: ''E o que ele aprendeu do corpo/ sem alma, porque toda a alma/ como uma víbora calma/ coleia na pele do rosto?''. Em Elegia 1938 diz o poeta: ''A literatura estragou tuas melhores horas de amor''. Tomando neste contexto a palavra ''literatura'' em sentido lato, o livro Amor Natural resgata a relação erótica da complexidade, ''complicação'' e problematização – ou seja, da ''literatura'' – criada pela ''angústia''. Amor Natural desproblematiza o tema do amor e põe em cena um casal inaugural Adão e Eva antes de comerem o fruto da árvore do Conhecimento. Aí reside o interesse do livro, nessa oposição Natureza verus Cultura implícito no título está o seu lugar.


 


 


Há algum trabalho menos conhecido ao qual a senhora dê bastante importância?


 


Sim. É o livro de Hélcio Martins, publicado postumamente em 1968, quando o estrututuralismo, então em plena voga, ditava as regras. Ele não teve então a ressonância merecida, talvez porque o seu arcabouço teórico filia-se a estilística de Leo-Sptizer. O próprio Drummond, ao telefone comigo, lamentou a pouca repercussão do livro, pelo qual tinha grande apreço, dizendo-me que ele lhe revelara aspectos de sua linguagem dos quais não havia tido até então consciência plena, graças à tenacidade e empenho do escritor e acadêmico Ivan Junqueira, que sempre teve o livro em altíssima conta, ele foi reeditado em 2005 com o título A rima na poesia de Carlos Drummond de Andrade e outros ensaios em co-edição da Academia Brasileira de Letras e a Top Books, com prefácio do Ivan.


 


 


Tudo já foi dito sobre o poeta?


 


Não. Toda grande poesia é uma mina inesgotável.


 


 


Que conselhos a senhora daria a quem quer começar a ler Drummond?


 


Quem quer ler Drummond e tem sensibilidade para poesia não precisa de conselhos… Basta a atitude de receptividade e disponibilidade do leitor; o resto, que é tudo, deixo por conta do poeta e do poder de sua linguagem para conquistar e comover.


 


 


Só para terminar, em Mundo Grande, Drummond diz que em seu coração não cabem nem as suas dores. ''Por isso me dispo, por isso me grito'', escreve ele. Ao final pontua: ''Meu coração cresce 10 metros e explode''. Diante dessa confissão, podemos dizer que era na poesia que o coração de Drummond explodia. Para a senhora, que tamanho tinha o coração de Drummond?


 


Essa imagem metaforiza o empenho do poeta em relativizar a hipertrofia de sua individualidade, que o fizera proclamar ''Mundo mundo vasto mundo,/ mais vasto é meu coração'', e abrir-se para o ''sentimento do mundo'' e do outro. Esse ''crescimento'' do coração implica a poetização de tragédias mundiais, como a expansão do nazi-fascismo e a Segunda Grande Guerra e os dramas pessoais de gente anônima nas ruas como se vê, por exemplo, em Morte do Leiteiro e Desaparecimento de Luisa Porto. Não tenho como avaliar, é claro, se era só na poesia que o coração de Drummond explodia… Mas seria bom lembrar que o poeta faleceu de problemas cardíacos doze dias depois da morte de sua filha Maria Julieta. Mas creio que ele tinha um coração imenso, sim. Basta ler o poema ''Mário de Andrade desce aos infernos'', no qual lamenta a morte do amigo em versos altamente pungentes. Se pensarmos na quantidade de poemas que escreveu sobre escritores e amigos mortos, podemos inferir que, como pessoa, tinha um grande coração. Eu mesma recebi provas de extrema generosidade, na avaliação de meus ensaios sobre sua obra, no oferecimento e dedicatória de livros de sua autoria, no empréstimo de obras difíceis de se encontrar.


 




*Marlene de Castro Correia, especialista em literatura brasileira, desde 1993 é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde leciona desde 1955. Tem artigos e ensaios publicados em periódicos e livros nacionais e estrangeiros sobre temas importantes da literatura brasileira, como Mário de Andrade, Manuel Bandeira e, claro, Drummond – seu tema mais constante. É também responsável pelos verbetes sobre Mário de Andrade, Macunaíma e Drummond do Diccionário Enciclopédico de las Letras de America Latina. Publicou Drummond: a magia lúcida, pela Jorge Zahar Editor, em 2002.


 


Fonte: Jornal O Povo