Como Monteiro Lobato antecipou a disputa Obama x Hillary
O escritor brasileiro Monteiro Lobato, famoso pelas histórias infanto-juvenis do Sítio do Pica- Pau Amarelo, também escreveu para adultos, embora essas obras sejam menos conhecidas do grande público. Entre elas está um livro especialmente interessante:
Publicado 05/03/2008 19:48
Nesse trabalho de ficção fantástica, num estilo que os críticos comparam ao de autores mundialmente renomados como Gabriel García Márquez e George Orwell, Lobato prevê com uma boa dose de acerto cenários e situações que, improváveis para a época em que viveu, hoje são fatos concretos. O Presidente Negro está sendo agora relançado pela Editora Globo como parte de um projeto que inclui a reedição de outros 56 livros de sua autoria.
A obra em questão nasceu da grande admiração que Lobato nutria pelos Estados Unidos, que no início da década de 1920 experimentavam uma expansão econômica (quebrariam em 1929) enquanto a Europa encontrava-se combalida. Entre os americanos, a indústria automobilística, por exemplo, estava no auge e adquirir um automóvel marca Ford era um sonho de consumo. Lá e aqui: nove em cada dez brasileiros ricos também queriam um Ford – e inclua-se aí o próprio Lobato.
O personagem-narrador de O Presidente Negro, Ayrton Lobo, traduz esse desejo logo no início do romance: “Sonhei mudar de casta e por minha vez levar os pedestres a abrirem-me alas, sob a pena de esmagamento. (…) Foi, pois, com o maior enlevo d'alma que entrei certa manhã numa agência e comprei a máquina que me mudaria a situação social. Um Ford.”
Esse era o mesmo país no qual vigorava a Lei da Segregação Racial que impedia que negros utilizassem o transporte público ao lado de brancos. É nesse contexto histórico que Lobato faz a primeira e bombástica previsão: ele imaginou um cenário político em que os americanos veriam um homem negro e uma mulher feminista branca disputarem a Presidência do país.
Racismo?
O escritor fez duas apostas certeiras de uma só vez: antecipou um embate político que hoje de fato existe entre os democratas Barack Obama e Hillary Clinton e anunciou o feminismo que em 1926 nem sequer se esboçava na sociedade americana – os sutiãs seriam queimados quase quatro décadas depois.
No desenrolar da disputa presidencial de Monteiro Lobato, vence o candidato negro e, rapidamente, os brancos se aliam ao partido das mulheres e montam uma grande e tenebrosa conspiração: criam um alisador de cabelos que leva quem o utiliza à esterilização.
Lobato, também aí, antecipou outros elementos contemporâneos que nem eram sonhados – um deles é a chapinha, o outro a questão da descaracterização racial, assunto que o escritor brasileiro estudou profundamente e lhe rendeu críticas e acusações de defender o racismo e a eugenia (acreditar que a miscigenação piora uma raça).
Uma de suas principais biógrafas, a historiadora Marcia Camargos afirma que a abordagem que o escritor fez desse assunto é um alerta contra a perda da identidade cultural e não tem conotação racista: “Ele já defendia a necessidade de se assumir as características étnicas e de jamais se negar as origens. Ele previu fenômenos como o do branqueamento de Michael Jackson”.
As previsões que Lobato vai descrevendo no livro são todas capturadas por um aparelho chamado porviroscópio, geringonça criada por um velho cientista que vive numa mansão com sua filha. E quem nos revela o que essa engenhoca viu para o futuro (ela pode prever até 3458) é Jane, a filha do cientista. Ela conta o que enxerga através do porviroscópio ao narrador da história – o tal do Ayrton, aquele que comprara o carro Ford.
“Seres vivos dobrados”
No mundo da tecnologia , a descrição que Lobato faz do futuro dos meios de comunicação é bastante convincente: “A roda, que foi a maior invenção mecânica do homem, terá seu fim. O rádio-transporte tornará inútil o corre-corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado para o escritório e voltar pendurado num bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele seu serviço em casa e o radiará para o escritório. Em suma: Trabalhar-se-á à distância.”
A imaginação de Monteiro Lobato vai além e lança luz sobre os atuais experimentos genéticos. O porviroscópio revela que a medicina avançaria muito e que experimentos genéticos permitiriam a existência de “seres vivos dobrados” como os clones que conhecemos hoje. Sobrou até para o criador da psicanálise, Sigmund Freud, porque, na imaginação de Lobato, os sonhos não seriam analisados, mas exibidos no cinema como entretenimento.
Entre 1927 e 1931, Lobato morou nos Estados Unidos, onde atuou como adido comercial do Brasil. Voltou de lá convicto de que aqui havia petróleo – e começou a fazer previsões no campo das riquezas naturais. Também aí acertou. Teria sido Lobato o Nostradamus brasileiro? O visionário francês previu o fim do mundo em 2000. Pelo grau de acerto de Lobato, ainda bem que seu porviroscópio nunca se enveredou por esse assunto.