Sem categoria

Tropa de Elite nos ajuda a refletir sobre causas, efeitos e medidas de combate à violência

Nos morros e favelas, as invasões sem mandados de busca e apreensão, sem respeito ao morador, junto à truculência desmedida, nos fazem refletir que precisamos mudar a todos nós, sem exceção.


 


por RUI YOSHIO KUNUGI *

Os autores Luiz Eduardo Soares (Prof. de Antropologia da UERJ), André Batista (Oficial da PM e bacharel em direito) e Rodrigo Pimentel (ex-Oficial da PM e sociólogo), escreveram  o livro “Elite da Tropa”, que seria ficção , mas retrata fatos do cotidiano vivido por policiais do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro), durante a seleção de ingresso na corporação. O livro explora suas frustrações e seus sonhos, diante da Caveira com a faca encravada.


 



O filme, que  se inspirou no livro, discute quatro pontos centrais vividos pelo Capitão Nascimento (que para muitos seria Rodrigo Pimentel, suposição não confirmada nem descartada): a guerra contra as drogas, a corrupção policial, a violência e a tortura e a convivência social e familiar dos policiais.


 


No que se refere à guerra contra as drogas, os personagens que gravitam junto ao personagem central — ou seja, Maria (a estudante da PUC-RJ, diretora de ONG e usuária de maconha), Matias (estudante da PUC-RJ, que seria André Batista, oficial da PM e negro), Baiano (suposto chefe do tráfico do Morro do Turano), Neto (oficial da PM morto quando estava ingressando no BOPE)– estão envoltos nesta guerra, seja como usuários (estudantes da PUC- Rio), traficantes (estudantes da PUC-Rio e Baiano), e combatentes (Neto, Matias e Nascimento). O interessante é que a relação tráfico-uso-tráfico está estampada de forma clara e gritante. Os autores alegam que o tráfico existe somente por causa do uso, já que são os usuários que alimentam o tráfico nos morros do Rio. Na internet, onde sobram críticas e elogios ao filme, pode-se notar claramente que um grupo ataca o preconceito que o filme cria, ou seja, o estereótipo de que todos os traficantes estão nos morros, enquanto que nos bairros nobres, as elites apenas participam como usuárias, o que é uma grande mentira. É claro que o tráfico não esconde-se em determinadas classes sociais, pois em todas as classes econômicas temos a figura do traficante, tanto aqueles que negociam diretamente com a droga como os que fazem lavagem do dinheiro ilícito obtido pela venda. Mas a  grande imprensa –como bem falou Marilene Felinto na revista Caros Amigos— estigmatiza as classes mais humildes que foram expulsas dos grandes centros e passaram a habitar as periferias.


 


Outro polêmico ponto abordado é a corrupção. Vale ressaltar que em nenhum momento os autores envolvem a Polícia Civil neste assunto. De forma clara e distinta, os autores, tanto no livro como no filme, descrevem a simbiose perversa entre o tráfico e os policiais bandidos, o jogo do bicho e os mesmos policiais, geralmente nas coletas dos “arregos” (nome dado para a propina) para que os maus policiais militares fizessem “vistas grossas” para estes tipos de crimes.


 


O filme sugere que no BOPE a corrupção policial não é tolerada. De forma objetiva, o narrador diz das condutas de oficiais da PM como Capitão Fábio, o Major Oliveira (o testa-de-ferro do comandante da companhia), entre outros oficiais e comandados que são corruptos ou lenientes com a corrupção da corporação. Neste ponto, os autores retratam a ojeriza à corrupção, por ser ela a mola mestra da violência, o que é um fato. Outra forma de corrupção retratada pelos autores do filme é o contato do comandante da companhia dos policiais corruptos com um deputado, que negociava a promoção de um dos seus subordinados, visando auferir lucros com outra companhia a ser tomada.


 


As cenas que mais chocam, sem dúvida, são as torturas praticadas pelos policiais do BOPE e a violência nos contatos com os traficantes que usam a lei do cão, matando “delatores”(conhecidos como X-9 ou caguetas), além de impor o toque de silêncio nas comunidades em que estão presentes.



 



Neste ponto, são preocupantes as declarações de Rodrigo Pimentel que afirmou que as pessoas que assistiram ao filme não se revoltaram com as torturas praticadas pelo BOPE pois “a sociedade está entorpecida com o caso do menino João Hélio”, ou seja, usam a vingança para justificar as práticas equivocadas adotadas por esta tropa de elite.



 



Chama atenção também o fato do filme não contar os surgimentos das milícias, compostas por policiais civis e militares, ex-militares e civis, bem como militares das forças armadas e vigilantes de empresas de segurança privadas. Porém, ao refletir sobre esta guerra estúpida, o ator Wagner Moura, em uma das suas falas, retrata a falência do Estado na prevenção da violência.



 



A vida privada do policial é outro ponto destacado do filme, que salienta alguns dos problemas enfrentados pelos membros da corporação. O filme concentra esta questão no personagem capitão Nascimento ao retratar seus conflitos familiares em cenas como as em que sua esposa discute a sua permanência no BOPE, o seu papel enquanto futuro pai , suas explosões de ira, o estresse sofrido em virtude do trabalho e o contato com a mãe do “fogueteiro”  do tráfico, que pede a ele a possibilidade de velar seu filho.



 



Todos estes aspectos abordados pelo filme permitem algumas conclusões e até mesmo propostas para o combate à violência urbana. São elas:



 



 


A discussão da legalização, da descriminalização ou despenalização do uso de entorpecentes: a descriminalização  do uso de entorpecentes é a melhor solução, combinada com o uso controlado pelo Estado da droga ilícita e a ampliação da rede pública de saúde, em relação a psiquiatria, para tratamento de dependentes químicos que queiram parar de usar tais substâncias. O uso controlado possibilitaria, sem dúvida alguma, a quebra do tráfico de entorpecentes e ainda a diminuição gigantesca da corrupção nas instituições que fazem de conta que brigam com o tráfico.



 




 



Em São Paulo, os batalhões do CHOQUE, incluindo a ROTA, participam de operações chamadas de “saturação” em locais onde a violência é maior. Policiando ostensivamente o local, oferecendo auxílio  na área da saúde, dando palestras para as crianças e buscando aproximar-se da sociedade local, tais tropas de elite tem desempenhado um valioso papel social que merece ser elogiado. Quando em operações de combate à violência nestas regiões, os índices de letalidade são baixíssimos, em comparação a outras onde a mesma ação não ocorre. Isto mostra que a polícia quando quer trabalhar bem, tem condições de fazê-lo de forma exemplar.



 




 



Combater o etiquetamento social dado pela imprensa: as favelas ou morros têm, na sua maioria absoluta, pessoas de bem. Com o filme, fica claro que a polícia ainda seleciona aonde deve atuar. Nos morros e favelas, as invasões sem mandados de busca e apreensão, sem respeito ao morador de um barraco ou casa simples, a truculência desmedida nos fazem refletir que precisamos mudar a todos nós, sem exceção. Este etiquetamento deve ser abolido aos poucos, com uma mudança profunda da sociedade e de seu modo de pensar.



 




 



*RUI YOSHIO KUNUGI é docente credenciado de criminologia na ex-Academia Penitenciária da Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, ex-mestrando em Teoria Geral do Estado pela Unesp-Franca e advogado criminalista.