Evaldo Lima – O mito fundador do Ceará

A nossa coluna de hoje analisa a origem do Ceará na visão de José de Alencar. O mito fundador do Ceará é uma história de amor que envolve o guerreiro branco Martim e a índia Iracema. Do amor do colonizador com a nativa nasceu o mameluco Moacir, o prime

Na Morada, Fortaleza!


 


 


Toda sociedade tem o seu “mito fundador”.


 


O mito fundador do Ceará envolve uma história de amor , narrada pelo romancista José de Alencar, na obra Iracema. O romântico autor procurou construir a origem da nacionalidade em uma visão idílica do índio idealizado e romantizado.


 


Iracema , “a virgem dos lábios de mel”, foi enamorada do guerreiro branco  Martim e desse amor nasceu o primeiro cearense Moacir, o filho da dor. Esta é uma metáfora da conquista do Ceará pelo colonizador português. E hoje, quantas novas Iracemas são seduzidas por viajantes em busca de prostiturismo, o turismo sexual na nossa bela fortaleza?


 


O nosso mito fundador está espalhado pelas estátuas de Iracema espalhadas pela cidade, reforçando uma  visão ingênua e romântica da História, passível de uma análise crítica.


 


O mito remete apenas à miscigenação do branco Martim com a índia Iracema, como agentes da identidade histórica do Ceará. Obscurece e rejeita o Negro como elemento étnico formador da identidade cultural do cearense. Reforça o discurso daqueles grupos conservadores que afirmam que não existem negros no Ceará. Isto é uma bobagem! Existiram e existem negros no Ceará em luta por dignidade e direitos. O povo brasileiro e não apenas o cearense surgiu da mistura nem sempre pacífica, quase sempre violenta, das três raças ou etnias (o branco, o negro e o índio). A conquista ocorreu através de guerras que provocaram um genocídio e um etnocídio contra os índios.
 


 


Iracema é um anagrama de América, assim cada letra desta palavra(Iracema) quando muda de lugar origina esta nova palavra(América), assim Iracema ,na verdade, quer dizer América.


 


Iracema foi a “virgem dos lábios de mel”, conquistada, enamorada, penetrada pelo “Guerreiro Branco” Martim. Esta parte da América foi portanto desvirginada pelo colonizador.


 


Mas será mesmo que foi um ato de amor a matança de índios canindés, cariris e potiguar pelo colonizador europeu? 
 


 


Ao fim do romance Iracema morre enquanto o Guerreiro Branco e Moacir partem desta terra. O primeiro cearense, “ave de arribação”, parte para outras paragens, como tantos outros filhos da dor, tangidos pela fome e pela esperança de um dia voltar.


 


A morte de Iracema é uma analogia da derrota dos índios no projeto de conquista do Ceará. O projeto colonizatório triunfou e conduziu ao desaparecimento dos índios. Este discurso da morte de Iracema e da sobrevivência de Martim e Moacir rejeita também a presença dos índios no Ceará já que foram mortos ou misturados com o resto da população. Eles são, portanto invisíveis ou inexistentes. Será verdade?


 


Os índios ainda estão resistindo, lutando por suas terras, cultura e dignidade como os Jenipapo-Kanindés em Aquiraz; os Pitaguarys em Maracanaú e Pacatuba e os descendentes dos Tapebas em Caucaia. É bom lembrar também que problemas relacionados à terra e moradia em Fortaleza não são restritos aos descendentes dos índios mas de toda a população pobre excluída do direito ao trabalho,à moradia e à vida.