Sem categoria

Datafolha: 87% das famílias brasileiras são contra o aborto

Se os números de 2007 mostram uma tolerância maior das famílias a possíveis relacionamentos interraciais e homossexuais por parte de seus filhos, os mesmos entrevistados descrevem um movimento inverso em questões comportamentais de outra natureza, sejam a

Nessa categoria, a interrupção da gravidez não desejada desponta com a variação mais significativa, com um salto de 61% para 71% na taxa de rejeição. Em outro desdobramento da pesquisa, sobre o que consideram moralmente certo ou errado, 87% condenaram a interrupção da gravidez. Para os mais liberais, isso pode soar como contradição. Não é, afirmam estudiosos do tema.


 


A antropóloga Debora Diniz, professora de bioética da UnB (Universidade de Brasília) e diretora da ONG Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), argumenta que, em pesquisas de opinião sobre assuntos de ordem moral, as respostas tendem para “um julgamento moral compartilhado, que não necessariamente representa práticas individuais”.


 


Ser racista ou homófobo é algo cada vez menos aceito socialmente. Já o aborto tem sido tema de debates acirrados, em especial, segundo Diniz, a partir de 2004, quando chegou ao Supremo Tribunal Federal uma ação para tornar legal a interrupção da gravidez em casos de fetos anencefálicos (sem cérebro) – o mérito da ação ainda não foi julgado.


 


“Nunca se falou tanto sobre aborto quanto nos últimos anos. Ele passou a ser uma bandeira de afirmação de que lado você está. No confronto, a posição compartilhada dos valores morais se reforça. Você quer se enquadrar no julgamento de uma boa mãe. Não podemos afirmar que são mudanças de prática, mas de narrativa”, diz ela.


 


A também antropóloga Maria Luiza Heilborn, coordenadora do Clam (Centro Latino-Americano em Se-xualidade e Direitos Humanos) e professora do Instituto de Medicina Social da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), aponta outro fator responsável pelo crescimento da rejeição: a ultra-sonografia. “Ao mostrarem uma imagem assemelhada à imagem humana, as novas tecnologias de visualização do feto fizeram uma mudança muito grande no imaginário social. Uma coisa que era oculta passou a ser visível”, afirma ela, que enxerga uma “ressacralização da vida pré-uterina” hoje.


 


Em pesquisas que vem realizando –como a Gravad (1999-2002), sobre gravidez na adolescência–, Heilborn constata que, após verem o feto, muitas mulheres deixam de cogitar o aborto. “Quando pensam em abortar, é porque elas não deram ao feto o status de pessoa. Após o exame, não estão esperando mais uma criança, mas a ‘Verônica’, o ‘Francisco’”, acha. Ela ressalta a diferença entre o índice de “moralmente errado” (87%), resposta mais genérica, e de “muito grave” (71%), quando a pergunta se refere à eventual filha do entrevistado. “As condições deixam de ser universais e passam a ser circunstanciadas.”


 


Escolaridade e renda infuenciam na opinião


 


Margareth Arilha, coordenadora do Prosare (Programa de Apoio a Projetos em Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos), ligado ao Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), destaca também escolaridade e renda como fatores que alteram as opiniões sobre a prática do aborto. A resposta “moralmente errado” foi dada por 90% dos que têm ou cursam ensino fundamental e por 77% dos de ensino superior. Na renda familiar mensal, a diferença foi de 87% (até dez salários mínimos) a 69% (mais de 20).


 


“Ter acesso a um nível maior de informação é fundamental para problematizar esse assunto, que é muito delicado. Está impregnada no imaginário social a idéia de que é um gesto de desamor, egoísta, esquecendo-se de que a mulher que aborta é a mesma que tem filhos”, afirma ela, que considera o tema “o último dos moicanos na batalha de transformação das culturas”.


 


Confrontados com a pergunta de que atitude tomariam caso uma filha adolescente engravidasse, 82% responderam que forneceriam apoio para que ela tivesse o filho em qualquer situação. Mas quando a pergunta troca de gênero e se refere a um filho que engravidasse uma garota, o índice dos que apoiriam o nascimento em qualquer situação cai para 71%.


 


Pressão pelo casamento


 


A mineira Paula Ballesteros enfrentou a primeira situação aos 18 anos, quando engravidou depois de dois meses de namoro. Sua mãe teve uma reação rara, declarada por menos de 1% dos pais ouvidos na pesquisa, e a aconselhou a abortar argumentando que ela era muito nova; o pai a deixou livre para escolher. Paula, hoje com 23, decidiu ter. “Eu sou adotada, e não podia pensar em tirar um filho”, conta.


 


Após a decisão, ela diz que a mãe a pressionou a casar, uma atitude professada por 15% dos pais entrevistados. O casamento ocorreu, mas ela já se separou. “Acho que todas as mulheres devem ter [os filhos]. Se não, vão estar tirando uma vida”, diz Paula, mãe de Rafaela e que sonha com mais três filhos. A carioca Tatiana Gomes, 27, também pensava assim há oito anos, quando engravidou de João Guilherme. Os pais não pressionaram, mas tias sugeriram o aborto, o que ela recusou.


 


“Hoje, acho que cada caso é um caso, não é uma questão moral. É muito sério uma menina nova, sem estrutura, botar esse filho no mundo para sofrerem ela e a criança”, reflete ela, psicóloga que se tornou cantora de funk (da dupla A Princesa e o Plebeu) e está acostumada a ver adolescentes carregando bebês em comunidades carentes. Tatiana tem outra filha de sua segunda união.


 


No Brasil, 40% dos óbitos maternos provocados por aborto são mascarados como infecções, hemorragias ou por “causa mal definida”.


 


O que diz o ministério


 


O Ministério da Saúde, comentou o resultado da pesquisa Datafolha, em nota assinada por Lena Peres, diretora-adjunta do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas.


 


“A questão moral a ser discutida, neste caso, é como devemos enfrentar o fato de a morte materna por aborto – a quarta causa de mortalidade materna no Brasil– acontecer quase que exclusivamente entre as mulheres que pertencem a classes desfavorecidas.


 


Descriminar o aborto não significa promovê-lo, mas sim perceber que a via penal não é a melhor forma de tratar deste que é um problema de saúde pública”, diz a nota


 


A lei


 


Desde 1940, o aborto é crime no Brasil, com pena de um a três anos de prisão para a gestante; as exceções são casos de gravidez decorrente de estupro ou em que a mãe corre risco de morte.


 


Em março, pouco depois de assumir o Ministério da Saúde, José Gomes Temporão defendeu a realização de um plebiscito sobre a legalização do aborto. Muito atacada por setores contrários à legalização – como a Igreja Católica–, a proposta ganhou força e reafirmou a defesa do ministro de mudanças na legislação. Para ele, o aborto é um caso de saúde pública e, logo, tema de governo, idéia apoiada publicamente pelo presidente Lula. Em sabatina na Folha, em junho, Temporão afirmou que há um aborto para cada três bebês que nascem no país.


 


Após a declaração do ministro, a UNE lançou uma campanha nacional no dia 27 de setembro pela legalização do aborto. Um jornada de manifestações na América Latina e Caribenha, ocorrida no dia 28 de setembro onde milhares de pessoas foram às ruas – inclusive no Brasil, também reivindicou a legalização.


 


Para organizações como a União Brasileira de Mulheres (UBM), Marcha Mundial das Mulheres, Rede Feminista, Católicas pelo Direito de Decidir, entre outras, lutar pela legalização é lutar pela vida.  


 


Dados


 


– No país, 250 mil mulheres se internam anualmente por complicações derivadas de abortos espontâneos ou voluntários.


 


– Meninas de até 15 anos aparecem com maior peso nos números de mortalidade –respondem por 14% dos óbitos por aborto.


 


Leia também:


Pesquisa revela as mudanças no perfil da família brasileira