Duas montagens revisitam Quixote, personagem mítico de Cervantes
Dois espetáculos e uma só fonte de inspiração. Em maio de 2002, uma comissão multinacional de críticos literários escolheu Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616), como a melhor obra de ficção de todos os tempos. Poi
Publicado 07/09/2007 21:28
Dom Quixote de Lugar Nenhum é montagem produzida e protagonizada por Edson Celulari, adaptação livre assinada por Ruy Guerra, e estréia hoje no Teatro do Shopping Frei Caneca. Com igual liberdade poética, a Cia. São Jorge de Variedades criou Santo Guerreiro e o Herói Desajustado, sua versão para o romance de Cervantes, que estréia na próxima sexta e será apresentada de graça na Praça da República.
A julgar pela leitura do texto de Ruy Guerra e pelo ensaio da montagem da Cia. São Jorge visto pelo Estado, há muitos pontos de união entre os espetáculos. Antes de mais nada, ambos são teatro musicado e se inspiram na cultura popular. Ruy Guerra adaptou a história para o sertão – e ritmos nordestinos, como o maracatu, se fazem presentes. As aventuras de Quixote viram samba na versão da Cia. São Jorge, cujas aventuras se passam na cidade de São Paulo e o cavaleiro da triste figura ouve versos de Cartola – preste atenção, o mundo é um moinho – ao ser derrotado por gigantes.
O humor também se faz presente em ambas as montagens. Por exemplo, as duas fazem graça com o Rocinante, o cavalo de Quixote. Na versão produzida por Celulari ele simplesmente fala, e é bem tagarela. Ele e Sancho vivem às turras e dessa rixa brota humor. Já no ensaio da Cia. São Jorge, na Praça Princesa Isabel, o público gargalhou ao ver o pangaré de Quixote ?interpretado? por André Ribolli que tira efeito cômico de sua extrema magreza.
Um coro ?grego? – que se espanta com o fato de ser grego – abre o espetáculo Dom Quixote de Lugar Nenhum, que tem entre seus corifeus um cego rabequeiro, vivido pelo ator Pedro Gracindo. Esse papel em O Herói Desajustado é feita por uma comissão de frente carnavalesca, que conclama o público a ?aprender a sonhar? e tem São Jorge como corifeu. Aliás, por uma coincidência que é reveladora das raízes populares desses espetáculos, o encontro entre o santo guerreiro e cavaleiro andante se dá nas duas versões.
Se as semelhanças são muitas, algumas diferenças chamam atenção. A montagem protagonizada por Celulari tem patrocínio de R$ 1,2 milhão, enquanto a São Jorge se produziu com R$ 150 mil do Programa (estadual) de Ação à Cultura (PAC). Enquanto o público terá de se arrumar para entrar no shopping e pagar R$ 80,00 para uma delas, a outra poderá ser vista na praça, de graça, e foi acompanhada com incrível atenção pelos curiosos, na manhã de terça-feira, na degradada Praça Princesa Isabel.
Tais disparidades não impedem a principal semelhança, invisível no palco, porque reside não no resultado final, mas no ponto de partida, no impulso criativo: a saudável ambição de fazer arte relevante. “Quando faço teatro quero falar coisas que sejam importantes”, diz Celulari. Não é outro o objetivo da São Jorge ao levar essa história de sonho e luta às ruas da cidade.
Não por coincidência, os artistas dessas duas produções, cada qual a seu jeito, se declaram Quixotes.. Como vem acontecendo com as pessoas há 400 anos, eles se identificam e se encantam com esse personagem que deseja lutar contra as injustiças, tem a capacidade de transformar a realidade com sua imaginação e admirável coragem de enfrentar gigantes.
Fonte: Agência Estado