Dossiê Farewell, ou como a CIA explodiu um gasoduto soviético
Um leitor me escreveu umas palavras amáveis a propósito de meu artigo da semana passada — “Anzol vermelho”. Se mostra cético ante a possibilidade de que um espião do FBI seja um burocrata que pode apertar um botão em seu escritório e inteirar-se tranqüila
Publicado 12/09/2007 11:41
Holywood nos educou com a idéia do espião aventureiro, o tipo duro e elegante que, à la Humphrey Bogart, entra sorrateiramente em lugares impossíves e troca tapas e socos, sem que seu chapéu se desarrume, com um tipo de etnia preferencialmente não caucasiana. Lamento contrariar o leitor.
Há já muito tempo — mais do que poderiamos imaginar — esse protótipo é só de celulóide. O espião americano em voga é um personagem anódino, pai de família ou, quem sabe, o amoroso dono de um gato amarelo.
Alguém que jamais correu risco algum porque apenas necessita passear com o mouse do computador pelo mouse-pad para contemplar nossas costas e relevos com uma perspectiva mais exata que as que poderia possuir uma frota invasora fundeada em nossa geografia.
Se a CIA decide infiltrar alguém em uma célula da al-Qaida, nas selvas colombianas ou em uma organização social, usa os serviços de uma empresa de mercenários — conhecidas pelo eufemismo de “terceirizadas” independentes. Barateia os custos de todos os graus, inclusive os políticos.
Li com bastante atraso um livro publicado em 2004 pelo ex-secretário da Força Aérea dos EUA, , Thomas C. Reed, e quase caí da cadeira quando folheei o capítulo dedicado ao Dossiê Farewell, uma operação executada pela administração Reagan contra a URSS.
Em poucas palavras, poderia resumir o assunto: desde princípios da década de 1980, os Estados Unidos eram capazes de introduzir códigos espiões nos softwares comprados pela URSS, para manipulá-los à distância.
At the Abyss: An Insider’s History of the Cold War (No abismo: História de um protagonista da Guerra Fria), o livro de Reed que foi prefaciado por George Bush pai, relata com riqueza de detalhes como venderam à URSS chips de computadores desenhados para passar os controles de segurança, mas que entravam em colapso pouco tempo depois de empregados.
“Vendemos a eles pseudo-softwares, que desmantelavam as fábricas; idéias convincentes mas cheias de falhas para a aviação militar e para a defesa aeroespacial encontraram abrigo nos ministérios soviéticos”, disse Reed, que foi membro do Conselho de Segurança Nacional e esteve a par da operação.
“O plano mais brilhante consistiu em introduzir no software do principal gasoduto soviético um programa malicioso, conhecido como Cavalo de Tróia, capaz de alojar-se no computador e permitir o acesso a usuários externos para obter informação ou controlar de maneira remota a máquina central”, conta o ex-espião.
“Ao invés de atacar o fornecimento de gás soviético, isto é, seus lucros monetários com o Ocidente e a economia interior soviética, criamos o software principal do gasoduto que levaria o gás natural desde os campos de Urengoi, na Sibéria, através do Cazaquistão, com destino á Europa Ocidental. O sistema que operava as bombas, turbinas e válvulas estava programado para enlouquecer. Depois de um intervalo de tempo determinado, ele resetaria a velocidade das bombas e a configuração das válvulas, para produzir uma pressão muito acima da que as juntas do gasoduto poderiam suportar…” escreve.
O resultado foi a explosão não nuclear e o incêndio mais intenso visto desde o espaço. Partes das grossas paredes do gasoduto foram encontradas a mais de 80 quilômetros do lugar. Apesar de que não foi registrada nenhuma vítima humana, o dano econômico foi terrível, a ponto de especialistas considerarem esse desastre como uma das causas principais da crise econômica soviética.
E não só pela explosão, que em última instância não foi o pior dano.
Quando se deram conta que a razão pela qual os sistemas entraram em colapso foi o software contaminado, os soviéticos enfrentaram o terrível pesadelo de que seria impossível a eles distingüir quais equipamentos, da grande quantidade de componentes comprados no mercado ocidental ou copiados de modelos americanos, estariam contaminados e quais não estariam.
Reed, um homenzinho de rosto bonachão que abre um largo sorriso na capa de seu livro, termina o capítulo dedicado ao Dossiê Farewell com uma linhas que, com toda certeza, o próprio Demônio assinaria embaixo, caso fosse engenheiro eletrônico: “Para os soviéticos, toda a tecnologia tornou-se não confiável, e foi nesse momento que Reagan tirou o ás da manga que foi a Guerra nas Estrelas. Sabia que a indústria eletrônica soviética estava infestada com fírus, bichos e cavalos de tróia impostos por nossa comunidade de inteligência. Foi uma operação brilhante. Colocamos tudo sob suspeita”.