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Fidelidade é o sucesso do casamento para 40% dos brasileiros

O toque estranho no celular que ele atende nervoso, voz baixa, enquanto diminui o volume do aparelho. Um torpedo apagado antes de ser lido. A caixa de entrada de e-mails, da qual ele mudou – de repente – a senha de acesso. A fatura do cartão de crédito qu

Os títulos de auto-ajuda que estão nas estantes das grandes livrarias brasileiras mostram que as mulheres conquistaram a igualdade com os homens em pelo menos mais um quesito: o medo da traição ou “sentimento de cornitude”, na definição do poeta Augusto de Campos. São elas o público-alvo de obras como: Mulheres Certas que Amam Homens Errados; Ser a Outra – Manual de Sobreviência da Amante; Ciúme – A Outra Face do Amor (que tem o capítulo “Infidelidade e Ciúmes no Casal”); Quem Não Trai – As Muitas Faces da Infidelidade; Por Que os Homens Mentem e as Mulheres Choram; A Mulher Ferida e Infiel, entre outras. Em Relacionamentos Que Dão Certo, o índice anuncia os capítulos “Como Perdoar uma Traição?”; “Fui Traída. E Agora?” e “Don Juan de Carne e Osso”.


 


A pesquisa Datafolha mostra o porquê da vasta bibliografia. Quatro em cada dez mulheres votaram na “fidelidade” como o item mais importante para um casamento feliz. Para efeito de comparação, o quesito “amor” teve 35% das preferências femininas; “honestidade” ficou com 14% e, surpresa, “filhos” e “vida sexual satisfatória” foram a opção de apenas 5% e 1%, respectivamente. Os homens também elegeram a “fidelidade” como o quesito mais importante, com 37% das preferências.


 


Mas, no caso masculino, a “fidelidade” empatou tecnicamente com o “amor”, que teve 35% dos votos (a margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo). O valor dado pelos homens à fidelidade (das suas mulheres, bem entendido) nem chega a surpreender. Já justificou o castigo de sangue. Até 1979, os tribunais brasileiros ainda colocavam em liberdade homens que davam cabo das vidas de mulheres, caso ficasse comprovado que elas tinham-nos traído. Era a chamada “legítima defesa da honra”.


 


Tolerância


 


Em um Brasil pré-divórcio (que só seria aprovado em 1977), a maioria das mulheres topava manter-se casada mesmo sabendo da amante do marido, da “outra”, da “teúda”, da “manteúda”, das escapadas, da garçonnière, da mancha de batom indiscreta. A professora Guita Grin Debert, 59, titular do departamento de antropologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), conta que quando perguntavam à mãe dela qual era a condição imprescindível para o sucesso de um casamento, ela respondia: “A tolerância”.


 


Provavel-mente, a maioria das mulheres da época diria algo parecido.


 


Nos dias atuais, segundo a professora, a “fidelidade” tornou-se tão importante no casamento graças à facilidade de ele ser desfeito. “A regra atual prevê que os casamentos existam enquanto houver alegria, prazer e confiança na convivência. Não é mais tanto a idéia de construir uma família, sustentar e proteger a prole, como existia antes, até porque isso pode ser feito fora do casamento. Como a família dependia do casamento, a traição não era um problema tão central. A tolerância, sim”. Segundo Debert, a exigência feminina de fidelidade evidencia um momento histórico de mais simetria, de mais igualitarismo nas relações conjugais. “Não tem nada a ver com o casamento arcaico. A cobrança mútua pela fidelidade é um típico processo contemporâneo.”


 


Em uma pesquisa com a mesma temática realizada pelo Datafolha em 1998, “apenas” 23% dos entrevistados declararam que a “fidelidade” era o fator mais importante para o casamento feliz. De lá para cá houve um incremento de 15 pontos percentuais (até os 38% do total da amostra, observados em 2007). No mesmo período, o “amor” perdeu seis pontos percentuais (foi de 41% para 35%), a “honestidade” perdeu 9 (de 24% para 15%). “Filhos” e “vida sexual satisfatória” ficaram como estavam.


 


O ''bem dos filhos''


 


A maioria absoluta dos entrevistados (84%), aliás, discorda de que o casamento deva ser mantido pelo “bem dos filhos”, ainda que o cônjuge tenha um amante fixo. Em seu livro “Infiel” (Record, 2006, 364 páginas), a antropóloga Mirian Goldenberg, professora do departamento de antropologia cultural da Universidade Federal do Rio de Janei-ro e também autora do livro “A Outra” nota que “a idealização da fidelidade permanece fortíssima, inclusive nas relações extraconjugais”. Ela exemplifica: “As Outras acreditam que seus parceiros não têm relações sexuais com as esposas. Os homens casados acreditam que as amantes lhes são fiéis sexualmente. Não só no casamento, mas também no adultério, a fidelidade é um valor.”


 


O Datafolha também perguntou “qual o fator mais prejudicial no casamento?” Coerentemente, a maioria absoluta (53% dos entrevistados) respondeu: “A traição”. “Falta de amor” foi a opção de apenas 15%. “Vida sexual insatisfatória”, de 1%. Mas afinal, quem trai? Entre os homens, 34% admitem já ter sido infiéis em sua relação atual. Entre as mulheres, 8%.


 


E quem é mais enganado? A mulher. Na pesquisa, apenas 5% dos homens dizem já ter sido traídos, o que significa que algo como 3% vivem na mais santa ignorância sobre sua condição. Do lado das mulheres, 25% disseram já ter sido traídas –ou seja, 9% vivem na mesma santa ignorância.


 


Mulheres enganam melhor


 


O curioso dos números é que eles mostram que as mulheres traidoras mentem e enganam melhor do que seus congêneres masculinos. Nada menos do que 38 em cada 100 traidoras conseguem passar sem ser descobertas, contra 26 traidores que passam por “inocentes”. Menos tolerantes com a infidelidade, mas mais traídas e espertas para farejar a traição –é por isso que os escritórios de advocacia acusam uma maioria de processos em que a mulher tomou a iniciativa da separação (leia entrevista à pág. ao lado).


 


Na pesquisa Datafolha, 75% das mulheres que já se separaram dizem que foram elas que tomaram a iniciativa, 24 pontos percentuais as mais do que os homens que dizem ter sido deles a iniciativa (51%).


 


A idealização da fidelidade permanece fortíssima, inclusive nas relações extraconjugais. Não só no casamento, mas também no adultério, a fidelidade é um valor.”


 


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*Intertítulos do Vermelho