2008 marca 90 anos da morte de Leandro Barros, o pioneiro do cordel

Março de 2008 marcará os 90 anos de morte do maior expoente da Literatura de Cordel no Brasil, Leandro Gomes de Barros. O poeta nasceu na fazenda Melancia, em Pombal-PB (hoje município de Paulista-PB), no dia 19 de novembro de 1865 e faleceu em Recife-PE,

Leandro Gomes de Barros, paraibano nascido em 19/11/1865, na Fazenda da Melancia, no Município de Pombal, é considerado o rei dos poetas populares e o pioneiro na publicação de folhetos rimados. Mudou-se para a Vila do Teixeira,  considerada o berço dos fundadores da Literatura Popular nordestina, onde permaneceu até os 15 anos de idade tendo conhecido vários cantadores e poetas ilustres. Do Teixeira vai para Pernambuco e fixa residência em Vitória de Santo Antão, depois Jaboatão e a partir de 1907 no Recife, onde viveu de aluguel em vários endereços, imprimindo a maior parte de sua obra poética no próprio prelo ou em diversas tipografias. É autor de dois folhetos que serviram de inspiração para ''O AUTO DA COMPADECIDA'', de Ariano Suassuna (O cavalo que defecava dinheiro e O testamento do Cachorro).


 


 


 


Portador de grande verve humorística e satírica, Leandro foi impiedoso com as classes dominantes, tendo sido crítico mordaz  da República Velha, dos ingleses, dos impostos, dos vícios do clero e dos abusos praticados pelos senhores de engenho da Zona da Mata. Foi um dos poucos populares a viver unicamente de suas histórias rimadas, que foram centenas. Leandro versejou sobre todos os temas, sempre com muito senso de humor. Começou a escrever seus folhetos em 1889, conforme ele mesmo conta nesta sextilha de A Mulher Roubada, publicada no Recife em 1907:


 


 


Leitores peço-lhes desculpa


se a obra não for de agrado


Sou um poeta sem força


o tempo me tem estragado,


escrevo há 18 anos


Tenho razão de estar cansado.


 


 


Na crônica intitulada Leandro, O Poeta, publicada no Jornal do Brasil em 9 de setembro de 1976, Carlos Drummond de Andrade o chamou de ''Príncipe dos Poetas'' e assinala:


 


 


''Não foi príncipe dos poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro''. E diz mais: ''Leandro foi o grande consolador e animador de seus compatrícios, aos quais servia sonho e sátira, passando em revista acontecimentos fabulosos e cenas do dia-a-dia, falando-lhes tanto do boi misterioso, filho da vaca feiticeira, que não era outro senão o demo, como do real e presente Antônio Silvino, êmulo de Lampião''.


 


 


Após o seu falecimento, em 4 de março de 1918, no Recife, o poeta e editor João Martins de Athayde, em seu folheto A Pranteada Morte de Leandro Gomes de Barros, escreveu:


 


 


Poeta como Leandro


Inda o Brasil não criou


Por ser um dos escritores


Que mais livros registrou


Canções não se sabe quantas


Foram seiscentas e tanta


As obras que publicou


 


 


 


 


O POVO NA CRUZ (1906)
Autor: Leandro Gomes de Barros



 
Alerta, Brasil, alerta!
Desperta o sono pesado,
Abre os olhos que verás
Teu povo sacrificado
Entre peste, fome e guerra
De tudo sobressaltado.



 
O brasileiro hoje em dia
Luta até para morrer,
Porque depois dele morto
Tudo nele quer roer,
De forma que até a terra
Não acha mais que comer.



 
A fome come-lhe a carne
O trabalho gasta o braço
Depois o governo pega-o
Há de o partir a compasso
Estado, alfândega, intendência.
Cada um tira um pedaço.



 
O médico cobra a receita
O boticário a meizinha,
O juiz confisca logo
Alguns bens, se acaso tinha,
Inda ficando uma parte
Diz a Intendência: – É minha!



 
Assim morre o brasileiro
Como bode exposto à chuva,
Tem por direito o imposto
E a palmatória por luva
Família só herda dele
Nome de órfão e viúva.



 
Morrendo um pobre diabo
Se acaso deixar dinheiro,
Ainda deixando um filho
Este não é seu herdeiro
Só herda dele o juiz,
O escrivão e o coveiro.



 
E o governo bem vê
Nossos martírios cruéis
Só faz é nos botar selo*
Da cabeça até os pés
Diz: – De manhã morre um
Ao meio-dia nascem dez.



 
* Selo – estampilhas dos impostos



 
E grita: – Viva o imposto,
Morra quem estiver doente,
Morrem cem, nascem dez mil,
O Brasil tem muita gente
O tempo está muito bom
Toca o banquete pra frente!



 
O governo estraga o pão
Dizendo: – Não custou nada,
Dinheiro nasce no mato
Acha-se em qualquer estrada,
Vendo o mendigo morrer
Como fosse ao pé da escada.



 
Porque o pobre infeliz
A quem a fome deu cabo
Diz o prefeito morreu
Pode levar o diabo
Diz o coveiro: – De graça
A sepultura eu não abro.



 
São estas as garantias
Que competem ao brasileiro,
Tem fome em cima do pão
Ser pobre tendo dinheiro
Ser mandando pelos servos
Isto causa destempero!



 
Como vive o brasileiro
Com três impostos a pagar?
Um corpo com três feridas
Como assim pode escapar?
Um ser escravo de três
Se acaba de trabalhar.



 
São tantas perseguições
Dos impostos que se paga
Que um fiscal pra nação
Não pode haver maior praga
É como bala de rifle
Onde vai fura ou esmaga.



 
Não há mesmo quem resista
Esses impostos de agora
Diz o governo o que tem
Que morra tudo em u'a hora?
Quando o Nordeste acabar
Eu jogo o bagaço fora.



 
E se não houver inverno
Como o povo todo espera,
De Pernambuco não fica
Nem os esteios da tapera
Paraíba fica em nada
Rio Grande desespera.



 
O Rio de Janeiro hoje
Parece um grande condado,
Ri-se o rico, chora o pobre,
Lamentando o seu estado
Diz o governo: – Eu vou bem
Tudo vai do meu agrado.



 
São Paulo, para o governo,
É um primor da criação,
Eu acho até parecido
Com o Sítio da Maldição
Aquele que Judas comprou
Com o ouro da traição.



 
Filho de chefe político
Inda bem não é gerado
Diz o pai: – Minha mulher
Já tem no ventre um soldado,
Mas antes de sentar praça
Eu o quero reformado!



 
Assim antes de ser casa
Já podia ser tapera
Ou caju, que antes da fruta,
A semente já prospera,
Ou é raça de pescada,
Que antes de ser, já era.



 
Nosso Pernambuco velho
Há anos anda caipora,
Vendo-se a hora e o instante
Que a capital vai embora
O governo está marcando
Em botar-lhe o bagaço fora.



 
Paraíba, coitadinha,
Já perdeu toda a esperança
É mesmo que uma boneca
Nas unhas de uma criança,
Faz toda súplica ao governo
Mas suplica  e nada alcança.


 



Em que hoje está tornado
O país da Santa Cruz!
Está igual a mariposa
No calor do fogo ou luz
O brasileiro é um verme
O estrangeiro é mastruz.



 
O Brasil hoje só presta
Para inglês, padre e soldado,
Médicos, feiticeiros e brabos*
O mais vive acabrunhado,
De forma que fica o mundo
Por só estes situado.



 
O rico matando um pobre
Nem se recolhe a prisão
Diz logo o advogado
Matou com muita razão
Se passa um mês na cadeira
Recebe indenização.



 
* brabos = cangaceiros