CSC explica equívocos estruturais da tendência cutista CSD
A trajetória da CSC tem despertado interessantes debates, que revelam aos democratas e progressistas a essência do pensamento do sindicalismo classista. É, também, uma oportunidade para fortalecermos nossos laços com o conjunto do movimento sindical na
Publicado 21/11/2007 15:50
A tendência CUT Socialista e Democrática (CSD) publicou em seu site um artigo intitulado “O segundo erro histórico dos sindicalistas do PCdoB — a nova fase na construção do sindicalismo cutista e as tarefas da CSD”, que merece algumas considerações. Antes de tudo, um esclarecimento. A CSD é ligada à “Democracia Socialista (DS)”, tendência petista constituída em 1988 e que luta “pela transformação do PT em partido revolucionário como esforço e luta comum com outros setores socialistas do partido” — conforme está no site da DS. Pode, portanto, ser considerada uma aliada na luta pelo socialismo.
O artigo — assinado pelos membros da direção executiva da CUT Rosane Silva, Dary Beck Filho e Milton Canuto — na verdade se apóia em dois equívocos estruturais, como expressa o título, sem considerar que a Corrente Sindical Classista (CSC) entrou e saiu da CUT por razões políticas. No primeiro equívoco, já no início do artigo a CSD mistura alhos com bugalhos — questões partidárias com questões sindicais — ao afirmar que “os sindicalistas do PCdoB mantiveram, primeiro, uma unidade com os setores sindicais dos outros partidos comunistas (PCB e MR-8) e o sindicalismo pelego e atrelado ao Estado (ditatorial ou da transição conservadora)”.
Para a CSD, “aqueles setores se sentiam desconfortáveis” porque “fundar uma ‘central sindical’ era um desafio aberto à ditadura militar (…) e esses três agrupamentos comunistas tinham uma linha de evitar a radicalização da transição para a democracia”. Outro motivo para o “desconforto” daqueles sindicalistas seria o reconhecimento das oposições sindicais no processo de criação de uma central sindical unitária.
A contradição sobre a transição democrática
Há aqui falta de informação ou distorção dos fatos. As afirmações de que os comunistas evitavam a “radicalização da transição para a democracia” não têm a menor correspondência com a realidade. O combate à ditadura militar pelos comunistas do PCdoB contou com variadas formas de luta — da resistência armada, passando pelo movimento de massas, à frente política ampla, como foi o apoio a Tancredo Neves no Colégio Eleitoral (que tinha muita interface com a luta de massas), para pôr fim ao regime dos generais golpistas de 1964. As grandes ações de massas neste período só não foram mais unitárias, infelizmente, por conta de algumas ações exclusivistas.
No entanto, todas as forças de esquerda e progressistas — entre elas as ligadas à DS — se beneficiaram das conquistas democráticas obtidas neste período — como o reconhecimento das centrais sindicais, o fim das intervenções nos sindicatos e as conquistas democráticas asseguradas na Constituição de 1988, frutos das lutas populares. Ao mesmo tempo, jogaram nas costas das demais forças progressistas o peso — e o conseqüente desgaste político — desta opção tática flexível, uma demonstração de que o “esquerdismo” e o oportunismo andam de mãos dadas.
Esta contradição primária se deve, possivelmente, ao fato de dirigentes do PT — ao contrário dos comunistas — não terem passado pelos rigores da clandestinidade durante o regime militar. A incompreensão da flexibilidade tática, adaptando a forma de luta à cada realidade, de certa forma permeia setores do PT desde a sua fundação. Hoje, com Lula na Presidência da República, os petistas tiram lição deste processo ao fazer aliança até com o setor mais conservador do PMDB a fim de garantir a governabilidade do país. A vida, como sempre, mostrou-se mais forte do que os devaneios “esquerdistas” desta tendência petista.
A falsa tese da central unitária dos grupos ''esquerdistas''
A mesma inconsistência aparece quando o assunto é a fundação de uma central sindical unitária naquelas circunstâncias. A idéia surgiu no final dos anos 70, na esteira das manifestações populares que reivindicavam anistia e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Muito antes da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), realizada em 1981, a intenção de criar uma central sindical unitária ganhou forma por meio de diferentes iniciativas do movimento operário e das forças populares e democráticas que resistiam à ditadura militar.
Trata-se, portanto, de um movimento que precede à fundação do PT. Mas já nos preparativos da Conclat surgiram divergências — como o fim, ou não, da unicidade sindical — que oporiam as tendências sindicais petistas aos demais sindicalistas. Setores petistas chegaram a questionar a importância de uma central unitária naquelas circunstâncias com o argumento de que ela seria dominada pelos comunistas — uma vez que sindicalistas ligados ao PCB ocupavam postos importantes na Comissão Nacional Pró-CUT.
O resultado seria a fundação da CUT em 1983 por sindicalistas petistas e da Conclat (mais tarde CGT) pelos demais dirigentes sindicais. As grandes mobilizações e as greves gerais que agitariam o país em seguida só foram possíveis porque as duas centrais se uniram em torno das principais bandeiras que mobilizavam os trabalhadores. Nos debates da Assembléia Nacional Constituinte, os campos ficaram bem delimitados e provocaram a rearticulação do movimento sindical.
Em 1991, a CSC se incorporou à CUT por meio de um processo carregado de autocrítica. Era evidente, àquela altura, que a CSC errou em sua tática ao atrasar-se na aproximação efetiva de outras tendências progressistas — inclusive cutistas — e priorizar alianças, em alguns Estados, com setores conservadores do sindicalismo. Mas acertou ao defender a eleição de Tancredo Neves à Presidência da República, que possibilitou o fim do regime militar, e dar apoio ao presidente José Sarney nos primeiros anos da transição democrática. Do mesmo modo, a CSC desempenhou papel fundamental na unidade do movimento sindical combativo para a defesa dos interesses dos trabalhadores na Assembléia Nacional Constituinte de 1988.
Realidade brasileira exige defesa da unicidade sindical
Outra afirmação inconseqüente da CSD é a de que a CSC tinha como “estratégia” a defesa da unicidade sindical. Seria, segundo o artigo, uma “composição com (e não oposição ao) peleguismo” (sic). Para a CSC, a defesa da unicidade sindical se opõe ao modelo desregulamentado de relações de trabalho — concepção defendida pelas tendências cutistas que advogam uma diretriz para o sindicalismo orientada pela Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ou seja: a adoção do pluralismo sindical, posição imposta pela Ciosl tanto à CUT quanto à Força Sindical.
A idéia passada é a de que o atual modelo de organização sindical é ''autoritário'' — e, por isso, o sindicalismo vive entregue às mazelas. Equívoco. Esta tese não explica as deficiências do movimento sindical e reflete um desejo majoritário do capital. As deficiências do movimento sindical na verdade se devem aos próprios limites do sindicalismo e à sua natureza corporativa, economicista — agravados pela ofensiva neoliberal contra o trabalho e pelos processos de reestruturação produtiva em mais de duas décadas de estagnação econômica.
Os trabalhadores, no capitalismo, não são donos de seu destino porque o lugar onde trabalham não lhes pertence. Para a CSC, a organização sindical deve se fundar no ideal que inverte a primazia do capital sobre o trabalho e na conquista da plena emancipação social dos trabalhadores. E, para isso, a unidade é um valor fundamental. O pluralismo como princípio, na concepção da CSC, é sinônimo de liberalismo e dispersão — que só interessam ao capital. E a CUT, estranhamente, é adepta desta prática. É só ver a realidade sindical no campo, onde setores cutistas atuam abertamente dividindo a organização sindical dos trabalhadores camponeses.
A defesa da unicidade sindical é uma exigência da realidade social brasileira, sempre mais forte do que as teses ditas “modernas” mas que na prática significam a pulverização do movimento sindical. Não é por outro motivo que a retórica a favor do pluralismo sindical permeou toda a ''era FHC'' e esteve nos planos de todos os ministros do Trabalho do período neoliberal, de Paulo Paiva a Francisco Dornelles. Não é por outro motivo, também, que os partidos conservadores defendem o pluralismo para os sindicatos de trabalhadores e a unicidade para os sindicatos patronais.
A falsa e a verdadeira flexão sobre a unicidade sindical
Fica demonstrado, portanto, que a defesa do pluralismo sindical é, em muitos aspectos, canhestra e serve aos patrões. Para a CSC, a unicidade sindical é um mecanismo que regulamenta a organização sindical, e, de quebra, inibe a fragmentação e o paralelismo sindical. Dizer que a unicidade sindical é a “última trincheira do sindicalismo pelego e atrelado ao Estado”, como faz o artigo da CSD, não passa de provocação. Na verdade, é uma posição cupulista. Os companheiros desta tendência devem lembrar-se de uma pesquisa feita durante um congresso da CUT que revelou a preferência da maioria das bases pela unicidade sindical, por meio de seus sindicatos filiados.
A CSD também tergiversa ao dizer que a CSC ensaiou uma “flexão” durante o Fórum Nacional do Trabalho (FNT) sobre a unicidade sindical. Na 9ª Plenária da CUT, quem ensaiou uma flexão foi a Articulação Sindical e a CSD — que votaram a favor da unicidade sindical para os sindicatos, na base, dando vitória à CSC nesta questão. A vida, outra vez, mostrou-se mais forte do que os devaneios liberais desta tendência sindical.
A CSD também tergiversa ao não reconhecer que a unicidade sindical regulamenta a organização sindical. Basta se informar um pouco para saber que a Constituição de 1988 rompeu, em boa medida, com a estrutura intervencionista do Estado e avançou no rumo da liberdade e da autonomia sindical. Aliás, sobre esta questão a CSD também deveria observar melhor a autonomia sindical da CUT diante do governo Lula, dos partidos políticos e do capital — que, na prática, tem se revelado comprometida.
O germe do segundo equívoco estrutural da CSD
O artigo da CSD passa rápido pelos conturbados anos 90, sem fazer uma crítica consistente sobre as tensões geradas pelas contradições que se manifestaram com força em decorrência das vacilações e do hegemonismo agressivo da força majoritária da Articulação Sindical. “A história do sindicalismo cutista nos anos 90 está ainda para ser contada, mas quando for, não pode ser de forma unilinear”, limitou-se a dizer o artigo. Concordo. Mas já é possível afirmar que a CSC se aliou às principais tendências cutistas por razões políticas — sem, contudo, abrir mão das críticas.
Nos anos 90, quando a CUT andou na corda bamba, a CSC se opôs energicamente ao “entendimento nacional” proposto pelo governo Collor e aceito pela CUT; combateu com firmeza o “acordo da Previdência” selado por Vicentinho com FHC; e jogou peso contra todas as tentativas de “reformas”, que sempre seduziam a Articulação Sindical. A CSD, no entanto, passa ao largo destas questões. Mal comenta o “acordo da Previdência”.
Mas é na análise da CUT após a eleição de Lula, em 2002, que o artigo da CSD sai dos trilhos definitivamente. “O sentido desta chapa unitária (formada por todas as tendências contra as correntes “esquerdistas” que pregavam a oposição acrítica ao governo Lula) era o de levar adiante uma direção compartilhada da central, com base em um programa (…) de impulsionar as lutas no sentido de mudar a correlação de forças na sociedade e abrir caminho para avanços à esquerda na conjuntura (governo Lula)”, escreve a CSD.
Esta formulação contém o germe do segundo equívoco estrutural do artigo da CSD. De fato, o papel da CUT frente ao governo Lula foi uma das questões mais delicadas do 8° Congresso da central, realizado em 2003, quando Luiz Marinho foi eleito presidente. A união das “três principais tendências sindicais” (segundo critérios da CSD) — Articulação Sindical, CSC e a própria CSD —, foi decisiva para enfrentar as propostas dos grupos “esquerdistas”, que já pregavam uma oposição frontal ao governo recém-eleito. Mas, em seguida, o que se viu foi uma fase de paralisia da central.
Até Lula criticou a paralisia da CUT
O diagnóstico para o bloqueio da “gestão compartilhada” feito pela CSD está coberto de equívocos. Primeiro, o artigo atribui a paralisia da CUT às “tensões que explodiram dentro da Articulação Sindical, levando-a a funcionar, na prática, como dois agrupamentos separados e em permanente disputa no cotidiano”. Depois, diz que “a necessidade de administrar sua crise interna fez com que a Articulação Sindical não cumprisse boa parte dos compromissos de gestão”. Por último, apela para uma confusa análise de conjuntura, associando a paralisia “da direção cutista” à “dificuldade política” representada pela contradição de defender as “reivindicações imediatas” dos trabalhadores frente aos “avanços políticos conquistados pela classe trabalhadora no plano institucional”.
A CSC vê o problema por outro ângulo. Para nós, a paralisia da CUT tem origem nas primeiras ações do governo Lula na área econômica e se prolonga até os dias atuais. A CUT, aturdida pelas primeiras medidas “ortodoxas” anunciadas pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, passava ao largo da essência do problema. Para se ter uma idéia, enquanto a taxa de juros oficial — a Selic — disparava, a central promovia uma campanha nacional visando a redução das taxas de juros cobradas pelos bancos. A CUT chegou a procurar representantes da Federação Brasileira dos Bancos (Febrabran) e do governo para discutir o assunto.
Até o presidente da República criticava a CUT. Em fevereiro de 2003, Lula reuniu-se com a direção executiva nacional da central e repreendeu os sindicalistas que exigiam aumento ou reposição salarial sem, segundo ele, se dar ao trabalho de ''meter o dedo'' durante a elaboração do Orçamento. ''Defendo sobretudo um sindicato que se preocupa com as coisas que acontecem em Brasília. Por exemplo, quando está se discutindo política tributária no Congresso, a discussão deve interessar mais ao sindicato do que apenas uma reivindicação de 5% em sua categoria específica'', disse o presidente.
Os motivos da paralisia da CUT após 2002
O fato de a CSC ter participado da chapa encabeçada por Luiz Marinho no 8º Congresso não arrefeceu as nossos críticas sobre como a Articulação Sindical e a CSD conduziram o processo. A discussão em torno de quem comporia a chapa da tendência majoritária foi tratada como segredo de Estado. Circularam rumores de que o próprio Lula teria influenciado na escolha de Marinho como candidato a presidente da CUT. O então novo presidente da central assumiu dizendo que o movimento sindical precisava se “modernizar” e passar por uma “reforma profunda”, que dependeria mais de um entendimento mínimo entre todas as centrais do que da própria atuação do governo.
Enquanto a CUT se afundava na paralisia, Marinho logo voltaria a se envolver em outra polêmica — o anúncio de um ''contrato social'', apoiado publicamente por Lula e publicamente combatido por Palocci. O “pacto social” de Marinho previa que durante três anos o “setor produtivo” seria submetido a uma espécie de controle de preços, aliado à injeção de investimentos. Um dos objetivos, segundo o presidente da CUT, seria o de impedir a alta dos juros.
Marinho disse que o “pacto social” contava com o apoio do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e outros grupos empresariais. O estreitamento das relações entre a CUT e a Fiesp também resultou numa tentativa de acordo entre as duas entidades sobre a “reforma” sindical. A defesa desta tese levou o FNT a divergências profundas, inviabilizando qualquer avanço na estrutura sindical brasileira. Eis aqui, em rápidas pinceladas, os motivos pelos quais a CUT entrou numa fase de paralisia após a vitória de Lula em 2002.
A falsa polêmica entre Trotski e Lênin
O ponto seguinte do inconsistente artigo da CSD é a explicação da “ruptura” da CSC com a CUT. Novamente misturando alhos com bugalhos — entidades sindicais e partidos políticos —, a CSD define que esta é “uma decisão difícil para esse agrupamento (a CSC)”. E tenta justificar sua tese com “o mais duro combate público à iniciativa do PSTU de rachar com a CUT”, feito pela CSC. Houve, sim, manifestações de posições pessoais com o intuito de defender a unidade do movimento sindical naquele momento. Mas jamais a CSC se posicionou ou emitiu oficialmente uma opinião pública sobre a saída daquela e de outras tendências da CUT.
A linhas tantas, o artigo diz: “E assim como o PSTU rompeu com a CUT contra Trostki, o PCdoB racha com a CUT agora contra Lênin.” É um argumento que tem a consistência de uma bolha de sabão. Só a completa incompreensão da influência dialética nos processos sociais pode explicar tal diatribe.
Quem se guia pelas teses leninistas — antítese das teses trotskistas — sabe que um dos princípios fundamentais da luta revolucionária é a análise concreta da realidade concreta. E que a essência da tática está na leitura real da correlação de forças em cada momento. Se a realidade mudou, mudemos a tática. E a análise concreta da realidade dos nossos dias resulta da conclusão de que a situação conjuntural de hoje é completamente distinta daquela dos anos 80 e 90.
A CSC sai da CUT justamente para buscar ampliar a unidade do movimento sindical — como pode ser verificado em nossos documentos recentes. O problema é que a CSD — assim como a força majoritária da Articulação Sindical — vê o universo sindical brasileiro como extensão do seu umbigo. Se no final dos anos 80 a unidade do movimento sindical passava pelo fortalecimento da CUT, hoje a unidade requer uma organização mais ampla. Daí a proposta da CSC de uma nova Conclat — não entendida pelos companheiros da CSD.
Vícios históricos impedem que CSD compreenda unidade
A unidade, num projeto desta envergadura — de acumulação estratégica de forças —, implica em considerar a existência de três frentes de trabalho interrelacionadas: apoio às iniciativas populares do governo Lula e combate às medidas antipopulares; aliança com os demais movimentos sociais; e luta de idéias, reforçando a tendência progressista. É possível dizer com segurança que o Brasil sob o governo Lula tem o germe da mudança.
A questão é que a semente da mudança não brota por desejos. O movimento transformador é, antes de tudo, objetivo e não produto da vontade de quem quer que seja. Ele só evolui quando é fundamentado em relações econômicas e sociais bem determinadas. O problema das forças que lutam por mudanças, portanto, é o de unificar suas atividades, elaborar projetos que respondam minimamente aos desafios dos novos tempos e ter força política e de massas para influir nos rumos do país.
Os vícios cutistas históricos — principalmente o sectarismo e o hegemonismo — impedem que a CSD compreenda este fenômeno. Isto explica porque a CSD usa, como segunda justificativa para a tese da “decisão difícil” para a CSC de sair da CUT, a “unidade programática entre as três principais correntes no interior da central” nos dois últimos congressos da CUT. Com este argumento, a CSD tenta demonstrar que “não é verdadeiro” o “balanço de conjunto” que a CSC “ensaia para justificar a sua atitude”.
Falta de democracia vai além do que pensa a CSD
Já analisei acima como as coisas aconteceram no 8º Congresso cutista. No 9º Congresso, ocorreu mais uma fase da disputa acirrada pela presidência da central na Articulação Sindical, que expôs, mais uma vez, a profundidade das suas divergências e revelou o apego da força majoritária desta tendência à concepção de “avanços políticos conquistados pela classe trabalhadora no plano institucional” com a eleição de Lula.
A CSC, que mais uma vez não aceitou se subordinar à força majoritária da Articulação Sindical, liderou outra chapa — com o apoio das tendências O Trabalho, Tendência Marxista e Articulação de Esquerda. E por isso foi ameaçada de perder a vice-presidência. Já a CSD não hesitou em rebaixar suas bandeiras para se subordinar à força majoritária da Articulação Sindical e assim garantir seu espaço sem correspondência com as bases.
O fundamental, no entanto, é que a falta de democracia interna vai muito além deste ponto. Já nos preparativos do Congresso, ficou evidente que a disputa por espaços na Articulação Sindical eliminaria qualquer possibilidade de unidade entre as tendências da central. A CSC adotou o lema “Por uma CUT autônoma, unitária e combativa”, proclamando que o movimento sindical brasileiro se deparava com o desafio de mobilizar os trabalhadores para “estimular a luta pelas mudanças no país, tendo como objetivo a viabilização de um novo projeto de desenvolvimento nacional, com soberania e valorização do trabalho”.
Para a CSC, havia indícios de que o hegemonismo da força majoritária da Articulação Sindical seria ampliado. Esse ponto colocava em perigo a participação da central no jogo político com uma posição firme a favor dos trabalhadores porque, mesmo tendo aliados, a força majoritária da Articulação Sindical, em aliança com a CSD, agia com exclusivismo. A conseqüência disso é que a central pouco fez pela luta a favor de um projeto de desenvolvimento nacional, com soberania e valorização do trabalho.
A CSC já alertava, no 9º Congresso, que esta atitude da Articulação Sindical poderia levar a CUT a uma divisão mais profunda. E foi o que aconteceu. A saída de sindicalistas que formaram a Conlutas, das tendências ligadas ao PSOL e ao PCB e do Fórum Socialista, vertentes políticas com indiscutível influência sobre um setor dos trabalhadores brasileiros, foi a primeira evidência disso. A CSD, no entanto, se recusa a tirar lições deste processo rico em ensinamentos.
A CSD se acomodou às práticas antidemocráticas
A CSD também tece considerações sobre o Congresso Estadual da CUT-BA, fraudado pela Articulação Sindical. “Em homenagem à verdade, há que se dizer que lá, desde sempre, o problema de qual é a real base de sindicatos cutistas e o número de associados a esses sindicatos tem sido endêmico, tanto pela Articulação Sindical como pela CSC”, escreve a CSD. A verdade nua e crua, porém, é que os métodos antidemocráticos utilizados pela Articulação Sindical eram concebidos no núcleo central da CUT. Todo o processo de preparação e realização de congressos estaduais da CUT é centralizado, de modo absoluto, pela sua direção nacional — sobretudo pela tesouraria.
A CSD, no entanto, nunca condenou energicamente esta prática autoritária. Nem tampouco se pronunciou, no artigo, sobre as fraudes nas eleições de alguns sindicatos no Rio de Janeiro durante a atual gestão da CUT estadual, promovidas pela Articulação Sindical contra a CSC. Uma verdadeira demonstração de neopeleguismo. Isso também demonstra que essa tendência cutista se acomodou às práticas antidemocráticas da força majoritária da Articulação Sindical e atesta o seu divórcio das bases reais dos trabalhadores. A CSD deveria refletir sobre estas questões para, quem sabe, tomar consciência do abismo que está cavando.
O artigo contém ainda acusações levianas, que se estendem ao âmbito partidário e à legislação que está sendo criada para o funcionamento das centrais sindicais por meio de um acordo com o governo. Julgo desnecessário comentar estes temas aqui — a não ser lembrar que a CUT, em conjunto com as demais centrais sindicais, protagonizou o acordo com o governo e não vi nenhuma manifestação pública contrária por parte da CSD. Quero pular esta parte para entrar logo no “tema internacional”.
A falsa “unificação internacional” da Ciosl-CMT
Neste item, depois de uma série de diatribes — que pode ser sintetizada na defesa da “unificação sindical internacional” (Ciosl+CMT=CSI) —, a CSD considera que “talvez seja na política internacional onde menos questionamentos” a CSC “possa apresentar à CUT”. Para começo de conversa, esta “unificação sindical internacional” não representa de fato a unificação porque ela excluiu a FSM. A tática foi a de tentar pinçar sindicatos da FSM — usando a velha tática de pescar em águas turvas.
A CSD chega ao ponto de afirmar que “a proposição de uma refundação da FSM como central sindical mundial dos comunistas ou coisa parecida não está no horizonte sequer da principal entidade filiada a essa central mundial — a CTC de Cuba”. A própria resolução do XIX Congresso da CTC responde a esta falsa afirmação. “Trabalhar pelo fortalecimento da Federação Sindical Mundial (FSM) e seu desenvolvimento, como verdadeira expressão do movimento sindical classista, revolucionário e antiimperialista que necessitamos hoje”, afirma o documento.
A CSD afirma também que “o Fórum Sindical das Américas (como espaço unitário de todas as correntes sindicais, independentemente de sua afiliação internacional) que os companheiros reivindicam foi resultado da atuação da CUT junto à Orit, na seqüência do trabalho realizado dentro do Fórum Social Mundial com a Ciosl e a CMT para a realização dos Fóruns Sindicais Mundiais (também plurais e unitários, com participação inclusive de representantes de sindicatos filiados à FSM)”. É outra afirmação falsa. A FSM sequer foi convidada para o evento.
Ademais, antes da “unificação sindical internacional” a Ciosl já representava o casamento da social-democracia européia com o tradeunionismo norte-americano e com a democrata-cristã (CMT). O programa aprovado no congresso de fundação da CSI reafirma a velha intenção de “humanizar” a globalização, de priorizar a atuação nas instâncias multilaterais (como o FMI, o Banco Mundial e a OMC) e de reforçar a negociação tripartite entre capital, governos e trabalhadores.
Em dez páginas, o programa prega o “desenvolvimento de um novo modelo de globalização”, sem questionar a lógica capitalista, e propõe a “democratização dos órgãos financeiros mundiais”. A CSI quer que estes organismos reconheçam “a primazia dos direitos humanos sobre as regras econômicas”. Na prática, a CSI representa uma nova fase de consolidação do reformismo sindical.
A visão impregnada de anticomunismo da CSI
É sabido que a Ciosl, criada em 1949, nasceu no contexto da “guerra fria” para domesticar a luta de classes — o seu estatuto pregava “o combate ao comunismo”. Após dividir a FSM, central unitária fundada em 1945, a Ciosl cumpriu um papel histórico desprezível. Entre outros crimes, apoiou o cerco capitalista ao bloco soviético e a Cuba, foi cúmplice de guerras imperialistas na Coréia e no Vietnã, estimulou e financiou golpes militares no Brasil, Chile e Argentina.
Como disse o ex-ministro do Trabalho e um dos autores da CLT, Arnaldo Sussekind, no livro Instituições do Direito do Trabalho, a Ciosl tem origem suspeita, “pois, na verdade, é dominada e sustentada pelos sindicatos norte-americanos, tendo atrás o Departamento de Estado”. Seu braço latino-americano, a Orit, participou ativamente do desmantelamento do movimento sindical brasileiro durante o processo de consolidação do regime militar.
É verdade que no interior da Ciosl existem importantes organizações sindicais que lutam e defendem os direitos dos trabalhadores e que, no plano internacional, mantêm uma política respeitosa de colaboração e a solidariedade com os povos do chamado “Terceiro Mundo”. Mas também há as que usaram o pretexto de que era preciso ingressar na Ciosl para mudá-la por dentro e hoje fazem o pior papel em suas fileiras. Já a CMT, originária da Confederação dos Sindicatos Cristãos (CISC) criada em 1920 com apoio do Vaticano e dos partidos democratas-cristãos, sempre teve menor expressão no sindicalismo e nunca aceitou discutir qualquer unidade orgânica.
A visão direitista, ainda impregnada de anticomunismo e bastante funcional ao imperialismo, manteve-se no processo de fundação da CSI. Tanto que a “nova” central excluiu as correntes não identificadas com sua linha de atuação. Isto fica patente em um dos seus documentos fundantes. “A Ciosl tem insistido permanentemente que a unificação só poderá ter lugar com base nos princípios do sindicalismo democrático e independente, que inspiraram sua criação”, afirma o texto.
Essa terminologia, dos tempos da “guerra fria”, significa a total exclusão das centrais de Cuba, China, Vietnã e Coréia. Até a recém-criada União Nacional dos Trabalhadores (UNT) da Venezuela, oposta à golpista e patronal CTV, não se encaixa em seus requisitos. Os companheiros da CSD também deveriam explicar por que a CTC (Cuba), a CTA (Argentina), a CTE (Equador), a CGTP (Peru), a COB (Bolívia), a PIT-CNT (Uruguai), parte significativa da CUT da Colômbia — os classistas, que não colaboram com o governo direitista do presidente Álvaro Uribe — e a Frente de Energia dos Trabalhadores do México não estão alinhadas à CSI.
A refundação da FSM representa linha de resistência
A CSD também deveria explicar por que se soma à Força Sindical e, agora, à UGT, que tanto criticam no Brasil, nas viagens internacionais de apoio à CSI-Orit. Com todo o respeito ao trabalho realizado por esta tendência na América Latina, a situação é mais complexa do que imagina a CSD. O movimento operário internacional foi duramente atingido pela derrota do socialismo no Leste Europeu, pelos erros cometidos por estas experiências e pela brutal ofensiva neoliberal contra a classe trabalhadora.
A refundação da FSM representa uma linha de resistência até a construção da verdadeira unidade do movimento sindical internacional — sem exclusão e numa perspectiva anticapitalista. É uma iniciativa insuficiente, não há dúvida. Entretanto, a força que a FSM vem adquirindo reflete, sem dúvida, o acirramento da luta de classes na América Latina.
A CSC defende, sim, a unidade de ação contra o neoliberalismo pelo conjunto do movimento sindical, independentemente de suas filiações internacionais. Para que sejam dignos de respeito, portanto, os que no passado dividiram a FSM deveriam fazer sincera autocrítica e não ser excludentes com as demais organizações somente porque pensam de forma diferente. A CSD, no entanto, ignora solenemente este detalhe.
A saída da CSC da CUT, portanto, têm motivos muito mais profundos do que os alegados pelo artigo da CSD. Para a CSC, os princípios da democracia interna, da autonomia frente aos partidos, aos governos e ao capital, somados à transparência no trato do custeio da central, são determinantes para a coalizão de forças internas de uma organização de classe. Entende, diferentemente da CSD, que estas questões ficaram comprometidas com os métodos utilizados no interior da CUT.
O tom de ameaças da CSD revela insegurança
Estas razões explicam o fato de a CUT, em vez de crescer com a vitória da classe trabalhadora e do povo brasileiro com a eleição de Lula, perdeu forças significativas do movimento sindical classista. A CSD deveria refletir, de forma autocrítica, sobre estes fatos antes de lançar acusações pretensiosas — falando em “erro histórico”. O tempo é o dono da história. Sindicatos e centrais sindicais são instrumentos; o sujeito histórico são as massas populares e a classe trabalhadora. Isto sim é a referência da CSC. A vida vai dizer quem está cometendo “erro histórico”.
Outra afirmação estranha da CSD é a de que “disputas pela desfiliação e filiação de entidades de base a esta ou aquela central sindical não transcorrem em clima amigável e cordial”. Para a CSC, a disputa no campo político e das idéias é bem-vinda. Isso não pode ser pretexto para ameaçar a unidade do movimento sindical. O tom de ameaça da CSD revela, no fundo, insegurança. Uma afirmação neste tom é inaceitável quando parte de dirigentes sindicais revestidos de altas responsabilidades.
O objetivo não é fazer este tipo de disputa. A fundação de uma central com perfil plural, democrático e classista é a forma mais adequada de inserir as propostas da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB) no debate que hoje se desenvolve no país. O cenário de mudanças progressistas que emerge na América Latina abre espaços para a formação de um pólo com condição de ampliar e unir mais o movimento sindical. Mais do que isso: esse novo pólo pode descortinar horizontes estratégicos e apontar para os trabalhadores, na batalha antiimperialista e anticapitalista, o caminho da superação do neoliberalismo e a abertura de clareiras rumo ao socialismo.