Hoje é domingo de Carnaval

**Pingo de Fortaleza


 


Hoje é domingo de Carnaval, afinal este dia chegou. Tentei acordar um pouco mais tarde para recuperar talvez algumas energias. Semana passada não foi brincadeira, ensaios quase todas as noites, no Maracatu Az

Este ano não me lembro de ter respondido a uma pergunta muito recorrente anos passados: “Vai viajar pra onde?” Todo fortalezense conhece bem esta indagação, que remonta a uma suposta tradição de que todo mundo viaja para fora da cidade no período momino. Mas, para minha boa surpresa, a pergunta este ano tem sido diferente: “Que horas vai sair seu maracatu?” Ontem mesmo o Chico, meu vizinho, foi lá em casa saber. A esta indagação sempre respondo alegremente: “Esse ano são 11 maracatus que vão desfilar neste domingo”. E pensar que de 1937 a 1949 era só um: Az de ouro; que em 1950 eram dois: Az de Ouro e Az de Espada; que em 1958 quatro: Az de Ouro, Az de Espada, Leão Coroado e Estrela Brilhante; e que na década de 90 chegamos a oito… Agora já são mais de dez maracatus!


 


 


Continuo respondendo: Os “meus” vão desfilar às 17h20min (Maracatu Solar) e às 19h30min (Maracatu Az de Ouro), mas deve ter aí no mínimo uma hora de atraso, e prometo que não vai ser por minha causa, embora confesse que devo reclamar e brigar um pouco na passagem de som por mais microfones para nossos batuques, pois a Prefeitura só licitou dois microfones para esta finalidade. Essa ala, só o Maracatu Solar conta com 50 integrantes, divididos em seis naipes instrumentais diferentes (Xequerês, ferros, chocalhos, surdos, caixas e bumbos), com mais de dez movimentos rítmicos variados, todos concebidos e repassados aos brincantes pelo grande maestro Descartes Gedelha, nosso Griô (Mestre dos Saberes) de Carnaval e outras artes, e ensaiados exaustivamente pela jovem regente Natali Picanço.


 


 


Parece que alguma coisa mudou nestes últimos anos, ainda que de forma tímida neste Carnaval de rua em Fortaleza. Se hoje não tivesse desfile oficial dos maracatus, talvez no mínimo houvesse um protesto maior do que o ocorrido em 1999, quando simplesmente não houve Carnaval oficial das agremiações em Fortaleza e só o Maracatu Nação Baobab desfilou em forma de protesto na Avenida Domingos Olímpio, palco principal desta festa, que deve receber mais de três mil artistas, espalhados nas 26 agremiações que vão se apresentar (maracatus, blocos, cordões, escolas de samba e um afoxé), a maioria anônimos cidadãos do povo. Artistas e brincantes deste carnaval de Fortaleza, tão falado, xingado e amado, que se não existisse, teria que ser inventado, que chegou a ter três campeões em um ano na categoria de maracatus (2004), não muito distante do nosso campeonato cearense de futebol com seus quatro times campeões no ano de 1992.


 


 


Hoje é domingo de Carnaval, logo mais vou encontrar muita gente, que só vejo uma vez por ano, na avenida. São brincantes de outras agremiações, jornalistas e muitos e muitos conhecidos, apreciadores e até torcedores de maracatus. Pois é, existe isso sim, conheci muita gente que se apresentou e que se identificou pra mim como torcedor de um determinado maracatu. Afinal é o meu nono ano de tirador de loas neste carnaval, aí já se vai quase uma década de macumbeiro (de 2000 a 2006 no Maracatu Az de Ouro e agora em 2007 e 2008 também no Maracatu Solar). Este ano vou sentir a ausência do seu Geraldo, assim como senti a do mestre Juca do Balaio, há dois anos. Sempre cruzava com seu Geraldo na concentração, ali na Domingos Olímpio, esquina com Barão de Aratanha, e ia cumprimentá-lo com esse meu jeito falador e sorridente. Ele sempre me correspondia educadamente ao cumprimento, contudo com sua cara fechada, concentrado na sua tarefa sempre bem realizada de colocar na avenida de forma mais organizada e bela seu maracatu, o Rei de Paus.


 


 


Hoje é domingo de Carnaval, e se hoje tem carnaval em Fortaleza, tem que ter maracatu, para nossa alegria esse ano são 11, todos com seus cortejos festivos, cada um com seu enredo único em homenagem a uma rainha negra, com um tema explicitado em suas alas (índios, negras, baianas, corte, orixás) e personagens tradicionais (baliza, porta-estandarte, balaieiro, casal de pretos-velhos, calungueira), cada um com seu batuque diferente, todos com negrume na face de seus brincantes e fantasias também variadas. A corte sai luxuosa, com forte influência do figural das cortes européias da Idade Média, excetuando-se no Solar, que assim como seu ritmo inspirado nos batuques dos maracatus existentes até a década de 60 (Séc. XX) em Fortaleza, apresenta também figurinos leves e inspirados na cultura afro-brasileira e na artesania cearense, concebidos pelo estilista Jander Magyver.


 


 


Em 2008 não vai haver competição entre as agremiações, todos seremos campeões ao apresentarmos da melhor maneira possível o fruto do nosso trabalho e da nossa inspiração coletiva, e assim deve ser.


 


 


Hoje é domingo de Carnaval e muito me orgulha fazer parte desta festa ao lado de muitos parceiros e amigos (não vou citá-los para não incorrer no erro do esquecimento, e também porque não haveria espaço, pois sou extremamente feliz por serem muitos), não vou viajar não, vou para a Domingos Olímpio cantar minhas loas (no Az de Ouro, Yemanjá Luz de Vida Nossa Flor, uma parceria com Guaracy Rodrigues, e no Maracatu Solar Noite Azul, uma canção de Parahyba, Augusto Moita e minha), com a felicidade de sempre e a eterna gratidão por estar vivo e poder compartilhar esse momento com todos.


 


 


Vou levar meu violão, espero que não levem meu carro sem autorização, como fizeram na terça-feira do Carnaval do ano passado, e depois vou esperar a apresentação do grande artista Ednardo, que finalmente vai se apresentar merecidamente nesta festa. Outros merecedores artistas desta cidade, infelizmente ainda vão esperar um pouco mais para ocupar um espaço desnecessariamente preenchido por talentosos artistas de outros estados, numa festa que é nossa, e que com certeza poderíamos fazê-la melhor e prioritariamente com “Santos de Casa”, estes que já obraram o “Grande Milagre” de fazer este carnaval existir e melhorar a cada ano, principalmente na última década.


 


 


**Pingo de Fortaleza é autor do livro Maracatu Az de Ouro – 70 Anos de Memórias, Loas e Batuques, compositor e tirador de loas do Maracatu Az de ouro e Maracatu Solar e presidente da Associação Cultural Solidariedade e Arte – Solar, instituição mantenedora do Maracatu Solar, um programa de formação cultural.