Entrevista de Lula repercute e gera especulações sobre 2010
A entrevista do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, publicada neste final de semana pelo conservador diário O Estado de S. Paulo, repercutiu no ambiente político e provocou uma série de declarações de lideranças partidárias e cientistas
Publicado 27/08/2007 21:19
Na entrevista, Lula afirmou que não pretende ser candidato em 2010 ''nem se o povo pedir'' e defendeu que os partidos da atual base aliada do governo construam uma candidatura única na corrida pelo Palácio do Planalto.
Para o cientista político Luiz Jorge Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (IUPERJ), a declaração de Lula é muito importante para o sistema democrático brasileiro. ''A política é um jogo de alternâncias. É saudável o presidente perceber isso'', declarou. Segundo Vianna, Lula será uma peça fundamental no jogo das próximas eleições presidenciais, enquanto seu partido, o PT, terá papel secundário.
''O PT ficou um partido pequeno perto dele. Aconteceu o mesmo com Getúlio Vargas e o PTB'', lembrou. Um dos sinais de que a distância entre o presidente e seu partido cresce a cada dia, para o pesquisador, é a defesa de Lula de uma candidatura única da atual base governista. ''Ele quer fazer um sucessor, e isso significa encontrar um candidato que reúna as forças que sustentaram o governo nos oito anos de mandato'', explicou.
A volta do escândalo do mensalão ao noticiário, com o julgamento da denúncia contra os 40 acusados no Supremo Tribunal Federal (STF), iniciado semana passada, não deve atrapalhar os planos do presidente de fazer um sucessor, avaliou Vianna. Porém, ajudam a deixar o PT, legenda duramente atingida pelas denúncias, ainda mais fragilizado e fora do centro das decisões.
''O PT está sofrendo e ainda vai sofrer muito com esse mensalão'', avaliou. Assim como Lula, o cientista político considera cedo para se falar em um nome de candidato para a base governista em 2010. Vianna afirmou, porém, que em sua opinião, o mais cotado hoje é o ministro da Defesa, Nelson Jobim, do PMDB. Mas, segundo ele, muita coisa ainda vai acontecer até lá, e 2008 será um ano importante em que as possibilidades vão se estreitar por causa do jogo em torno das eleições municipais.
Na entrevista, Lula citou o nome de Jobim e do deputado Ciro Gomes (PSB) como pessoas a serem ''observadas'' e considerou, sem citar nome, a possibilidade de uma mulher disputar, pela base do governo, a presidência da República em 2010. Sua ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, é uma das mulheres mais influentes na política brasileira.
CNI: candidatura única depende do PT
Já o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE) avalia que, apesar de possível, não será fácil para a base aliada do governo formar uma candidatura única à presidência da República. ''Não é fácil, mas acho que é possível. Isso dependerá principalmente do desprendimento do próprio PT'', disse o deputado.
Monteiro Neto, contudo, disse que não é fácil imaginar que o PT abra mão de uma candidatura própria, ''até pelo peso que tem o partido''. ''Mas, ao mesmo tempo, sabemos que o PT não tem hoje um quadro que se coloque como um candidato natural à presidência'', disse. O presidente da CNI disse que viu com naturalidade a declaração do presidente Lula de que não disputará a eleição presidencial em 2010. ''Sempre confiei que o presidente Lula respeitaria as regras, como ele sempre declarou'', disse.
Chinaglia: união difícil
O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), reforça esta percepção de que o hegemonismo petista pode atrapalhar os planos de uma candidatura única e forte em 2010.
Em declarações à imprensa nesta segunda-feira (27), Chinaglia afirmou que é muito cedo para falar na disputa presidencial, mas considerou muito difícil que os partidos da base estejam juntos em uma única candidatura à sucessão do presidente Lula. E também já setenciou que que, nas eleições municipais de 2008, cada partido deverá ter seu próprio candidato.
''O fato de os partidos estarem juntos no governo federal não quer dizer que abram mão da disputa. Isso não é automático e nem obrigatório'', afirmou Chinaglia, lembrando que os acordos entre os partidos poderão acontecer no segundo turno, realizado nas maiores cidades. ''É uma opinião do presidente que respeito, mas não avalio que será natural, que será fácil'', completou.
O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) é mais otimista e menos sectário que seu colega de partido. Cardozo avalia que a idéia de os partidos da base do governo terem uma candidatura única na disputa pela Presidência em 2010 ''é o caminho mais sensato a seguir''. Segundo ele, a costura dessa aliança em 2010 precisa começar já nas eleições municipais do ano que vem. Mas reconheceu que não será ''um processo fácil.'' Explicou: '' Até porque, na eleição do ano que vem, haverádisputas regionais difíceis de serem vencidas.''
Cardozo afirmou que o PT precisará ter a ''grandiosidade'' de abrir mão de lançar candidato próprio em 2010, caso outro partido da base aliada apresente um nome ''que corresponda às expectativas e que tenha mais chances de vitória''.
Opinião semelhante tem o presidente do PMDB, deputado Michel Temer (SP), líder do principal partido da coalização. Temer considera que os partidos devem buscar candidatura única, ''mas reconheço que não será fácil'', disse. ''A dificuldade, porém, não deve fazer com que desistamos de tentar, de sentar e conversar'', avaliou o peemedebista. ''A candidatura única seria muito útil para os costumes políticos'', acrescentou ele, que defendeu um número reduzido de candidatos ao Palácio do Planalto.
Serra: estarei com Aécio em 2010
Na oposição de direita, ''unidade'' também tem sido a palavra de ordem. Tanto que o governador de São Paulo, José Serra (PSDB) saiu hoje cantando loas às declarações do governador de Minas Gerais, o também tucano Aécio Neves, sobre a possibilidade de lançamento de sua candidatura à presidência da República em 2010.
Serra e Aécio aparecem como os principais candidatos da direita –e por enquanto adversários declarados dentro do próprio partido— à sucessão do presidente Lula. Na edição desta segunda da ''Folha de S.Paulo'', Aécio negou qualquer disputa com o paulista. ''Não vislumbro um cenário político no Brasil onde Serra e eu estaremos em lados opostos. Estaremos juntos nas próximas eleições'', disse o governador mineiro.
Serra disse que não leu a entrevista, mas comentou: ''Estamos de acordo sobre o essencial, de que vamos ambos estar juntos em 2010, no mesmo partido”.
O governador José Serra afirmou que ainda não é hora de falar em candidatura. ''Não, não. É muito cedo. Fui eleito para governar São Paulo e não para ser candidato a outra coisa. Vamos com calma, ainda falta muito tempo”, disse.
Ciro: política do café com leite
Único nome colocado até agora dentro da base do governo como candidato a presidente da República, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) avaliou que uma aliança entre os dois tucanos é improvável, mas possível de ocorrer. ''Eles estariam reunindo as mesmas forças que estavam reunidas antes da revolução de 30 (a chamada política do café-com-leite, quando São Paulo e Minas Gerais se revezavam no poder)'', afirmou, em entrevista ao lado do governador de Pernambuco e presidente do seu partido, Eduardo Campos. ''Dou valor a essas lições da história''.
Para Ciro, Aécio Neves tem um ''potencial eleitoral'' maior que o de José Serra. Pelas contas do socialista, Aécio, se for o candidato escolhido pelo PSDB, sairá com 75% dos votos de Minas Gerais, levará uma boa margem do Rio de Janeiro e, com José Serra candidato à reeleição em São Paulo, conseguirá ali seus 50% do eleitorado paulista. Além disso, terá algum espaço no Nordeste.
O mesmo cenário, calcula Ciro, não ocorrerá com Serra: o governador de São Paulo teria os votos do estado, mas, na avaliação do socialista, não conquistaria uma folga no Rio ou mesmo em Minas. E, de quebra, por ser paulista, dificilmente conseguiria ampliar a votação no Nordeste, a região que mais cresce no governo Lula. Segundo Ciro, para compensar um potencial favoritismo ''do outro lado'' é preciso, na sua avaliação, que, à época da eleição presidencial, o presidente Lula ''esteja pilotando um incontrastável sucesso'' e que a base aliada coloque a prevalência dos interesses nacionais acima de pretensões de poder. ''Todos os candidatos da coalizão do governo devem ter duas tarefas: a primeira é ajudar no que puder para que o presidente Lula chegue bem avaliado no período eleitoral. E a segunda é ponderar para que nossa unidade seja vista como premissa de uma possível vitória. Bom não é ser candidato. Bom é ganhar e garantir a continuidade das boas ações do governo'', diz.
FHC: esqueçam o que eu fiz
Outro tucano que resolveu opinar sobre 2010 foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele comentou a entrevista do presidente Lula. FHC ficou aliviado com a declaração de Lula de que não irá tentar um terceiro mandato. ''O mais importante (da entrevista), do ponto de vista político, é ele (LUla) afiançar que não entrará no canto da sereia. É a afirmação que não terá terceiro mandato'', comentou o ex-presidente. Sobre a declarção de Lula de que não será candidato ''nem se o povo pedir'', FHC comentou que ''não é o povo que vai pedir, é o PT''.
''A palavra dele foi peremptória, deve afastar a hipótese malsã de um terceiro mandato'', disse o tucano que, quando foi presidente, burlou a Constituição e comandou um esquema de compra de votos no parlamento para garantir o direito à própria reeleição.
FHC também atribuiu presunção às palavras de Lula. ''O tom arrogante não é apropriado para um presidente'', disse o tucano que, mais uma vez, parecia estar falando de si próprio, já que é considerado uma lideranças mais arrogantes da história política nacional. ''Quanto ao resto (da entrevista), é aquele tom habitual, tudo que foi ruim, que aconteceu no governo, não sabia de nada, e tudo que é bom foi ele quem começou, mesmo que de outros'', criticou. ''É bazófia do presidente. Auto-elogios, ele começou tudo, isso ele repete muito.'', concluiu o ressentido FHC, que deixou o governo com uma péssima avaliação e não conseguiu eleger Serra como seu sucessor.