O NEGRO BRASILEIRO E A MÍDIA
Em entrevista, o publicitário e diretor executivo do Instituto Mídia Étnica, Paulo Rogério Nunes, diz que é preciso descolonizar os meios de comunicação para resgatar conceitos e valores presentes na cultura negra.
Publicado 12/11/2007 18:54 | Editado 04/03/2020 16:43
Por Janice Muniz*
De acordo com ele, a estrutura dos meios de comunicação e seu conteúdo são extremamente nocivos à formação dos jovens e crianças afrodescendentes, pois exercem forte influência na forma de viver e ver o mundo. ''A tendência é negar sua própria identidade'', afirma. Para o ativista, as reflexões sobre racismo devem necessariamente pautar a concepção de TV pública no país: ''É tolerável que uma TV comercial não represente o negro, mas é inaceitável que uma TV pública, que se propõe a dar voz aos diversos segmentos da sociedade, faça a mesma coisa''.
Como em todas as esferas da sociedade, a mídia tem forte viés de classe, sendo que a diversidade não pode ser representada na televisão porque ainda se valoriza na TV, a matriz européia de pensamento e comportamento: a matriz do colonizador. Negros e indígenas não são representados de maneira digna na TV: ou são representados de maneira estereotipada ou não aparecem. Na verdade, o Brasil tem como uma de suas principais características a sua diversidade cultural e as diversas contribuições dos povos, mas a TV não representa estes grupos. Isso parte da ideologia que fez com que políticas públicas do Estado brasileiro e toda concepção dentro da escola, das universidades e nos meios de comunicação valorizassem e privilegiassem esta matriz européia. Ao valorizar apenas uma vertente étnica e racial nos meios de comunicação e nas outras esferas da vida, perde-se a chance de entender as outras contribuições trazidas pelos africanos e daqueles que já estavam aqui, como os indígenas. Isso é grave porque causa uma falsa imagem do país.
Pesquisas recentes mostram que as televisões têm apenas 5,5% de apresentadores e profissionais que aparecem no vídeo que são negros. Há também a ausência da discussão sobre a cultura negra. Por muito tempo, aprendemos na escola que o negro foi passivo no processo de colonização e escravidão no país, que a ciência e as artes, e tudo que o ser humano conseguiu produzir foi feito pelos europeus. Isso é uma mentira que o movimento negro vem denunciando nos últimos anos. É necessário contar as histórias dos grandes líderes negros, dos cientistas negros, mostrar contribuições que a mídia por muito tempo negou.
Para além da discussão sobre a cultura negra, é importante que haja negros falando disso e de outros temas, que sejamos fontes, repórteres, apresentadores. Mesmo que estejamos falando sobre arte, medicina ou física quântica, é importante que haja um negro lá, exercendo seu direito à comunicação.
Mesmo os avanços conquistados pelo movimento negro, demoram a ser refletidos nos meios de comunicação, pelo contrário, há, na mídia conservadora, um clima de fortalecimento do discurso contra as cotas, contra a regularização dos territórios quilombolas, ou seja, se articulando para deslegitimar as ações afirmativas. Essa elite, no geral, reconhece que existe racismo, mas não reconhece a necessidade de medidas para solucionar este problema, pois não se dispõe a arredar o pé um milímetro que seja, quando o assunto é a disputa por espaços que refletirão na divisão do poder.
*Janice Muniz é Procuradora Federal e membro do Comitê Estadual do PCdoB-ES.