Colunista mineiro analisa a peleja do Senado e a imprensa

O diretor de redação do jornal mineiro Hoje em Dia comentou, em artigo publicado nesta sexta-feira, a cobertura dos grandes veículos de comunicação no caso do senador Renan Calheiros. Para o jornalista, ''esses mesmos veículos resolveram assu

Em busca da concórdia


 


Fica decretado, de hoje em diante, que votação no Senado só vale se puder agradar à Imprensa. Decreta-se mais. De agora por adiante, se qualquer votação não for por unanimidade, também não valerá. Combina-se ainda que abstenção também não vale e, se houver, deverá ser debitada à conta do PT. Soberania do plenário? Isso deve acabar. Como também deverá ser excluído o peso da maioria, passando a valer a prevalência da minoria. Dizer que tudo isso que está sendo revogado foi uma conquista da democracia é bobagem – foi nada, isso caiu do céu e deixa de prevalecer por enquanto. Amanhã, se as coisas mudarem, isto é, se a oposição virar novamente situação, vira-se também o quadro e o que não valerá mais agora, voltará a valer. Ah, sim! Decreta-se também que no Senado só há vestais, à exceção de Renan Calheiros, esse alagoano que ousa ocupar a presidência da Casa, não se sabe com ordem de quem.


 


Para as coisas ficarem melhores, é preciso fazer mais. O Supremo Tribunal Federal, de agora em diante, não se ocupará mais apenas de questões jurídicas. Disputas partidárias também vão fazer parte da pauta do Supremo, daqui por diante. Se houver tempo, os doutos ministros cuidarão também de assuntos pertinentes à Justiça. A OAB, por sua vez, vai reescrever o Regimento Interno do Senado, porque o atual manda dizer que a maioria vale mais do que a minoria e isso não pode acontecer, pelo menos no quadro atual. A OAB discorda. Se mudar, aí volta-se atrás. A mesma OAB deve entrar no Supremo pedindo que se inverta a aritmética, isto é, que faça prevalecer a regra segundo a qual 35 votos valem mais do que 40 e que abstenções devem ser somadas à conta dos que perdem – a menos, novamente, que se mude a situação atual. Se mudar, muda-se também tudo.



Deus do céu, é mais ou menos este o quadro que se vê no país 24 horas após a oposição ser derrotada no plenário pelo senador Renan Calheiros por 40 votos a 35, com seis abstenções. A voz corrente dos derrotados é de que nada do que está escrito vale mais, porque, como disse o jornalista Paulo Henrique Amorim, no site www.conversaafiada.com.br, três jornais, uma revista e uma estação de televisão, mais uma meia dúzia de blogs a eles ligados, apostaram na cassação do senador Renan Calheiros e perderam. Mais. Ao que parece, esses mesmos veículos resolveram assumir o poder, ninguém sabe por procuração de quem, e querem agora pautar a vida política do país.



Ora, a coisa está chegando a um ponto que, diante da vitória de Renan Calheiros no plenário, alguns desses veículos já começam a questionar a necessidade de existência do Senado, quando já não pregam o seu fechamento. E isso apenas porque foram derrotados por Renan Calheiros. Quer dizer: o caso Renan seria tão grave que recomenda o fim do Senado. Pois bem. Na Câmara dos Deputados, com mensalão e tudo, o que houve foi muito mais grave e, por esse raciocínio, dever-se-ia também fechar a Câmara? Nesse caso, por que não fechar logo o Congresso, que é a junção da Câmara e do Senado? Vejam como a insensatez começa a campear no país apenas, repete-se, porque um senador alagoano, eleito como os demais, portanto, com a mesma legitimidade que os seus pares, contrariou boa parte da Imprensa mais poderosa do país!



Não, não pode ser assim. Ganhar e perder faz parte da vida e, mais ainda, dos embates políticos. É preciso, mais do que nunca, que vozes menos rancorosas e menos comprometidas com esse embate insano se levantem para chamar o país à razão. Quem perde com isso não é o Governo nem é a oposição quem lucra. Perde o país e lucram os concorrentes que competem no mercado globalizado com o seu ambiente político pacificado. Vejam o caso da Argentina. Debeladas as crises, o país voltou a crescer. Em favor do caso brasileiro, pode-se dizer que não há crise, o problema está localizado no Senado, por enquanto. Mas pode alastrar-se e aí perderão muitos, sobretudo os que há 30 anos anos ou mais apostaram suas vidas para devolver o país à convivência do mundo democrático. Minas, onde está Minas, com sua voz de equilíbrio e sua vocação para a concórdia?


 


Publicado no jornal Hoje em Dia, de 14-09-2007