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Pesquisa revela as mudanças no perfil da família brasileira

A edição deste domingo (7) da Folha de S.Paulo traz a pesquisa nacional do Datafolha, realizada em 211 municípios, que traçou um novo perfil da família brasileira. O resultado indica uma mudança nos hábitos, valores e opiniões no país desde 199

Entre as principais mudanças detectadas pela pesquisa, entre os dois períodos, está a maior tolerância das famílias para aspectos como perda da virgindade, sexo no namoro e na casa dos pais, gravidez sem casamento e homossexualidade. Por outro lado, cresceu a rejeição à prática do aborto, o uso de drogas é condenado, e a fidelidade é mais valorizada que uma vida sexual satisfatória.

 

O levantamento é mostrado em revista com 74 páginas. Especialistas, cientistas sociais e colunistas do jornal fazem interpretação das mudanças.

 

Muitas mudanças

 

Está longe de ser um ''liberou geral''. Mas de 1998 a 2007 mudou bastante coisa nas atitudes dos brasileiros com relação à sexualidade, à moral e à família. A pesquisa do Datafolha feita neste ano, que repete questões feitas quase dez anos atrás, apresenta sinais contraditórios. Diminui (muito) a rejeição ao homossexualismo. Mas também aumenta a rejeição ao aborto. Cresce a importância atribuída à religião. Mas ver a filha solteira engravidar já não alarmaria tanta gente.

 

A aceitação ao homossexualismo parece estar, como dizem, ''bombando''. Leia-se a pergunta. ''Se você soubesse que um filho homem está namorando um homem, você consideraria um problema muito grave, mais ou menos grave, pouco grave ou não consideraria um problema?''

 

Em 1998, 77% dos entrevistados achavam que essa situação seria ''muito grave''. O índice caiu 20 pontos percentuais em nove anos: hoje, só 57% teriam essa reação. Se o ''problema'' ocorresse com uma filha, os níveis de tolerância não se alterariam significativamente: 55% dos entrevistados não achariam ''muito grave'' se ela namorasse outra garota.

 

Os dados surpreendem bastante, uma vez que num livro recém-publicado, A Cabeça do Brasileiro, de Alberto Carlos de Almeida (editora Record), o homossexualismo é objeto de forte rejeição. A pesquisa foi feita em 2002 e mostra que 89% da população afirma ser ''totalmente contra'' ou ''um pouco contra'' o sexo entre dois homens.

 

Homossexualismo e raça
 

Cinco anos de intervalo entre uma pesquisa e outra não explicam tudo, e sem dúvida entramos aqui no labirinto das sutilezas metodológicas. É que a pergunta feita na pesquisa de Alberto Almeida é um bocado diferente. Em vez de imaginar a situação de um filho namorando outro homem, o questionário indaga diretamente se o entrevistado aprova ou rejeita ''o homossexualismo masculino'' em geral. Pode-se imaginar que ele condene a prática, pensando nas suas próprias preferências ou nas ''leis da natureza'', sem entretanto arrancar os cabelos se um filho a experimentasse.

 

Mesmo assim, o avanço é espantoso. Ainda mais quando só 3% da população consideram ''moralmente aceitável'' fazer um aborto, contra 87% que acham isso ''moralmente errado'', e 6% que, estranhamente, afirmam não ser essa ''uma questão moral''.

 

Os maiores sinais de liberalização e modernidade talvez apareçam, na verdade, quando determinadas ''questões'' simplesmente deixam de ser… ''questões''. De 1998 a 2007, subiu de 76% para incríveis 92% o índice de entrevistados que não considerariam um problema se o filho namorasse uma pessoa de outra cor. Com a filha, a toada muda um pouco: o índice baixa para 85%. Mesmo assim, eis uma questão em que a teoria faria bem em ser testada na prática.

 

Na modernidade

 

Em 1998, quando foram publicados os números da primeira pesquisa foi lembrado alguns costumes e preconceitos que os brasileiros conheceram na infância, durante os anos 60.

 

Os familiares mais velhos costumavam reclamar quando grávidas usavam biquíni; divórcio, ou ''desquite'', que era o que havia na época, surgia indubitavelmente como um acontecimento raro e de considerável gravidade. Hoje, nenhum pesquisador nem sequer cogitaria colocar questões sobre divórcio num levantamento de opinião. O assunto foi vencido pela modernidade. Seria o caso de dizer que pergunta boa, numa pesquisa sobre sexualidade, é pergunta morta. As melhores notícias, como se sabe, são aquelas de que ninguém se dá conta.´

 

Os maiores sinais de liberalização talvez apareçam quando determinadas questões deixam de ser questões; o assunto é vencido pela modernidade

 

Lugar de mulher é em casa

 

Para as feministas, esse, sim, é um número alarmante. No mesmo país em que, segundo o dado mais recente do IBGE, 29,2% dos lares são chefiados por mulheres, 33% dos entrevistados pelo Datafolha acham que as mulheres devem deixar de trabalhar fora para cuidar dos filhos. Na segmentação por sexo, a resposta foi dada por 36% dos homens e 30% das mulheres ouvidas.

 

Outros 49% dos brasileiros aceitam que a mulher trabalhe, desde que o salário dela seja realmente necessário para o orçamento familiar. O índice dos que defendem que a mulher deve abrir mão do trabalho pelos filhos é menor entre os que cursaram o ensino superior: 19%. O que, no entanto, não deixa de ser um número alarmante, segundo a assistente social Sonia Coelho, 48, militante da Sempreviva Organização Feminista (SOF).

 

Para ela, os dados revelam que a melhoria das condições das mulheres na sociedade não depende apenas da evolução do nível educacional da população. ''Mais do que uma mudança ideológica sobre o papel da mulher, é necessária uma mudança na atuação do Estado no setor'', acha.

 

Para ela, enquanto as mulheres tiverem que se redobrar para conciliar sua atividade remunerada e a maternidade, dificilmente poderão concorrer em pé de igualdade com os homens no mercado de trabalho. E, se não puderem concorrer com eles, tampouco conseguirão derrubar a opinião arraigada de que a maternidade é o seu principal papel na sociedade. É preciso acabar com a idéia de que a mulher só trabalha para complementar a renda do marido'', afirma.

 

A saída, segundo a feminista: ''O Estado deveria garantir condições para que elas tenham filhos sem serem prejudicadas por isso. Oferecer vagas em creches e promover campanhas que combatam a discriminação no mercado de trabalho estão entre as ações prioritárias'', defende

 

Comportamento de risco

 

A discussão intensa, nos últimos anos, sobre a descriminalização da maconha ainda não provocou mudanças significativas na opinião pública. A nova consulta apontou só uma pequena queda nas respostas ''muito grave'' à pergunta sobre o que o entrevistado pensaria de o filho ou a filha fumar maconha. No caso de filhos homens, caiu de 78% para 72%. No caso de filhas, oscilou de 80% para 78%. Fumar maconha ainda é considerado moralmente errado por 85% das pessoas, número só abaixo do que diz respeito a praticar o aborto (87%).

 

''A violência tem piorado, a criminalidade aumenta exponencialmente, e isso está sendo associado, correta ou incorretamente, ao tráfico de drogas e à acusação que se faz aos usuários de também serem responsáveis pela violência'', avalia o antropólogo Gilberto Velho, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Já tendo acompanhado por muito tempo pesquisas com usuários, ele diz ter ouvido muitos relatos de pessoas que deixaram as drogas ''por causa do banditismo, assumindo que tinham algum tipo de responsabilidade''.

 

Velho argumenta que, ao contrário do que possam indicar os números, a maconha é muito difundida. As respostas, dadas no campo moral, ocultariam a prática, como diz Debora Diniz, da UnB. ''A pessoa pode não ver problema nenhum em fumar maconha, mas é um ato ilícito'', afirma ela.

 

A opção ''muito grave'' fica num patamar mais alto quando o tema é cocaína, mas também sem alteração significativa: 83% dos entrevistados avaliaram assim o ato entre os filhos (contra 87% de 1998) e 86% se fossem filhas (contra 84%).

 

O índice mais alto de ''muito grave'' é no item ''fazer parte de uma gangue violenta''. Pensando em filhos ho-mens, 89% cravaram a resposta e, em mulheres, 90%. Em 24 de junho, num caso de repercussão nacional, jovens espancaram a doméstica Sirlei Dias Carvalho no Rio. No último dia 16, três adolescentes mataram um índio em Minas Gerais.

 

Sobre o filho ser corrupto, 80% das pessoas avaliaram a hipótese como muito grave –sobre as filhas, 83%.

 

Moral mais-de-20

 

O que vale para o brasileiro em geral não vale para os que vivem renda superior a 20 salários mínimos mensais, é o que se conclui avaliando as respostas sobre questões morais. Começa na pergunta sobre mentir ao declarar o Imposto de Renda.

 

Enquanto, na média, 66% consideram a atitude “moralmente errada”, na turma dos mais de 20 – que o leão também tende a morder com mais força– o índice é de 46%. Para 29%, a mentira nesse caso nem é uma questão moral. Nessa parcela de renda, o comportamento homossexual é aceito por 31%, enquanto a média estaciona em 21%. No aborto, o índice de 87% de “moralmente errado” para 87% cai a 69% para os que ganham mais de R$ 7.600.

 

Entre os que ganham mais de 20 salários mínimos mensais, cai para 50% os que consideram muito grave fumar maconha.

 

A diferença de 20 pontos se mantém na questão das drogas. Na média, 87% consideram fumar maconha “moralmente errado”. Entre os mais-de-20, 67%. Beber excessivamente? Na média, 79%, contra 54% dos mais ricos. Já entre os que ganham até dez salários mínimos, a reprovação à bebedeira alcança 80%, um abismo de 26 pontos em relação à classe mais alta.

 

São também os mais ricos que preferem mentir a magoar os sentimentos alheios: 40% aceitam a prática, contra 22% na faixa de ganhos médios e 18% entre os menos-de-dez.

 

Veja abaixo alguns dados da pesquisa:

 

A família brasileira

 

– 3,8 é o número médio de pessoas por casa

– A quantidade média de filhos por família é 2,7

– 27% dos casais estão juntos há mais de dez e menos de 20 anos

– Os casados com filhos que têm renda de até dez salários mínimos são 91%

– Os brasileiros que não costumam conversar durante as refeições equivalem a 30%

– 35% dos brasileiros ganham até dois salários mínimos, e outros 24% ganham entre dois e três salários mínimos

– 65% têm escolaridade de nível médio e 15% nível superior

– 49% dos homens arcam com a maior parcela das despesas da família. Entre as mulheres, esse percentual cai para 29%

 

Relações de família

 

– 76% dos entrevistados avaliam como ótima/boa a relação com o pai, enquanto 91% dizem o mesmo da relação com a mãe

– 71% consideram ótimo/bom o relacionamento com irmãos e 68% com irmãs

– No caso do almoço dominical com pai/mãe, 92% professam o hábito; com os filhos, 96%. Com outros integrantes da família, 90% almoçam com avô/avó

– Em 90% dos casos em que o filho fica doente quem cuida é a mãe, contra 15% o pai. Acompanhar refeições (83%, elas a 18%, eles); levar ao médico ou dentista (89% a 22%); e ir a reuniões na escola (78% a 21%)

– Para 93% delas, o relacionamento é considerado ótimo/bom com os filhos. E 65% avaliam ter dedicado o tempo necessário aos filhos. Já entre os homens, 88% avalia a relação com filhos como ótima/boa e apenas 49% acham que dedicaram o tempo necessário.

 

Labuta doméstica

 

– 9% têm faxineira

– 4%, empregado doméstico

– 1% dorme no emprego

 

Solidão pesa mais para elas

 

– 60% de quem mora sozinho na região Sul avalia a experiência como ótima/boa; é o maior percentual do país

– 38% dos que moram sozinhos nas regiões Norte/Centro-Oeste avaliam a experiência como ótima/boa. No Nordeste, são 42%; no Sudeste, 54%

– Na faixa dos 26 aos 40 anos, 77% das mulheres reclamam da falta de companhia; eles são apenas 30%

– 37% dos brasileiros são solteiros

– 24% de mulheres e homens solteiros no país moram com os pais

 

Impactos da separação

 

– 1 em cada 3 jovens diz ser  filho de pais separados, mas apenas 9% dos entrevistados declaram esta situação

– 6% são viúvos

– Em 75% dos caso é a mulher quem ajuíza o pedido de divórcio

– Só 45% pagam pensão. 43% dos que ganham de dez a 20 salários mínimos pagam, contra 31% dos que recebem mais de 20 salários

– O percentual de homens que paga pensão para a ex-mulher é de 7%. Entre as mulheres, a taxa das que pagam pensão aos filhos é de 1%

– 1 em cada 3 jovens é filho de separados

– 22% dos sulistas têm os pais separados, contra 25% em todas as outras regiões do país

– 2% dos entrevistados declararam ter filhos de outra relação, e menos ainda, 1%, convivem com filhos de casamento anterior e do atual

 

Casamento e fidelidade

 

– Quatro em cada dez mulheres votaram na “fidelidade” como o item mais importante para um casamento feliz. 35% delas preferiram o ''amor, 14% a “honestidade” e, surpresa, “filhos” e “vida sexual satisfatória” foram a opção de apenas 5%

– Para 37% dos homens a fideleidade também é o mais importante para o casamento, seguido de 35% o amor. 

– 49% de brasileiros casados

– 44% selam a união tanto em cartório de registro civil quanto em igreja

– Entre os homens, 50% querem se casar novamente e 318, não; entre as mulheres, o cenário é o oposto

– A classe A/B trai mais : 24% contra 16% na D/E

– Entre os que têm de 16 a 25 anos, 92% dos homens afirmam que o casamento está “ótimo” e “bom”. A diferença com as mulheres é de apenas três pontos percentuais: 89%.

– Depois dos 41 anos: 87% dos homens consideram ''bom ou ótimo'' o seu casamento,contra 77% das mulheres.

– 14% é o menor índice dos que acham que a fidelidade deve ser a principal qualidade de uma mulher e é registrado na faixa dos que ganham mais de 20 SM. Entre os mais pobres, é de 21%

– 14% dos casais entrevistados não têm filhos

– Solteiros que já se casaram ou viveram com alguém como se fossem casados são 17%

– 84% discorda de que o casamento deva ser mantido pelo “bem dos filhos”

 

Drogas e homossexualismo

 

– Entre os que ganham mais de 20 salários mínimos mensais, cai para 50% os que consideram muito grave fumar maconha

– No Norte/Centro-Oeste e no Sul a tolerância ao homosexualismo cai para 15%; no Nordeste, 10%

– 57% acham que uma relação homossexual de um filho homem é ''muito grave''. Já se o ocorresse com uma filha, 55% dos entrevistados não achariam ''muito grave''.

 

Aborto

 

– 87% condenaram a interrupção da gravidez. No caso de acontecer dentro da família o número decresce para 71%

– A resposta de o aborto ser “moralmente errado” foi dada por 90% dos que têm ou cursam ensino fundamental e por 77% dos de ensino superior

– 82% responderam que forneceriam apoio para que a filha levasse a frente a gravidez em qualquer situação. Mas quando a pergunta troca de gênero e se refere a um filho que engravidasse uma garota, o índice dos que apoiariam o nascimento em qualquer circunstância cai para 71%

– 15% dos pais entrevistados pressionam filhos a casar quando há a gravidez

 

Família espalhada

 

– 15% dos pesquisados têm alguém da família morando atualmente no exterior

– 27% dos que têm alguém da família que mora no exterior têm formação superior, bem mais que os 11% que têm apenas ensino fundamental

– 33% dos parentes de emigrados entrevistados tem renda superior a 20 salários mínimos

– A maioria relativa dos emigrados (19%) é das regiões Norte e Centro-Oeste

 

Veja a pesquisa na íntegra aqui.

 

*Interítulos do Vermelho.