Evaldo Lima – Uma heroína Bárbara : A inimiga do rei

NA MORADA, FORTALEZA


Em nossa última coluna publicada no Vermelho” questionamos a natureza dos heróis oficiais, legitimadores do sta

O Ceará é terra bárbara de gente de luta e resistência. Terra da Luz e do Sol, onde a marca da coragem dos seus filhos e filhas alumia nossa história. Bárbara de Alencar, mulher libertária e republicana, foi  a primeira presa política da história do Brasil.


 


Perseguida pelos poderosos,desta rebelde heroína não restou nenhuma imagem: Bárbara de Alencar teve o seu próprio rosto apagado da História.



 
O cenário é pior do que Dante poderia imaginar naquela pequena cela onde padecia Bárbara de Alencar.



Os ferros ,atados às mãos e pés, arrancam parte da pele e da carne. As roupas, agora reduzidas a trapos, são as mesmas há meses. Os panos tinham sido rasgados pelos próprios prisioneiros e transformados em tiras que forravam os grilhões sobre os ferimentos que se magoavam a cada movimento do corpo. A comida é a mesma sempre: intestino de boi ou tripa cozida como mistura pra farinha seca. Nos cubículos mal não se consegue ficar de pé. O cheiro é terrível pois as necessidades fisiológicas são feitas ali mesmo. Muita dor no corpo e aperto no coração por saber que padecem do mesmo sofrimento os seus filhos, Tristão, Martiniano e José Carlos. Na lembrança, o sonho louco de Liberdade, Independência e República que desencadeou a violenta repressão da corte portuguesa, sediada no Rio de Janeiro.


 



O passado parecia visagem naquela prisão escura. O que era pesadelo e o que era verdade na vida daquela brava mulher? Para sobreviver, Bárbara pensava no passado de mulher rica, matrona do clã dos Alencar do Crato.


 


A casa da cidade era caprichosa, primeira construída em pedra e cal sob inspeção do mestre pedreiro vindo de Recife e localizada bem ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha onde amigo íntimo Padre José Carlos celebrava as coisas da Igreja. A casa-grande do Sítio Pau Seco era um pedaço do paraíso, nas proximidades da Chapada do Araripe. Toda aquela paz aparente findou em 1817 , quando os Alencar apoiaram a Revolução iniciada na província rebelde de Pernambuco.


 



O movimento teve como causas a crise econômica do Nordeste com a decadência das lavouras tradicionais de algodão e açúcar, o monopólio comercial português , a seca de 1816 agravou ainda mais o quadro de miséria. Naquele terreno fértil para a revolta cresceu a influência iluminista que inspirou as revoluções francesa e americana. Os rebeldes queriam a libertação do Brasil e a Proclamação da República.


 



O caçula José Martiniano era seminarista em Olinda e voltou para o Crato embriagado com promessas de liberdade  que espalhou como redenção na missa de domingo, em 3 de abril de 1817. As palavras eram fortes. Denunciavam a exploração do povo pelos portugueses e prometia a liberdade cidadão e republicana. Os presentes não eram poucos e todos aderiram ao movimento.


 



Mas o movimento era frágil e a reação foi violenta. Durou apenas oito dias a República Independente do Crato. A família Alencar e outros líderes, num total de vinte e cinco pessoas, tiveram os bens consfiscados, foram presos , torturados, enviados para celas em Recife, Fortaleza e Salvador. Acabaram anistiados em 1821 mas a chama rebelde não se apagou. Em 1824 explodiu a Confederação do Equador, movimento republicano e anti-absolutista contra o tirano D. Pedro I. Mais uma vez os Alencar tiveram importante participação. Nessa nova luta rebelde , Bárbara de Alencar, refugiada na fazenda Touro, na divisa do Ceará com o Piauí, chorou a morte dos filhos Tristão e Carlos, assassinados pela reação das tropas imperiais. Na ocasião declarou, “ Eu preferi a sorte ingrata dos meus filhos a receber favores de tirano.”


 


Acusada de inimiga do rei, dizia ser amiga do povo pois o El-Rei era um estrangeiro que vivia na corte, no Rio de Janeiro, distante e insensível à miséria de minha gente. Dona Bárbara de Alencar morreu no seu refúgio em 1832, aos 72 anos de idade. A sua casa no  Crato, embora tombada pelo patrimônio histórico, foi demolida. A heroína não tem rosto mas é a cara de um país que ainda luta por liberdade e dignidade para o seu povo.


 


 


 


Por motivos técnicos a coluna NA MORADA, FORTALEZA esta sendo publicada nesta segunda-feira, mas na próxima sexta-feira será publicada normalmente.