Altamiro Borges: CTB, a novidade no sindicalismo
A crise do sindicalismo, que já dura quase duas décadas, teve forte impacto na fundação e funcionamento das centrais sindicais, que têm como função superar a dispersão das categorias isoladas e unificar a classe para interferir nos rumos do país. No to
Publicado 06/01/2008 19:16
A fragmentação do sindicalismo
Apesar do nome, a CUT nunca foi a central única dos trabalhadores. Na década de 80, já concorria com a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). Nos anos 90, devido à tsunami neoliberal, a fragmentação se agravou. A vitória de Collor de Mello inspirou o surgimento da Força Sindical (FS); já o governo FHC incentivou a fundação da Social-Democracia Sindical (SDS). Além destas, neste mesmo período surgiram também a CGTB, a CAT e outras entidades menos representativas. A “crise existencial” do sindicalismo no primeiro governo Lula reforçou ainda mais esta divisão. Contraditoriamente, a central que mais perdeu bases foi a inspirada pelo próprio presidente, o que confirma as limitações e graves equívocos da CUT.
Num curto espaço de tempo, a central teve duas fraturas expostas – a primeira deu origem à Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e a segunda resultou na Intersindical. Ambas surgiram como oposição ao governo Lula e elegeram a CUT como alvo principal das suas críticas, taxando-a de pelega e governista. Apesar das abissais diferenças de concepções e práticas, Conlutas e Intersindical se unem no combate ao atual governo e as suas pretensas contra-reformas. Por sua oposição frontal ao governo, ambas evitaram defender o veto do presidente à Emenda-3 ou o seu recente projeto de reconhecimento das centrais. A saída da CUT destes dois setores reduziu o espaço das correntes cutistas mais à esquerda, fortalecendo as visões hegemonistas na entidade e fragilizando ainda mais o seu pluralismo e a democracia interna.
As limitações da CUT
Devido ao quadro de divisão no topo e à realidade adversa na CUT, a sua segunda maior força interna, a Corrente Sindical Classista (CSC), também decidiu sair da entidade e fundou, num congresso no final de 2007, a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB). A fundação reuniu distintas tendências e setores do sindicalismo – inclusive federações e sindicatos da cidade e do campo que não se sentiam representados pelas atuais centrais. A CTB defende uma tática diante do presidente Lula que evite tanto a passividade acrítica da CUT como o voluntarismo esquerdista da Conlutas e da Intersindical. Nem chapa-branca, nem oposição sectária! Sem fazer o jogo da direita para evitar qualquer risco de retrocesso, ela propõe apoiar as medidas progressistas do governo Lula, mas também pressioná-lo para que avance nas mudanças.
A CTB defende ainda que as distintas centrais construam um fórum unitário, uma conferência das classes trabalhadoras (Conclat), para definir planos de ação conjunta e para aumentar o poder de pressão sobre o governo e contra os ataques do capital e da direita neoliberal. Sem adotar uma postura de antagonismo diante da CUT, encarada como importante aliada, a central classista acredita que esta padece de três graves problemas e não tem mais condições de se colocar como pólo de unidade dos trabalhadores.
Em primeiro lugar, os classistas criticam a ausência de democracia interna e as práticas exacerbadas de hegemonismo da força majoritária. Acusam a CUT de se tornar uma entidade partidarizada, que não dá espaço para outras correntes de pensamento. Afirmam que não há no seu interior respeito ao pluralismo e nem transparência na gestão – inclusive nas finanças. A segunda crítica diz respeito à burocratização e à institucionalização desta entidade, que teria refluído no seu ímpeto combativo e se afastado das bases dos trabalhadores. Por último, afirmam que esta central perdeu autonomia durante o governo Lula, adotando uma postura de passividade acrítica que reforçaria as marcas de uma entidade chapa-branca.
Várias das críticas dirigidas à CUT refletem as próprias dificuldades objetivas do conjunto do movimento sindical. Elas, porém, foram agravadas pela concepção e prática da sua corrente majoritária. Num quadro político inédito, da existência de um governo oriundo das lutas sociais, a central tinha tudo para crescer e se tornar a principal referência de unidade dos trabalhadores. O que ocorreu, entretanto, foi o inverso em decorrência do forte hegemonismo, da crescente burocratização e da perda de autonomia. Isto explica o descontentamento de vários setores e a atual crise vivida pela maior central brasileira.
Algumas polêmicas antigas
Além destas críticas, os idealizadores da CTB retomam velhas polêmicas, que sempre estiveram presentes no conjunto do sindicalismo e no interior da CUT. Já no debate sobre a reforma sindical, promovido no primeiro mandato do presidente Lula através do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), instância tripartite que reuniu representantes do governo, do patronato e do sindicalismo, as diferenças de concepções se aguçaram. A corrente majoritária da CUT defendeu o fim da unicidade e da contribuição sindical e propôs uma estrutura centralizada na cúpula, retirando autonomia dos sindicatos na base. A CSC e várias entidades independentes, sem filiação às centrais, uniram-se para barrar o perigo da pulverização sindical, da redução dos recursos financeiros para as organizações dos trabalhadores e da concentração de poder no topo. Graças a esta atuação, a reforma sindical pretendida pela direção da CUT não saiu do papel.
Para os classistas, a unicidade garantida em lei é um contraponto às investidas do capital para dividir os sindicatos e instaurar a plurisindicalismo, com a criação de milhares de frágeis entidades nos locais de trabalho. O discurso contra a unicidade, feito a partir da ótica liberal por dirigentes do campo majoritário da CUT, é um desserviço à unidade da classe. Já a contribuição compulsória, descontada na folha de pagamento, é o que garante a existência de quase 70% dos sindicatos de base no país. Extingui-la de forma abrupta, sem qualquer regra de transição e sem compensações para viabilizar financeiramente a atuação dos sindicatos, representaria um duro baque na luta dos trabalhadores. Quanto à legalização das centrais, os classistas sempre lutaram por esta bandeira, mas nunca aceitaram qualquer expediente legal que reduzisse a autonomia das entidades na base.
Este debate estratégico ressurgiu no ano passado com o projeto do governo Lula de reconhecimento das centrais. O acordo firmado garantia a existência da estrutura horizontal com a redistribuição dos recursos da contribuição sindical – dos 20% que atualmente vão para a “conta especial de emprego e salário” do Ministério do Trabalho, 10% seriam investidos no fortalecimento das centrais. Coube ao patronato atacar o sistema de custeio das lutas dos trabalhadores, aprovando o projeto do deputado Augusto Carvalho, que extinguiria arbitrariamente a contribuição sindical. A experiência concreta confirma que o capital almeja enfraquecer o sindicalismo. A unicidade, a contribuição e a existência de centrais incomodam o capital.
Sindicalismo internacional
O aumento das tensões na CUT, que resulta agora na criação da CTB, também reflete o intenso processo de realinhamento do sindicalismo mundial. No final do ano passado, num congresso na Áustria, foi criada a Confederação Sindical Internacional (CSI), com a fusão de duas antigas organizações: a Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl) e a Confederação Mundial do Trabalho (CMT). Estas duas entidades sempre cumpriram papel de freio da luta dos trabalhadores, apostando na conciliação de classes e adotando práticas cupulistas e burocratizadas. A primeira era ligada ao pragmatismo sindical dos EUA e à social-democracia européia; já a segunda era dirigida pela democracia-cristã. Com a fusão, a CSI pretende garantir a total hegemonia do sindicalismo internacional, impondo a sua visão de defesa do capitalismo “civilizado” e de domesticação da luta de classe.
A CUT, assim como a Força Sindical e a CGT, já era filiada à Ciosl e automaticamente se vinculou à “nova” central mundial – o que representa grave contaminação do sindicalismo brasileiro. As resoluções aprovadas no congresso da Áustria indicam que a CSI será um estorvo para as lutas dos trabalhadores. Elas reafirmam a intenção de “humanizar a globalização” capitalista, de priorizar a atuação nas instâncias multilaterais do capital, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), e de reforçar a negociação tripartite entre governos, patronato e os trabalhadores. Nas dez páginas do seu documento final, ela prega o “desenvolvimento de um novo modelo de globalização”, sem questionar a lógica capitalista da opressão dos povos e da exploração do trabalho, e propõe a ingênua “democratização dos órgãos financeiros mundiais”.
Prova da forte influência das nações imperialistas, o congresso quase não condenou o genocídio praticado pelos EUA no Iraque e Afeganistão, que já causou mais de 700 mil mortes, mas dedicou muitas páginas para condenar o governo da China. Ele também sequer mencionou a heróica luta do povo cubano contra o criminoso bloqueio econômico dos EUA e a resistência dos venezuelanos contra os golpes e sabotagens patrocinados pelo “império do mal”. Diante do real perigo representado pela CSI, que afirma representar 166 milhões de trabalhadores de 156 países, há um esforço do sindicalismo classista no mundo todo para reagrupar as suas forças. Este movimento cresce principalmente na América Latina, onde a resistência dos povos tem garantido expressivas vitórias nos últimos anos, com uma viragem à esquerda na região.
Várias centrais nacionais, com destaque para as entidades de Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e outras, têm tomado iniciativas para revitalizar a Federação Sindical Mundial (FSM). Fundada em 1945, no bojo da derrota do nazi-fascismo e do avanço das lutas revolucionárias, ela sofreu duro golpe com a dissolução do bloco soviético no final dos anos 80. Excluída do congresso de criação da CSI por defender uma visão classista, a FSM agora ressurge como pólo de atração dos que se contrapõem às concepções conciliadoras e burocráticas. A CTB decidiu se somar aos esforços de revitalização da FSM e de criação de um fórum sindical na América Latina que ajude a unir forças no combate ao imperialismo e à ofensiva do capital.
Desafios diante do governo Lula
Diante dos sinais contraditórios do sindicalismo, fica evidente que ele terá enormes desafios pela frente. As possibilidades de revigoramento da sua atuação, decorrentes do tímido crescimento da economia e da postura democrática do governo Lula, não garantem por si só que conseguirá superar sua crise estrutural e “existencial”. É preciso dotar o sindicalismo de táticas e estratégicas ajustadas. Neste sentido, a CTB, a maior novidade do sindicalismo no último período, poderá dar importantes contribuições. No tocante ao governo Lula, é necessário extrair as lições do primeiro mandato para garantir três requisitos essenciais:
1) Preservar a autonomia. O sindicalismo não pode se confundir com o Estado, mesmo que o governo de plantão seja oriundo de suas lutas, sob pena de virar um mero apêndice, um dócil instrumento chapa-branca, sem capacidade de crítica e de mobilização de suas bases. Mesmo na experiência socialista na ex-União Soviética, que decorreu de uma revolução e não de uma mera eleição, a fusão do sindicato com o estado foi desastrosa. O sindicalismo perde suas funções de instrumento de luta e pressão social;
2) Intensificar a pressão. No atual estágio da “globalização neoliberal”, não basta mais eleger governos progressistas. A ditadura do capital financeiro tem mecanismos, como o fascismo do mercado e o poder manipulador da mídia, para enquadrar, domesticar ou desestabilizar estes governantes. Daí a urgência de se intensificar a pressão social como contraponto à pressão do capital. Qualquer postura de passividade acrítica apenas prejudica governos oriundos das lutas sociais, que ficam reféns do “fascismo de mercado”;
3) Agir com sagacidade. A direita neoliberal, derrotada nas urnas, está na espreita para retornar ao poder e para aplicar seus planos destrutivos. Ao mesmo tempo em que pressiona o governo para que ele avance nas mudanças, o sindicalismo deve usar sua inteligência política para evitar qualquer risco de retrocesso, para não fazer o jogo dos inimigos. Mantendo a sua autonomia, deve apoiar as medidas progressistas do governo, como o veto presidencial à Emenda-3, e denunciar todas as manobras das classes dominantes, como o movimento golpista do “Cansei”. Não basta lutar, é preciso saber lutar.
Autocrítica e desafios estratégicos
Além destes desafios táticos diante do governo Lula, o sindicalismo necessita aproveitar este momento de maior democracia para realizar profundo exame autocrítico da sua atuação. Os sombrios anos da tsunami neoliberal resultaram no seu afastamento das bases e na perda do seu poder de barganha. Para superar esta grave crise, que resultou na sua institucionalização e burocratização, o sindicalismo necessita concentrar energias e investir pesado na mobilização, conscientização e organização dos trabalhadores. Mobilizar, conscientizar e organizar – eis os três desafios estratégicos do sindicalismo.
Para isto é preciso refletir sobre a nova realidade do mundo do trabalho, atuando junto aos terceirizados e aos demais precarizados, usando a criatividade para atrair os jovens, priorizando a inserção das mulheres, concentrando esforços na organização no local do trabalho e investindo na formação política e sindical. Também é urgente estreitar os laços de solidariedade com o conjunto das forças populares, reforçando iniciativas como a da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). A realidade do trabalho hoje é mais complexa e fragmentada e o sindicalismo, por si só, não tem mais como cumprir o papel estruturante na resistência dos trabalhadores. Daí a urgência de investir com mais ímpeto nos movimentos sociais.
* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro As encruzilhadas do sindicalismo (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).