Sem categoria

Paradas e espaço na mídia mudam visão sobre homosexualismo

O que aconteceu nos últimos nove anos no Brasil para que um quinto dos pais deixassem de considerar “muito grave” que um filho ou filha namore alguém do mesmo sexo? Mais: por que aumentou o número daqueles que nem acham que isso seria um problema? De 1998

“Se o debate não entrou na casa das pessoas pelos jornais, chegou via novelas, que estão discutindo se gays podem ou não adotar uma criança, beijar-se etc. De modo geral, a abordagem, ainda que não seja ideal, tem sido positiva e menos caricata.
Mesmo quem é menos informado passou a ter contato com a questão”, diz a antropóloga Regina Facchini, vice-presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de SP.


 


Facchini e outros estudiosos da homossexualidade receberam com otimismo a queda de preconceito registrada pelo Datafolha. “É uma mudança grande, não só pelo número dos que deixaram de considerar 'muito grave' que o filho ou filha tenha uma relação homossexual, mas principalmente porque houve uma subida notável entre os que não consideram isso um problema”, avalia.


 


Para a antropóloga, o resultado está relacionado à maior visibilidade do movimento GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e trangêneros). “A militância levou à apresentação de projetos de lei, como o da parceria civil entre homossexuais e o da criminalização da homofobia. Ainda que até agora não tenham sido aprovadas, essas propostas acabaram por ampliar o debate na sociedade. Paralelamente, tivemos o crescimento das paradas. A de São Paulo começou em 1997 com 2.000 pessoas. Neste ano, foram 3,5 milhões. Há dez anos, tínhamos, além da paulistana, apenas a do Rio. Hoje são mais de cem espalhadas pelo país.”


 


Facchini aponta que, nos últimos anos, a discussão sobre homossexualidade não só é mais ampla como teve um salto qualitativo. “Nos anos 1980, pouco se falava sobre o assunto e, quando passou a ser abordado, estava ligado à Aids. Com o tempo, a mídia deixou de fazer reportagens apenas sobre números da Aids ou de assassinatos de gays. A pauta não é só de desgraças.”


 


Segundo a pesquisa, no Norte/Centro-Oeste e no Sul a tolerância cai para 15%; no Nordeste, 10%.


 


Políticas públicas


 


Antropólogo e fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), Luiz Mott também menciona a maior visibilidade do movimento e a “heterossexualização da Aids”, mas acrescenta outros dois fatores: uma tendência mundial de divulgação de estudos científicos que apontam a normalidade da homossexualidade e políticas governamentais, como o programa Brasil sem Homofobia, do Ministério da Saúde, que exibiu anúncios positivos na televisão.


 


O mesmo programa é citado por James N. Green, historiador, brasilianista e ativista do movimento gay norte-americano. Autor de três livros sobre a homossexualidade no Brasil, ele afirma que as campanhas governamentais brasileiras estão alinhadas ao movimento internacional pelos direitos dos homossexuais e complementa: “Antes, só homens mais efeminados e mulheres mais masculinizadas eram visíveis.
A tolerância aumentou conforme mais pessoas se assumiram”, acha.


 


Para o historiador, o fato de a juventude atual também discriminar menos acaba afetando positivamente familiares mais velhos.


 


Espaço na mídia


 


Segundo o Datafolha, as taxas mais baixas de rejeição aparecem na faixa etária dos 16 aos 25 anos. Mas Green acha ainda que a ficção está ajudando a mudar a realidade. “Apesar de alguns retratos que mantêm o preconceito, as novelas brasileiras foram fundamentais para a queda da intolerância”, diz. Mott concorda que os folhetins ajudaram, mas é mais contundente na crítica a eles.


 


“Falta ousadia, como esse casal assexuado de Paraíso Tropical. A telenovela já criou muitos personagens caricatos, como o Uálber [guru interpretado por Diogo Vilela em Suave Veneno, 1999]. Até agora, o casal mais positivo foi Sandrinho [André Gonçalves] e Jefferson [Lui Mendes], de A Próxima Vítima [1995]”, opina.


 


Convicto do papel das novelas na redução do preconceito contra gays, Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da USP, acha o casal de Paraíso Tropical positivo. “Eles visivelmente se amam, não é uma relação de sacanagem. Isso é interessante porque, para muita gente, a homossexualidade não está tão ligada ao amor, mas a uma sexualização mais forte. É como se fosse mais escandalosa, sacana, e a heterossexualidade, mais discreta.”


 


Na opinião de Mott, contudo, mais do que as novelas, dois episódios midiáticos dos últimos anos foram essenciais. “Houve uma comoção nacional favorável ao movimento homossexual em dois momentos: quando Jean Wyllys se assumiu gay e ganhou o ‘Big Brother’ e quando a namorada de Cássia Eller obteve a guarda de seu filho”.


 


A companheira de Cássia por 14 anos, Maria Eugênia Martins e o pai da cantora, Altair Eller, disputaram na Justiça a guarda de Chicão, filho de Cássia, que contava oito anos quando ela morreu, em 2001. Após acordo, o menino ficou com Eugênia. “Na época houve mesmo uma comoção do país, da mídia. Fiquei muito ad-mirada e comovida com o apoio que recebi das pessoas”, lembra.


 


Resposta aos pessimistas


 


O psicanalista e professor do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Jurandir Freire Costa, 63, encara com otimismo os principais resultados da pesquisa Datafolha.


 


“A sociedade brasileira dá uma resposta positiva aos pessimistas que insistem em desqualificá-la.” Na avaliação dos fatores que contribuíram para os resultados, o psicanalista menciona, em primeiro lugar, a educação, seguida pelo maior acesso à informação. O terceiro item é uma espécie de recuo ao núcleo familiar, que ele comenta abaixo, onde também interpreta outros dados revelados. 


 


Veja abaixo a intrepretação do psicanalista


 


Mais família


“A família é uma instituição confiável que se contrapõe a tantas outras instituições brasileiras desvalorizadas, como o Estado, representado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Por outro lado, essa valorização mostra que a nossa sociedade concentra os seus valores na família. Não é bom. Porque é o lado privado da ética e não o público”, afirma o psicanalista.


 


Mais religião


“Junto com a da família, revela um um avanço. A religiosidade hoje é mais ampla e menos clerical, menos institucionalizada, o que permite maior adesão aos seus princípios espirituais e também simboliza uma maior abertura moral.”


 


Mais estudo


“Significa que há também valorização da cultura, que é tudo aquilo que nossa civilização produz. Que maravilha! É mais um argumento para derrubar essa corrente pessimista que insiste em achar que a sociedade brasileira não tem valores.”


 


Menos dinheiro


“Se você reduz o valor do dinheiro, também favorece a imagem da sociedade. Revela o verdadeiro propósito do dinheiro, que é atender às necessidades materiais. Ele não cria valores éticos.”


 


Menos aborto/mais homotolerância


“Acena para uma maior sensibilidade à vida. Ao mesmo tempo em que defende um valor maior da vida, o brasileiro se torna mais tolerante em relação ao homossexualismo. É uma evolução ética, uma abertura para o diferente. Quais são os princípios que organizam uma sociedade? Justiça, na qual todos têm direito à vida. Outro é a fraternidade, com bases cristãs. A abertura em relação ao diferente e o ideal político da persuasão, do convencimento, também são outros fatores importantes. É um progresso.”


 


Leia também:


Pesquisa revela as mudanças no perfil da família brasileira


 


*Intertítulos do Vermelho