Carlos Lindenberg: O ministro e os políticos
Em artigo publicado na sua coluna diária no jornal Hoje em Dia, o jornalista Carlos Lindenberg faz uma análise preciosa sobre o comportamento do ministro pop star da mídia Marco Aurélio Mello e as repercussões de seus atos.
Publicado 05/03/2008 12:56 | Editado 04/03/2020 16:52
O ministro Marco Aurélio Melo, presidente do TSE e um dos 11 magistrados do Supremo Tribunal Federal, tanto fez que divide, hoje, o espaço nos jornais com os políticos do PT, no que parece uma mistura que tem tudo para dar errado. Bom de fala, o ministro é também bom de microfone. E gosta de usá-lo. Vira e mexe, ele está dando entrevistas e foi por uma dessas que recebeu um pito do presidente Lula, na semana passada. O presidente estranhou os termos de uma entrevista dada pelo ministro a um jornal paulista e, de público, mas sem citar nomes, disse que o presidente do TSE deveria deixar a toga e pedir votos porque seu comportamento não era o de um magistrado, senão de um político.
Lula, na verdade, foi além e disse que seria bom para o país se o judiciário cuidasse das suas coisas, o legislativo das suas e o executivo ficasse com as suas também, na «montesquiana» divisão dos poderes. Mas tudo começou porque o ministro Marco Aurélio deu uma entrevista em que respondeu a uma pergunta, tipo provocação de um repórter, dizendo que poderia, sim, examinar alguma denúncia sobre o projeto «Territórios da Cidadania», do Governo federal, por entender que o ano eleitoral não comporta esse tipo de ação administrativa.
Ah, pra quê! O Democratas logo disse que iria recorrer ao TSE, presidido justo pelo ministro Marco Aurélio, para impedir que o Governo colocasse o programa em ação. Lula, assim como outros, logo entendeu que o ministro estava dando um palpite e, com isso, fornecendo uma espécie de senha para que a oposição ingressasse na justiça eleitoral, lá no tribunal presidido por Marco Aurélio, contra o programa do Governo. Foi daí que Lula tirou a conclusão de que o palpite de Marco Aurélio tinha conotação política, daí seu recado da semana passada, que alguns jornais chegaram a tipificar como a instalação de uma crise entre o executivo e o judiciário. E, como sempre, segundo os jornais, provocada pelo presidente. Mas, na verdade, quem primeiro abriu a boca foi o ministro.
Pois, ontem, o diretório nacional do PT resolveu comprar a briga do presidente Lula e decidiu interpelar o ministro administrativamente, entrando com uma representação contra ele no Supremo Tribunal Federal, baseando-se no artigo 36 da Lei Orgânica da Magistratura. O artigo diz, entre outras coisas, que o magistrado não pode emitir opinião sobre assuntos que poderão um dia cair em suas mãos para julgamento – caso do ministro Marco Aurélio que antecipou sua decisão de analisar alguma acusação contra o Governo por considerar o tal programa impróprio para um ano eleitoral – leia-se um programa eleitoreiro, no popular.
A decisão do PT é politicamente ousada, para não dizer perigosa. Mexer num vespeiro desses! Olha que a ação, se for mesmo impetrada, vai levar os ministros a julgarem um colega seu ou a enviarem o caso para o Conselho Nacional da Magistratura, coisa rara em se tratando de membros da mais alta corte do país. Logo o Supremo, que, ainda recentemente, fez de conta que não houve nada quando dois ministros foram pilhados trocando opiniões sobre processo em julgamento, por meio de notebooks, o que deu ao jornal «O Globo», que publicou as fotos, o prêmio Esso de Jornalismo.
Ora, é de ver que, além disso, o PT comprou uma briga com boa parte da mídia que vê no Supremo o guardião da liberdade de imprensa, depois da decisão da corte que suspendeu mais de 20 artigos da Lei de Imprensa, sob o argumento de que se trata de um entulho autoritário, após quase 30 anos em que a mesmíssima lei vinha sendo aplicada em todo o país, até que a ficha caísse por obra e graça de uma disputa entre gigantes. Mas aí está o fato. O ministro Marco Aurélio, enfim, disputa com os políticos o espaço na mídia, num bate-boca que não costuma ser agradável, sobretudo para os que acham que magistrado deveria dar suas opinião pelas sentenças e não, necessariamente, pela imprensa.
Fonte: jornal Hoje em Dia, do dia 05/03/2008