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Altamiro Borges: ''Em defesa da Previdência social''

Um fantasma ronda os lares dos trabalhadores brasileiros – seja dos que estão na ativa ou dos que vivem das aposentadorias e das pensões. Desde abril passado, representantes do governo, dos empresários e dos trabalhadores participam das reuniões do Fórum

Mas, para a tristeza do patronato e da sua mídia, até agora nada de concreto foi aprovado. O jornalão O Globo de 31 de outubro choramingou: “Sete meses depois de inaugurado com pompa pelo presidente, o Fórum da Previdência encerrou, com dois meses de atraso, as suas atividades sem chegar a um único consenso relevante. Diante da resistência dos trabalhadores, não houve acordo sobre nenhum dos pontos centrais. Com isso, dificilmente a reforma sairá do papel no segundo mandato de Lula”. Apesar da notícia positiva, os sindicatos e os trabalhadores devem ficar em estado de alerta.



Afinal, no mundo inteiro o capital investe contra os direitos previdenciários, o que explica as recentes greves gerais na França e Itália. No caso do Brasil, os patrões não desistirão facilmente deste ataque, que envolve bilhões de reais, e já falam em retomar as reuniões do falido fórum. Eles insistem no aumento da idade de aposentadoria de 67 anos para homens e 62 anos para mulheres, na redução dos valores das aposentadorias, na elevação do tempo de contribuição e no estímulo aos fundos de previdência privada.



Os compromissos de Lula



Mesmo no interior do governo Lula há setores que apóiam esta regressiva reforma. Durante a campanha eleitoral de 2006, o ex-sindicalista Lula foi enfático: “Não mexerei na previdência; ela não é deficitária”. Empossado, o presidente suavizou o seu discurso e alguns ministros e tecnocratas palacianos passaram a sugerir mudanças “para as gerações futuras” – ou seja, para os nossos filhos. Luiz Marinho, ex-presidente da CUT e atual ministro da Previdência, propôs aumentar em cinco anos o tempo das contribuições, que saltaria dos 35 para 40 anos, ou da idade mínima da aposentadoria. Derrotado no seu intento, “o ministro anunciou que levará uma proposta de reforma previdenciária ao Palácio do Planalto, mesmo sem o fórum ter chegado a consensos sobre a mudança”, informou recentemente o jornal Valor Econômico.



Criticado duramente pelas centrais sindicais, ainda tentou despistar, dando uma de inocente: “Não estou propondo nenhuma crueldade. Estou querendo é dar sustentabilidade à previdência”. A conversa fiada do ministro é a mesma dos ambiciosos empresários e da sua mídia venal. Ela parte da falsa premissa de que a previdência é deficitária, é das mais generosas do mundo e será insustentável no futuro. Na prática, nega compromissos assumidos em praça pública pelo candidato Lula durante a campanha eleitoral. Na ocasião, o presidente reeleito argumentou que o crescimento econômico, ao gerar empregos e, como efeito, elevar a arrecadação previdenciária, é o melhor antídoto contra qualquer futura crise do setor. Agora, a conversa parece ser outra. As estranhas mudanças no discurso oficial e a violenta pressão do capital confirmam que é urgente desmascarar as manipulações dos inimigos da previdência no país e manter o estado de pressão.



As mentiras neoliberais



A ofensiva neoliberal contra os direitos previdenciários é toda ela baseada em manipulações grosseiras. A primeira delas é que a previdência é deficitária. Na prática, estes detratores rejeitam os próprios preceitos da Constituição de 1988. Nela foi consagrado o princípio distributivo, na qual a previdência faz parte da seguridade social, junto com a saúde, a assistência social e o seguro desemprego – como ocorre em várias nações capitalistas. Este princípio fixa que a seguridade social não será financiada exclusivamente pelas contribuições diretas dos trabalhadores, mas também por outros tributos indiretos cobrados da sociedade – como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e o PIS-Pasep.



Somando estes recursos, conforme a norma constitucional, a seguridade social é superavitária – e não deficitária. Em 2002, o superávit foi de R$ 32,9 bilhões; em 2006, atingiu R$ 47,8 bilhões. Isto apesar dos 20% dos recursos da seguridade desviados pela criminosa Desvinculação das Receitas da União (DRU), que transfere dinheiro para pagar juros aos banqueiros, dos fartos recursos usados em obras como a ponte Rio-Niterói e a Transamazônica e da brutal sonegação no país – até setembro passado, as empresas deviam à previdência R$ 121 bilhões. Mesmo quando analisadas apenas as contribuições e as despesas da previdência, o déficit não tem nada de apavorante. Mentirosa, a mídia alardeia que seria de R$ 40 bilhões.



Mas o ex-ministro da pasta no governo Lula, Nelson Machado, no seu curto mandato, mostrou que isto é pura empulhação. No caso do setor urbano, que os neoliberais difundem um rombo de R$ 13,5 bilhões, descontadas as isenções fiscais das entidades filantrópicas e as renúncias fiscais das empresas incluídas no Simples, ele cai para R$ 3,8 bilhões. Já no campo, que os mentirosos falam num déficit de R$ 28,6 bilhões, a previdência é tratada como política social – já que os camponeses não contribuem –, garantindo a inclusão de 10 milhões de aposentados e pensionistas e a dinamização da economia no interior do país.



Na prática, os algozes neoliberais, como o economista Fabio Giambiagi, que finalmente foi demitido de um órgão do governo federal (Ipea), gostariam que os trabalhadores rurais não tivessem os atuais direitos constitucionais e regredissem à condição de escravo na total miséria. Os números, porém, confirmam que “não podemos trabalhar com a visão catastrófica de que o déficit é explosivo e incontrolável no curto prazo”, como ponderou o ex-ministro na contramão do que afirma o atual.



Outras falsidades



Além das mentiras descaradas sobre o déficit, os apologistas desta contra reforma usam outras falsidades. Recentemente a TV Globo editou dois programas especiais – inclusive um Fantástico – para difundir que a seguridade brasileira “é uma das mais generosas do planeta” e que, no curto prazo, irá à falência devido ao crescimento populacional. Os dados utilizados foram distorcidos e visaram manipular os inocentes, jogando os trabalhadores da ativa contra os aposentados e pensionistas.



Enquanto nos países ricos da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) o tempo de contribuição é de apenas 15 anos – e alguns nem cobram –, no Brasil ele é, em média, de 35 anos. Segundo o Eduardo Fagnani, um dos maiores especialistas no tema, “a título de comparação, a média de idade com que as pessoas se aposentam na OCDE é de 60 anos, ao passo que no Brasil é de 65 anos para os homens e 60 para as mulheres”. Isto sem falar na qualidade de vida do aposentado europeu, que recebe o equivalente ao salário da ativa e conta com vários equipamentos sociais.



Quanto ao colapso do setor, os dados populacionais desmentem os terroristas de plantão. Estudo do IBGE indica que a faixa da população atualmente com mais de 65 anos é de apenas 6,5% dos brasileiros. Deverá chegar a 18,5% da população apenas em 2050. Já os trabalhadores da ativa, que sustentam a previdência, aumentarão sua participação no total da população dos atuais 66% para 67,5 em 2050. Somente após esta data, começarão a diminuir o seu peso relativo na sociedade. “Sem dúvida, as pessoas estão vivendo mais no país, mas nós somente teremos o percentual de pessoas mais velhas da Europa e da OCDE em 2050. A expectativa de vida no Brasil hoje é de 70 anos, bem diferente da expectativa de 80/82 anos da OCDE. O problema do crescimento da população é de médio e longo prazo, não é imediato”, contesta Fagnani.



A terceira ofensiva



Como se observa, as manipulações usadas para apressar um novo golpe na previdência são gritantes. Com base nestas mentiras, já ocorreram duas contra-reformas no país. A primeira, imposta por FHC através da Emenda Constitucional número 20, em 1998, substituiu o princípio distributivo pelo sistema misto, com o estímulo à previdência privada, ao transformar o tempo de serviço em tempo de contribuição e ao tornar obrigatória a adoção do sinistro “fator previdenciário” – numa matemática perversa que soma o tempo de contribuição e a expectativa de vida, o que reduz o valor do benefício.



O objetivo inicial desta emenda era alterar o regime geral da previdência (INSS), que afeta o trabalhador da iniciativa privada, e também o sistema público. Mas, diante da resistência nas ruas e no parlamento, inclusive com várias liminares da Justiça, FHC só mexeu no setor privado e não emplacou a cobrança dos inativos. Coube ao governo Lula, para a justa decepção de parcelas da sociedade, seguir a risca o acordo assinado por FHC com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para bancar a segunda fase da reforma, golpeando os direitos dos trabalhadores do setor público.



Insatisfeitos, os especuladores financeiros e os empresários ainda querem mais. Eles desejam reduzir os direitos previdenciários dos trabalhadores da ativa e abocanhar os volumosos recursos destinados à seguridade social. Sem qualquer compromisso com a nação e com o seu povo, eles almejam destruir o maior sistema de proteção social existente no país para auferir maiores lucros. Atualmente, segundo dados do IBGE, a previdência beneficia cerca de 85 milhões de aposentados, pensionistas e familiares, direta e indiretamente – número superior aos contemplados pelo programa Bolsa Família. Ela está na contramão do neoliberalismo, que prega o “estado mínimo” para a sociedade e “máximo” para os banqueiros.



Sem a seguridade social, ao invés do país ter 30% das famílias abaixo da linha da pobreza, ele teria 42% da população nesta desumana condição. De cada dez idosos brasileiros, oito tem como fonte de renda a previdência. Somente no ano passado, 881 mil brasileiros deixaram a condição da pobreza absoluta por conta dos benefícios pagos pela seguridade social. O próprio ministro Luiz Marinho confessou que “se não houvesse a previdência, o total de pessoas abaixo da linha de pobreza seria muito maior”.



Fortalecer a previdência social



Ao invés de ser atacada para ser privatizada, a previdência social no país deveria ser fortalecida. Estudos recentes indicam que 29 milhões de trabalhadores ainda não têm direito à aposentadoria e aos demais benefícios previdenciários. É certo que esta parcela sem proteção social caiu de 36,5%, em 2005, para 35,9% no ano passado, o menor nível desde 1995. Mas ela ainda é alta. A melhor forma de enfrentar os problemas no setor, como alertou Lula na eleição de 2006, seria através do crescimento da economia, que gera emprego e renda e eleva a arrecadação previdenciária. Mas, para isso, urge romper com os entraves neoliberais ao desenvolvimento, como os altos juros, o superávit primário e a libertinagem cambial.



“Não existe alternativa que não passe pelo crescimento, que reduz o desemprego e a informalidade. Só assim haverá aumento da renda e da massa salarial e, com maior número de pessoas voltando a pagar a previdência, a sua receita obviamente crescerá”, explica Fagnani. Além disso, o governo deveria ser mais rigoroso no combate à sonegação, multando e detendo os mesmos empresários que pregam a destruição da previdência, e precisaria rediscutir as isenções e as renúncias fiscais. Ao invés de torrar R$ 150 bilhões anuais com o pagamento de títulos da dívida para 20 mil famílias de rentistas, a União deveria reforçar os investimentos na seguridade, como forma de desenvolvimento com maior justiça social. Na Europa, por exemplo, ela é financiada em 36% pelas contribuições do governo através de impostos diretos.


 


Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).