Quilombolas protestam e reivindicam manutenção de decreto
Diversos representantes de comunidades remanescentes de quilombos de todo o Brasil lotaram as galerias das comissões da Câmara nesta terça-feira (25). Os quilombolas estiveram reunidos para discutir seus problemas e protestar contra a possibilidade de
Publicado 25/09/2007 18:52
Os remanescentes de quilombos são contra o projeto de decreto legislativo apresentado pelo deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), em tramitação na Câmara, que, se aprovado, revogaria o Decreto 4.887, de 2003, que é a base legal para titulação de terras quilombolas.
Além do decreto 4887, os quilombolas defendem o cumprimento da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário. Esse documento, ratificado pelo Congresso Nacional, garante o compromisso do país com os direitos de comunidades tradicionais.
Na Câmara, o deputado Evandro Milhomem (PCdoB-AP) entende que a revogação do decreto do presidente Lula não acontecerá. Segundo o parlamentar, “existe uma convergência da Frente Parlamentar pela Promoção da Igualdade Racial, com a Frente Parlamentar dos quilombolas e de toda uma massa de parlamentares que, naturalmente, sabem que isso é importante para o país”.
Milhomem entende que o encontro é importante porque coloca em pauta, não somente para a Câmara, mas para todo o Congresso Nacional, as reivindicações que os quilombolas têm. “Isso vem fortalecer o movimento na Câmara, diante do que tem na sua gaveta, o Estatuto da Igualdade Racial, que vai garantir alguns direitos, que na sua maioria são direitos sociais, para que a população de afrodescendentes possa melhorar sua qualidade de vida”.
Reivindicações
O integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas Rurais Negras (Conaq), e morador do Quilombo Campinho da Independência, em Paraty (RJ), Ronaldo dos Santos, foi enfático ao exigir o cumprimento do artigo 68 [do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal], regulamentado pelo decreto 4887, que diz que as comunidades quilombolas têm direito ao título de propriedade das terras e que o Estado brasileiro tem que efetivar essa política.
Ronaldo avalia que as respostas das reivindicações podem não vir logo, mas afirma que as comunidades estão preparadas para continuar a luta. “A gente sabe que essa luta não vai ser fácil, ela tem 500 anos, então nós vamos continuar aí prontos para o que der e vier”, disse ele.
Avaliação
“Extremamente positiva”, assim classificou a atividade que os quilombolas realizaram na Câmara, o coordenador geral da Unegro (União dos Negros pela Igualdade), Edson França. De acordo com o coordenador da Unegro, “existe uma grande unidade entre eles, de norte a sul. Um ponto interessante que eu destaco é que eram homens e mulheres do campo, pobres, que foram de chinela havaiana e camisetas surradas, lutando pelo seus direitos”.
A forma como os quilombolas se identificaram também chamou atenção de Edson. “Eles falam: não sou descendente de escravos, sou descendente de africanos; Se sou quilombola é porque meus ancestrais se negaram a ser escravos. É muito interessante essa auto-identificação”.
A grande quantidade de remanescentes de diversas partes do Brasil, sem apoio público, significou para Edson um referencial da organização dos remanescentes. “Não houve apoio público para vinda deles, eles mesmos se cotizaram e vieram. Eles mesmos ressaltaram que o esforço da vinda dessas comunidades, pobres e desassistidas de todos os cantos do país, foi um esforço deles pela convicção de que o decreto tem que ser garantido”.
Audiência pública
Na Segunda-feira (24), os representantes de comunidades remanescentes de quilombos participaram de uma audiência pública. Diversos representantes de órgãos do governo, como a Fundação Palmares, a Advocacia Geral da União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além do Ministério Público Federal, participaram. Os representantes dos órgãos públicos responderam a perguntas e críticas dos quilombolas sobre a lentidão da aplicação das políticas públicas.
De acordo com o também integrante da Conaq e morador do quilombo de Furnas do Dionísio (MS), Jhonny Martins de Jesus, a audiência foi dividida em dois momentos. O primeiro é ouvir o que o governo tem a dizer. ''O segundo momento é cobrar ações do governo e mostrar a força do movimento quilombola''.
“A gente tem o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], tem o Brasil Quilombola, ações para comunidades quilombolas, mas até então elas – as comunidades – não tinham o seu bem maior que é as suas terras”, afirma.
“Sabemos que os quilombos são locais de difícil acesso, então, quando a gente coloca mais de 500 pessoas em Brasília, em tão pouco tempo, a gente vê como o povo está sendo oprimido lá no seu território”, fala Jhonny.
Uma das participantes da audiência foi Vani Guerra, que veio da comunidade quilombola de Ilha do Marambaia (RJ). Ela conta que os moradores da área estão lá desde a época em que a escravidão foi abolida, em 1888. “Éramos poucos e ficamos lá. Agora o governo quer tirar a gente, nós estamos lá há quase 150 anos, e agora a Marinha diz que nós não temos direito”, reclama.
Ela veio a Brasília cobrar apoio do governo e a titulação das terras em que sua comunidade vive. E conta que quase ninguém que mora lá sabe da proposta que pretende revogar o decreto presidencial que regulamenta a demarcação e titulação daquelas terras. “A gente está sabendo agora, aos poucos, por falta de acesso aos meios de comunicação. A comunidade fica lá, jogada num canto, ninguém conhece, e o governo faz questão de continuar mantendo escondido”, denuncia.
De Brasília
Alberto Marques
Com agências