Daniel fala de democracia e liberdade religiosa
O próximo dia 21 de janeiro será marcado como o primeiro Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data foi proposta, através de um projeto de lei, pelo deputado baiano Daniel Almeida (PCdoB), que se inspirou no Dia Municipal de Combate à Intole
Publicado 15/01/2008 16:55 | Editado 04/03/2020 16:21
Vermelho – Qual é a importância, no atual contexto brasileiro, da existência de um Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa?
Daniel – O Brasil vive um processo de consolidação da democracia, com maior participação dos setores tradicionalmente excluídos da vida política, econômica e social do país, e a aprovação dessa lei significa um reconhecimento e um fortalecimento desse processo. Só num momento de maior liberdade é possível superar esse traço de desigualdade e descriminação que ainda prevalece entre nós.
V – Essa é uma antiga bandeira do Partido Comunista do Brasil, quando isso começou?
D – O Partido Comunista fez um profundo debate na Constituinte de 1946 defendendo a tese da liberdade de expressão religiosa e do Estado laico, por conta disso, sofreu discriminação e ações de intolerância por parte dos setores mais reacionários da sociedade. No entanto, o partido nunca abandonou a idéia de que a liberdade de expressão religiosa é um elemento importante no processo de construção da democracia. Aprovar esse projeto hoje, tendo em vista a sua origem na bancada comunista, é um resgate que confirma a justeza dessa tese.
V – Porque foi escolhido o dia 21 de janeiro?
D – O dia foi escolhido para homenagear Mãe Gilda, que faleceu em 2000 ao ver sua imagem estampada em um jornal, relacionando-a a práticas demoníacas. Esse fato provocou reações de muitas lideranças religiosas dos mais diversos setores. Esse fato se tornou marcante e por isso o dia 21 de janeiro busca homenageá-la.
V – Em Salvador já existia um Dia Municipal com o mesmo propósito e um projeto de um Dia Estadual tramita atualmente na Assembléia Legislativa, essa lei tem uma importância especial na Bahia?
D – A Bahia é o estado com a maior população afrodescendente do Brasil e Salvador é a cidade com mais negros fora da África, com mais de 80% da população de afrodescendentes. Além disso, a lei procura homenagear uma baiana. Apesar de ter um caráter nacional e de existirem exemplos de intolerância em todo o Brasil, a Bahia sofre mais com essas práticas, que aqui são mais explícitas.
V – Além da criação do Dia de Combate, que outras ações podem ser aguardadas em relação a esse tema?
D – O Dia Nacional é uma referência para uma mobilização mais abrangente, que deve se estender a todo o conjunto da sociedade. Esse processo pode ser traduzido em ações nas igrejas e, especialmente, nas escolas. O estado, em todas as suas instâncias, deve buscar fazer desse debate um tema que tenha presença nos currículos escolares.
V – Para um deputado federal, qual é a importância da aprovação de um projeto de lei de sua autoria sem alterações por parte do legislativo e do executivo?
D – Infelizmente não é comum um deputado, ou mesmo um vereador, ter um projeto de lei aprovado. O legislativo tem uma produção baixa em relação às leis com iniciativa em suas casas, boa parte dos debates é entorno de projetos de origem do executivo. Muitos deputados ficam mandatos inteiros sem aprovar sequer um projeto lei da sua autoria, o que não quer dizer que eles não tenham um trabalho relevante. Por isso, quando acontece um fato como esse o parlamentar termina ganhando destaque. No caso desse projeto de lei, é preciso levar em conta o prestígio que o PCdoB tem e, consequentemente, a sua bancada. Isso, aliado ao tema do projeto, ajudou muito na conquista da sua aprovação.
V – Em sua opinião, onde se concentram os principais focos de intolerância religiosa no Brasil?
D – Manifestações de intolerância têm sido verificadas na história da humanidade e do Brasil. A principal vítima historicamente tem sido a população de origem africana. Há uma dívida da sociedade e do Estado com a reparação desses processos. Por conta deles, essa população buscou caminhos alternativos de expressar a sua religiosidade, muitas vezes através de mecanismos criativos. Os principais alvos de discriminação ainda são os praticantes do candomblé e de outras religiões de matriz africana, e mais recentemente as manifestações de intolerância têm sido verificadas em maior grau em alguns setores das igrejas evangélicas.
V – O que um dia como esse representa para a democracia do país?
D – O Estado democrático pressupõe a existência de garantias de liberdades individuais e a manifestação religiosa é um desses elementos, todo cidadão tem esse direito. A superação da intolerância é um passo a diante, de grande contribuição para o processo democrático.
De Salvador,
Rodrigo Rangel Jr.